Publicado originalmente no Especial Mulher do Portal Dom Total http://www.domtotal.com/
AJUSTO-ME A MIM, NÃO AO MUNDO.
Anaïs Nin
NÃO SE NASCE MULHER: TORNA-SE.
Simone de Beauvoir
No início só havia a descrença, as barreiras morais e sociais, as regras invisíveis. Veio uma e rompeu ali, outra, aqui, e aquela lá longe, acolá. Veio outra e fez com o que amor que algum homem lhe dedicava se transformasse em motor da história e do desenvolvimento apenas para lhe agradar, e mais uma, que se escondeu apresentando-se como homem, disfarçada, para penetrar nalgum proibido.
Começaram a sair de casa, sozinhas, buscando o mundo, tentando conhecer todas as paisagens, não só aquelas das janelas de seus quartos. Começaram a largar seus maridos obrigatórios e sobreviver para fazer viver seus filhotes, num instinto único. Começaram a aprender e entender a importância do conhecimento que a ela tantas vezes era negado.
Elas vêm vindo há séculos, mas o que ainda me parece incrível é quão lentamente; algumas ficaram muito famosas, lendas - até por isso, pelo rompimento com paradigmas. Entraram para os livros, viraram heroínas, suscitaram biografias e biografias e, mais do que tudo, foram se multiplicando tomadas como exemplo por outras e outras mulheres entusiasmadas pelas possibilidades que agora poderiam começar a avistar. Foram rompendo os limites como se rompem os himens, estes pedaços de pele que hoje andam bem desimportantes, perderam valor, não sei se mais ou menos do que aquela empresa petrolífera em apuros aqui perto.
Cada passo uma eternidade. Descalças ou sobre saltos, logo começaram também a usar coturnos e botas militares, irem para a guerra, dentro dela - além de apenas como amparo ou mesmo causa de algumas delas - batem continência e desafiam tanto que muitas viraram líderes de nações. Votaram e foram votadas, e por homens e mulheres.
Hoje elas estão em todos os locais, profissões, espaços, ganharam um dia no qual internacionalmente são louvadas, mas porque ainda tão poucas em cada um desses quadrados? Vejamos: na maior parte dos países há mais concentração de mulheres do que de homens. É o caso do Brasil, onde há 97 homens para cada 100 pessoas do sexo feminino. Mais especificamente aqui no canto verde e amarelo, o Brasil tem mais mulheres do que homens. De uma população de 195,2 milhões de habitantes, 100,5 milhões - ou 51,5% - são mulheres e 94,7 milhões são homens - 48,5% do total.
Quando eu nasci, 1958, existiam aqui 34 milhões e 417 mil mulheres. Hoje, somos mais de 99 milhões, de acordo com os números de 2010. Somos mais, no meio de tanta gente.
No mundo todo hoje somamos quase 3 bilhões e meio de mulheres. Há, contudo, mais 57 milhões de homens, e as explicações para essa diferença são sempre bem desvantajosas para a mulheres. Violência, porque ainda se matam bebês mulheres, descartados. Mutilam os órgãos genitais de mulheres. Algumas religiões nos repelem, como se sem nós pudessem existir. Ou morremos, simplesmente, embora paradoxalmente vivamos mais e viramos mais números de pessoas idosas, as mulheres que contarão para outras como são lentas essas mudanças geração após geração.
Os passos enormes para a Humanidade continuam a ser delicadamente dados, com nossa natureza mais pacífica, inteligência emocional e uma linguagem toda própria, criada no privilegiado corpo capaz de produzir gente, como uma pequena fábrica de sobrevivência.
Chegamos rebolando, charmosas, vaidosas. Fortes e decididas. Sedutoras e seduzidas. Não haverá nada que não possamos fazer, e até muitas vezes melhor. Não queremos guerra, nem somos nós que fazemos comparações. Sabemos que damos medo. Sabemos que é justamente esse medo que ainda busca nos reduzir, que não nos valoriza, que nos paga menos, que pretende sempre subjugar, manter-nos controladas.
Mas todas as mulheres do mundo sabem que o mundo todo é das mulheres, ou pode ser ocupado, nem que seja a metade. Mas uma metade precisa e real.
Para onde caminhamos, batendo nossos saltinhos, carregando nossas bolsas que mais parecem caixas mágicas de sobrevivência, em duplas, às vezes triplas jornadas, em dias que se contássemos tudo o que fazemos só entre nós parecem dias possíveis, risíveis.
A cada dia somos sim é mais visíveis, nos campos, nas cidades, e até no espaço. Nas Ciências, academias e parlamentos, nas artes e esportes.
No início era a descrença... Agora já estamos na pista e cada vez mais rápido haverá o dia que os homens se mirarão e terão orgulho de nossas vitórias ao invés de tentar diminuí-las.
Que sejam ágeis porque cada vez mais mulheres não tem querido saber deles nem por perto. E aí vai continuar essa eterna luta pela igualdade; quer dizer, será a vez dos homens correrem atrás do prejuízo. Bom que se adiantem, porque o mundo dá voltas, e ele já é das mulheres, essa Mãe Terra.
* Marli Gonçalves -
- jornalista, feminista, determinada