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"Amargo regresso", por Alexandre Schwartsman*

...Com o afrouxamento das condições monetárias há plenas condições para a recuperação da produção industrial no futuro próximo, sugerindo que a reversão à média, mais que acidente, faz parte da operação normal da economia...

05.04.2012  |  147 visualizações
Artigo publicado no Valor Econômico, edição de 5 de abril


Sim, sou obsessivo, mas nem eu gosto tanto assim de revisitar temas sobre que escrevi repetidas vezes e apresentar argumentos já vistos à exaustão. Porém, como o tema da "desindustrialização" teima em voltar a cada fraquejada da produção manufatureira local, não tenho escapatória, mas regressar a ele e mostrar de novo que - embora exitosa (e como!) em sua tarefa de arrancar recursos dos crédulos - a tese não faz sentido.

Seus defensores voltam a apresentar dados sobre a redução da participação da indústria no PIB como prova irrefutável de que o Brasil está regredindo economicamente (pelas lágrimas deste pessoal imagino que em breve retornaremos às cavernas). Eu choraria pela indústria nacional, mas minha solidariedade com o resto da humanidade me impede.

De fato, considerando que, segundo a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), a participação da indústria no PIB mundial caiu de 27% para 16% entre 1970 e 2010, guardo meus pêsames para a desindustrialização planetária, sem dúvida provocada pela tendência inexorável da apreciação da taxa de câmbio global (não sei ainda se contra o tanpi marciano ou o druggat de Tatooine, mas pretendo descobrir).

Obviamente, para me manter alinhado com o lobby nacional, desconsidero que o enriquecimento e o consequente aumento da demanda por serviços possam ter qualquer papel relevante a desempenhar no processo de redução de peso da indústria no PIB. Pensando bem, quem quer escola e médico quando fica mais rico, se há sempre a possibilidade de comprar mais uma geladeira? Isto dito, é conveniente deixar de lado também a queda expressiva dos preços das manufaturas relativamente aos serviços, seja no Brasil, seja no mundo, pois isso não justificaria a busca de mais subsídios.

As dificuldades óbvias da tese se sustentar face à tendência global de perda de relevância da manufatura aumentam ainda mais quando se considera que o Brasil tem mantido sua participação na produção industrial global. Segundo os dados da UNIDO[1] ([1] http://www.unido.org/fileadmin/user_media/News/2011/YB%20presentation%20India%202011%20%282%29.pdf ) o Brasil representava cerca de 1,7% da produção manufatureira global em 2000, repetindo o valor em 2010.

Podemos checar esta informação usando outras fontes, a saber, as estimativas da produção industrial global produzidas pelo CPB, assim como as estimativas nacionais, frutos do galhardo esforço do IBGE. O gráfico mostra a razão entre a produção industrial brasileira e a global de janeiro de 1999 a janeiro de 2012, tomando, por conveniência, a média do período como base 100.

Como se vê, a produção nacional não aparenta ter perdido a relevância global. Houve, é claro, momentos em que o Brasil saltou à frente da produção, assim como períodos nos quais ficamos um tanto atrás. Ao longo dos últimos 12 anos (a partir da adoção do câmbio flutuante), todavia, a razão entre produção local e global parece oscilar ao redor da média, comportamento consistente com as estimativas da UNIDO.

É verdade que, a partir de meados de 2010 nossos dados sugerem perda de participação da indústria brasileira na produção global (que, de qualquer forma, apenas reverteu à média do período), mas, como argumentei em minha última coluna neste espaço, boa parte disso resultou da redução da demanda interna, fruto do aperto monetário que se materializou do segundo trimestre de 2010 ao terceiro de 2011. Com o afrouxamento das condições monetárias há plenas condições para a recuperação da produção industrial no futuro próximo, sugerindo que a reversão à média, mais que acidente, faz parte da operação normal da economia.

Obviamente, desmentir a tese da "desindustrialização", por maior prazer pessoal que me traga, tem escasso efeito prático. O lobby já convenceu os crédulos e, na expressão imortal de Armínio Fraga, "o meu, o seu, o nosso dinheiro" já está sendo devidamente canalizado para os suspeitos de sempre, agora numa escala algo maior. Diz-se que "o que os olhos não veem, o coração não sente", mas o que fazer quando os olhos veem?


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• * Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley).

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Ps, do autor: Dois comentários a propósito do artigo de José Augusto de Castro na Folha de S. Paulo de 1º de abril: (a) repetir um argumento errado não o torna certo, apenas duas vezes errado; e (b) as exportações do Brasil para seus 5 maiores mercados latino-americanos atingiram US$ 30 bilhões em 2007, 6,74% das importações daqueles países (US$ 445,5 bilhões); em 2011 foram US$ 39,2 bilhões exportados contra importações de US$ 583,3 bilhões, participação de 6,73%. A perda de participação de 0,01% foi beeem real...

Fonte: Autor (com dados do CPB e IBGE)