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"No país das sirenes perfeitas", por Maria Helena RR de Sousa*

... Mas não foi o que fez a nossa sacrificada comitiva. Ali estavam para uma visita certamente destinada a iluminar os técnicos da FAO. Dona Dilma é pessoa generosa e não se furta a dividir com todos os seus conhecimentos...

25.03.2013  |  531 visualizações
Não estava com algum tipo de problema, não. A nossa prevenção, hoje, avisa as pessoas. Eu acho que vão ter de ser tomadas medidas um pouco mais drásticas para que as pessoas não fiquem nas regiões que não podem ficar, porque aí não tem prevenção que dê conta, se você fica numa região, num determinado lugar, mesmo sabendo que tem que sair, né?"
Palavras de dona Dilma, de Roma (do site G1, em 18 de março).

A presidente se referia à Serra do Mar. Das tragédias que se repetem anualmente por culpa de seus moradores, esse bando de inconsequentes que insiste em morar em áreas de risco. Com tantas opções que os governos federal, estadual e municipal lhes oferecem, esses imprudentes voltam à cena do horror que sofreram porque não têm nada na cabeça. São uns irresponsáveis!

Muito ocupada em administrar a comitiva de 52 pessoas e 17 limusines que achou por bem levar ao Vaticano para a entronização do Papa Francisco, dona Dilma, empenhada que estava em se mostrar mulher de Fé, devotada aos pobres e desvalidos do mundo, marca do governo lulista que busca a beatificação, a poverella, lá de longe, numa calçada da Viale delle Terme di Caracalla, não podia saber o que se passava no bairro do Fonseca, em Niterói, RJ.

Antes que algum leitor peque por falta de misericórdia, e descuide dos bons conselhos do novo Papa, adianto que a comitiva não estava nessa pequena rua para visitar as grandiosas Terme di Caracalla. Não, não, não. Estava ali porque tinha dado uma passadinha na sede da FAO - sigla que se refere à Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

Vejam vocês como fiz bem em alertá-los, não é? Nós, vocês, eu, em Roma, certamente não iríamos perder a chance de visitar um monumento como Caracalla, para nos extasiar diante da capacidade e brilhantismo dos arquitetos romanos que nos idos de 212 a 217 d.C. ergueram essa fantástica estrutura que ainda estarrece o mundo.

Mas não foi o que fez a nossa sacrificada comitiva. Ali estavam para uma visita certamente destinada a iluminar os técnicos da FAO. Dona Dilma é pessoa generosa e não se furta a dividir com todos os seus conhecimentos.

Baseada nessa certeza, posso afirmar que no momento dessa pequena entrevista ninguém lhe contara ainda sobre outro problema relacionado aos teimosos que insistem em viver onde não devem.

Em abril de 2010, quando o Morro do Bumba, a favela erguida sobre um lixão em Niterói, RJ, desmoronara deixando 47 mortos e mais de três mil desabrigados, o governo federal, sempre atento à nova classe média brasileira, acionara o programa Minha Casa Minha Vida para a construção de 11 blocos de apartamentos destinados a abrigar as famílias destituídas de seus tetos e pertences. Dos mortos, naturalmente, Deus já se ocupou.

Acolhidos pelo 3º Batalhão de Infantaria de São Gonçalo, RJ, cerca de 400 dos irresponsáveis ex-moradores do Bumba estavam a três meses de receber as chaves do que seria sua nova e segura residência, posto que chancelada pelo cuidadoso governo federal, quando souberam que dois dos onze prédios teriam que ser demolidos por estar ameaçados de desabar.

Isso mesmo. Desabar. Dois blocos. Por enquanto é o que se sabe com certeza, pois dizem que outros blocos podem ter problemas semelhantes.

Será que foram erguidos em morros ou áreas de risco tipo aquelas que dona Dilma condenou, por alucinados que "não querem sair de áreas onde não podem ficar?".

Não, foram erguidos em terrenos planos no bairro do Fonseca, Niterói, com financiamento da Caixa Econômica Federal e cada bloco custou R$ 2 milhões de reais. Total: R$ 27 milhões. Construtora: Imperial Serviços Limitada.

Só que devido à estranha atração por áreas de risco, como lastimou nossa bem avaliadíssima dona Dilma, foram construídos "justo em cima do caminho preferencial por onde corriam as águas que desciam pelo terreno, no pé de um morro. Com o tempo seco, esse caminho também ficava seco. Mas, quando chove, ali se formava um córrego. Os prédios foram construídos sobre essa área, e a água se infiltrou por baixo da obra" (Antonio Eulálio, perito em estruturas e conselheiro do CREA-RJ, O Globo, 22/3/2103).

Começou no sábado, 23/3, a demolição. Que será feita sem explosivos, naturalmente por precaução... Pelas fotos que correm na Internet, creio que será um caso rápido. As marretas terão pouco trabalho.

Mas não sei se não foi muita precipitação. Por que em vez de tomar medidas drásticas, como demolir e depois reconstruir prédios, assim sem mais aquela, não instalam sistemas de alarme sofisticados como os da Serra do Mar? Afinal, como sabemos, o pessoal vai continuar a insistir em morar onde não deve, apesar de todo o empenho dos governos.

Qualquer coisa, a sirene dispara e fica todo mundo avisado: corra que sua casa vai cair!

* Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa* - É, antes de mais nada, uma pessoa maravilhosa. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa. Passa a escrever semanalmente para o site Brickmann & Associados
arrs02@gmail.com

..cada bloco custou R$ 2 milhões de reais. Total: R$ 27 milhões...
(Divulgação -(clique " Alta " para abrir))