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"Água", por Maria Helena RR de Sousa*

... vendo fotos do solo 'craquelado' em SP, igual ao chão pisado pelos personagens de Graciliano, penso: será que não seria o caso de nos concentrarmos em nunca mais deixar um solo esturricado em nosso país? Israel conseguiu tirar água de pedra. Dessalinizou a água do mar ...

14.11.2014  |  708 visualizações
Artigo publicado originalmente no Blog de Ricardo Noblat, 14 de novembro de 2014

É conhecido o que acontece quando enfileiramos as peças de um jogo de dominó e depois damos um piparote na primeira.

Essa queda em série é o mesmo que acontecerá com os outros estados da Federação se São Paulo não resolver o problema da crise hídrica que atravessa.

O Rio ainda não está na mesma situação de SP, mas quando ouvimos relatos de moradores da Serra Fluminense de que a água em suas torneiras está um fio e que os lindos rios e riachos da região minguaram, dá um arrepio na alma!

Já li todo tipo de comentário aqui no Blog do Noblat. Mas nunca li nada tão estarrecedor - homenagem à dona Dilma, que anda muito estarrecida ultimamente - como as palavras de um leitor sobre a reunião do governador Alckmin com a presidente da República a respeito de obras para começar a resolver o problema da falta d’ água em seu estado.

O leitor, naturalmente sem pensar muito, comentou que Geraldo Alckmin foi mendigar junto à dona Dilma!

Seria cômico se não fosse trágico ver um cidadão brasileiro não perceber que é do maior interesse do Brasil colaborar com São Paulo.

Alckmin foi apresentar à dona Dilma planos para obras de infraestrutura destinadas a resolver o problema da seca em SP, orçadas em R$3,5 bilhões.

Um pleito justo: a defesa permanente contra secas e inundações, bem como a gestão dos recursos hídricos, se inclui na competência da União (art. 21, incisos XVIII e XIX da Constituição, respectivamente). Assim, dona Dilma talvez seja a mais interessada em não ver São Paulo parar e isso está longe de ser mendigar!

Dirão que exagero ao lembrar ‘Vidas Secas’, o belo livro de Graciliano Ramos (1938) do qual Nelson Pereira dos Santos fez um filme (1963) que é impossível ver sem sofrer pelo Brasil. É só olhar, por exemplo, Rio São Francisco (1634) de Franz Post e ver que meu medo não é exagerado.

Hoje, vendo fotos do solo 'craquelado' em SP, igual ao chão pisado pelos personagens de Graciliano, penso: será que não seria o caso de nos concentrarmos em nunca mais deixar um solo esturricado em nosso país?

Israel conseguiu tirar água de pedra. Dessalinizou a água do mar e fez daquele canto da Terra um jardim.

Que tal usarmos nosso vasto litoral para salvar o Brasil? É um processo caro? É. Mas somos riquíssimos.

Somando multas altíssimas para quem desmatar; as quantias que vão parar em bolsos trêfegos; e o custeio dos luxos e exageros de uma máquina pública que chega a ser ridícula de tão gigantesca, é capaz de R$6.1 bi ser apenas troco.

É só lembrar: sem água não há saúde, não há vida.


* Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa* - Professora e tradutora. Vive no Rio de Janeiro. Escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa.
https://www.facebook.com/mhrrs e @mariahrrdesousa

Baleia, a meiga e sofrida cadela de ‘Vidas Secas’, pouco antes do sacrifício
(cena do filme de Nelson P. dos Santos)