Apesar da oposição de Joaquim Levy, o governo (ou o que resta dele) parece disposto a adotar o imposto sobre fortunas e aumentar a alíquota do imposto sobre herança. O objetivo não é de justiça fiscal - fazer com que os ricos paguem pelos pobres, o que é compreensível e louvável (à condição que os impostos sejam bem empregados). Em bom português, trata-se de demagogia, no momento em que o PT perde apoio até entre os beneficiários do Bolsa Família. O partido precisa recuperar urgentemente os seus militantes, pois está perdendo a batalha das ruas, que era o seu forte. No entanto Dilma, hoje, como Lula no passado, sabe que o imposto não é necessariamente um bom negócio.
Os defensores do imposto sobre fortuna argumentam que a França adotou o tributo em meados dos anos 1990 e que o mantém até hoje. É verdade. O que "esquecem" de dizer é que a França caminha na contramão do resto da Europa. Alemanha, Itália, Irlanda, Austria e até mesmo os escandinavos Dinamarca, Finlândia, Islândia e Suécia não taxam as grandes fortunas. Um levantamento feito pela consultoria EY ( Ernst & Young), em 21 países em que tem escritório, apontou a existência de um imposto que incide sobre fortunas em apenas seis: Argentina, Espanha, França, Índia, Noruega e Suíça. Mas com vários poréns: na Espanha ele tem prazo de vida definido, na Índia só entram no cálculo os bens de luxo, na Suíça só alguns raros cantões o aplicam, enquanto na solidária Noruega as grandes fortunas são contadas nos dedos das mãos e a fraude praticamente inexiste.
Por que a maioria opta por não tributar as grandes fortunas? Porque a relação custo-benefício é negativa.
Na França, o Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna (ISF) atinge aqueles com riquezas superiores a 1,3 milhão, por volta de 4,6 milhões de reais, com uma alíquota que vai de 0,5% a 1,5%. Além disso, o presidente François Hollande ainda aumentou a tabela do imposto de renda para os milionários - o que acabou se tornando a gota dágua para centenas de ricos deixarem o país.
A conclusão é do professor Jacques Le Cacheux, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica: "A cada ano, várias centenas de pessoas retiram o domicílio fiscal da França por causa do ISF. Milhares de famílias se instalaram em países vizinhos, principalmente na Suíça e na Bélgica (ao que eu acrescentaria a Inglaterra). O resultado é que a França deixa de recolher um volume considerável de outros impostos com a fuga de todas essas fortunas para o exterior."
Feitas as contas na ponta do lápis, chega-se à conclusão que o balanço do ISF é deficitário. O custo com a evasão fiscal e a mudança de domicílio é superior à arrecadação da taxa sobre as grandes fortunas.
Por que então a França continua a aplicá-lo? Porque os governantes são burros?
Claro que não. Simplesmente porque o custo político de uma eventual abolição seria imenso. Nicolas Sarkozy bem que tentou, mas voltou atrás. A questão é ideológica. Os eleitores não fazem as contas para saber se o imposto é benéfico, mas consideram que os ricos devem pagar, em nome da justiça tributária.
O economista francês Thomas Piketty é um dos defensores do imposto. Só que, para ele, o tributo deve ser global e com uma alíquota de até 80%. Trata-se portanto de mero exercício intelectual. Pura utopia.
Com relação ao aumento da carga sobre herança, o resultado também é duvidoso e a França, uma vez mais, está em foco. Dependendo do valor da herança, os herdeiros em linha direta chegam a pagar 45% do total do patrimônio. Consequência: aqueles que herdam pequenos negócios preferem fechar ou acabam falindo. Outros simplesmente abandonam a herança. E assim o país perde milhares de pequenas empresas e de empregos.
Compensa? Talvez sim, talvez não. Os cálculos nunca foram feitos ou publicados. Uma vez mais, reduzir a alíquota é impensável do ponto de vista politico. A gritaria seria geral. Para Le Cacheux, o imposto sobre herança tem um impacto nocivo para o clima de negócios: os empreendedores temem se expor a uma carga tributária excessiva e assim terem dificuldades para transmitir o patrimônio aos descendentes.
O tiro sai pela culatra.
Milton Blay - Correspondente em Paris há 35 anos, autor do livro "Direto de Paris, Coq au Vin com Feijoada" . Pode ser ouvido em boletins diários nas rádios BandNews FM e Bandeirantes AM.