Quando a gente fica em dúvida se, realmente, o Estado de Israel é uma democracia, os fatos se ocupam de prová-lo.
Num sábado à tarde, em meados de fevereiro, cerca de dois mil árabes israelenses se reuniram em um salão de festas na zona industrial de Nazaré. A ocasião foi o pontapé inicial da campanha do bloco unificado de facções políticas árabes numa única lista pela primeira vez na história.
Como contou a reportagem do Haaretz: um grupo de universitários vestindo camisetas vermelhas em apoio ao Hadash, o unificado partido comunista israelense ficou na parte de trás do salão de festas. Logo, deputados árabes do Knesset, incluindo Haneen Zoabi e Ahmad Tibi, tomaram seus assentos na parte da frente da sala. Dov Khenin, parlamentar judeu do Hadash, sentou-se no final do salão.
Pelo alto-falante, Imagine, dos Beatles.
"É histórico", disse Mariam Farah, uma ativista de 28 anos de idade, de Haifa e ex-assistente parlamentar de Balad Basel Ghattas. Ela chegou ao evento com um amigo que nunca tinha votado antes.
A lista conjunta representa quatro diferentes partidos árabes dentro de Israel: Hadash, o partido comunista judeu-árabe; Ra'am, um grupo islâmico cuja base é o Sul de Israel; Ta'al e Balad, dois grupos nacionalistas. Todos os quatro partidos estão atualmente representados no Knesset: o Hadash com quatro lugares; o Balad e Ra'am com três. Ahmad Tibi é o parlamentar da Ta'al.
A unificação dos partidos árabes foi uma consequência lógica da nova Lei de Barreira, idéia do ministro das Relações Exteriores Avigdor Lieberman, que limita o ingresso ao Parlamento a listas com no mínimo 3,5% votos válidos (o limite anterior era de 2%). Isso é o equivalente a quatro cadeiras, o que afasta pequenos partidos.
"Temos de admitir que é um desafio para nós por causa da Lei de Barreira", disse Aida Touma-Suleiman, membro do Hadash, que é o quinto na lista. Se o objetivo não declarado de Liberman era prejudicar os árabes, o tiro saiu pela culatra. Amplamente visto como um esforço de Lieberman para afastar os partidos árabes da Knesset, as novas regras vão provavelmente fazer exatamente o oposto. Com a eleição a menos de um mês, as pesquisas mostram que a lista conjunta poderá render até 15 assentos no Parlamento de 120 membros, tornando-se o terceiro maior bloco atrás do Likud e do Campo Sionista. "Mesmo um governo de direita terá que entender que este é um novo jogo", disse Touma-Suleiman.
A lista comum da plataforma, que foi distribuída em Nazaré, contém oito pontos. Em primeiro lugar, solução para o conflito israelense-palestino com base em dois Estados, com Jerusalém Oriental como capital e uma "solução justa" para a questão dos refugiados palestinos, com base no direito de regresso, tal como consagrado pelas Nações Unidas. A plataforma exige o desmantelamento de todos os assentamentos na Cisjordânia e do "muro de separação racista".
"Eu acho que esta é a única coisa que não tem que discutir", disse Touma-Suleiman.
O documento inclui a implementação de plena igualdade para a população árabe-palestina dentro de Israel, abandonando o plano Prawer para reassentar beduínos, derrubando o projeto de exigências aos cidadãos drusos, lutando contra a pobreza e em favor dos direitos dos trabalhadores, preservando o status da língua árabe e, por último, mas não menos importante, erradicando as armas nucleares - incluindo as de Israel - do Oriente Médio. (Israel nunca reconheceu publicamente Dimona, o seu esconderijo de armas nucleares.)
A lista unificada tem a possibilidade não só de mudar a representação, mas para refazer fundamentalmente a política árabe dentro de Israel pela primeira vez em quatro décadas.
Ou seja, tudo dentro das melhores regras democráticas. Um avanço para a retomada de sérias negociações de paz na região. Eu não me canso de ser otimista...
Ah, sim, claro, não li nada a respeito na mídia brasileira, apesar dos correspondentes em Jerusalém.
*Henrique Veltman é jornalista