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"Quando eu for eu vou sem pena", por Maria Helena RR de Sousa

...o Dr. Paulo Vanzolini era amigo de meu pai. Eis um presente que recebi do gentilíssimo Ricardo Dias. Essa caricatura do Loredano, um feliz ‘instantâneo’ desses dois amigos em plena atividade... papeando o mínimo, cantarolando pouco e bebendo bem, que afinal eles foram ali para isso....

29.04.2013  |  765 visualizações

Eu ia dizer que perdemos uma grande figura, mas lembrei-me de seu delicioso samba ‘Quando eu for eu vou sem pena’. Quem não tem a felicidade de guardar em casa a belíssima caixa de 4 CDs chamada ‘Acerto de Contas’, pode ouvir no YouTube esse poema na voz de Chico Buarque (http://youtu.be/HBs7pAYL9v8).

Estive com o Dr. Vanzolini duas vezes. Na primeira, ele não tinha a menor ideia que eu fosse a filha de seu amigo Adoniran. Foi no Jogral, em SP, local noturno daqueles que não se fazem mais... Assisti embevecida e saí.

Da segunda vez foi no Teatro Clara Nunes, aqui no Rio, quando ele veio para o lançamento da caixinha que mencionei acima. Aí fomos apresentados. Ou melhor, ele me convocou para subir ao palco mal o show fosse encerrado. O que obedeci, e assim conheci essa figura interessantíssima. Gostei dele. Muito.

Ontem, ao saber de seu falecimento, minha primeira reação foi sentir um aperto no coração. Em seguida fui ouvir seus discos. Um homem assim não nos deixa. Ele está sempre conosco. Sempre.

Não sei se os leitores assistiram ao documentário ‘Um Homem de Moral’, de Ricardo Dias. A trilha sonora, nem preciso dizer, é um luxo. Mas Ricardo fez mais: mostrou quem era o cientista que tinha dentro de si um compositor fantástico.

O zoólogo Paulo Vanzolini descobriu não sei quantas mil espécies de seres em suas pesquisas de campo Brasil a dentro. Numa de suas entrevistas ele contou que ser sambista era sua segunda pele. A primeira era ser zoólogo: "É a única coisa de que gosto, a única coisa que sei fazer [...]. Um dia eu nasci e já era zoólogo".

De outra feita eu o ouvi contar que o dinheiro que ganhava com suas músicas ele investia em livros para a biblioteca do Instituto Butantã. Isso revela o homem.
Foram amigos, ele e Adoniran. Além de compositores e boêmios, tinham outro traço interessante em comum: não sabiam tocar nenhum instrumento, nem escrever uma pauta. Precisavam de amigos para pôr no papel as maravilhas que saiam de suas mentes privilegiadas.

Havia uma grande distância entre a instrução de um e a simplicidade do outro. Mas isso não impediu que se quisessem bem, nem que se admirassem mutuamente. E a generosidade do Dr. Vanzolini era tal que ele um dia disse: ‘Inês saiu dizendo que ia comprar um pavio pro lampião’, verso do Adoniram para o seu ‘Apaga o Fogo, Mané’, era todo um tratado de sociologia!

Vindo dele, autor de sambas com letras extraordinárias, isso foi para Adoniran Barbosa, uma medalha.

Tenho orgulho em dizer que o Dr. Paulo Vanzolini era amigo de meu pai.

Eis um presente que recebi do gentilíssimo Ricardo Dias. Essa caricatura do Loredano, um feliz ‘instantâneo’ desses dois amigos em plena atividade... papeando o mínimo, cantarolando pouco e bebendo bem, que afinal eles foram ali para isso....

* Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa* - É, antes de mais nada, uma pessoa maravilhosa. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa. Passa a escrever semanalmente para o site Brickmann & Associados

Caricatura de Loredano: Paulo Vanzolini e Adoniran Barbosa
(Acervo pessoal de Maria Helena Rubinato)