Artigo publicado originalmente na edição digital do Diario do Comércio , de 8 de abril de 2015
Em 1992, em um cartaz pendurado na sede da campanha de Bill Clinton, James Carville, o grande estrategista eleitoral escreveu: "É a economia, estúpido!". Clinton disputava a eleição com George H. Bush, o pai, candidato republicano à reeleição.
Bush vinha apostando no sucesso obtido pelos americanos na primeira Guerra do Golfo e na popularidade inédita de quase 90% de aceitação, ignorando que o país submergia em grave recessão. Clinton venceu, insistindo no tema da economia e, especialmente, nas questões relacionadas com a vida quotidiana dos cidadãos e suas necessidades imediatas.
Posteriormente, a frase famosa de Carville serviu para sinalizar (ou criticar) estratégias eleitorais que tinham o foco errado de prioridade, destacando o essencial em determinada situação ou referindo-se a outras questões consideradas básicas para o eleitor.
Trasladando a frase de Carville para o que está acontecendo em São Paulo, se poderia reinventá-la para um foco mais desejado pelos cidadãos contribuintes: "São as calçadas, estúpido!". Ao invés de espalhar pela cidade faixas para bicicletas pintadas de vermelho - em ruas onde passam raros ciclistas e/ou com topografia desfavorável - seria mais lógico contemplar centenas de milhares de pedestres simplesmente com boas e acolhedoras calçadas.
Obviamente estamos falando de calçadas largas, com pavimento homogêneo, boa iluminação, arborização adequada e, sobretudo, oferecendo conforto e segurança ao pedestre. Ou seja, calçadas com a função que as calçadas têm em qualquer grande metrópole do mundo civilizado, qual seja a de estimular e facilitar ao convívio urbano.
No entanto, ao colocar o foco em "ciclovias" pintadas a esmo, o poder público municipal se esquece da importância civilizadora das calçadas, bem como seu papel de suporte à convivência, ao comércio e à economia. Todavia, o que temos, numa importante metrópole como São Paulo, é uma situação surreal, onde as calçadas são concebidas para... os automóveis!
Elas são, em geral, inclinadas para facilitar a entrada de veículos, a arborização é destruída para o mesmo fim, não existe um padrão homogêneo de pavimento e, frequentemente, o pedestre tem que caminhar pelas ruas porque as calçadas são ocupadas por veículos ou invadidas por "empreendedores" que vendem suas mercadorias nas calçadas, sem pagar impostos, o que é um constrangimento a mais para os pedestres contribuintes. Isto faz de São Paulo uma metrópole que devaneia (e às vezes delira) em ser Nova York e tem a realidade quotidiana de Calcutá!
Metrópoles se formam em longos processos históricos. Acolhem, em sua formação, atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural. Crescem e se caracterizam pela diversidade étnica, cultural, religiosa e política. O habitante da cidade torna-se detentor pleno dos direitos civis e políticos, portanto, um cidadão que é simultaneamente consumidor, contribuinte e eleitor.
Erros de foco nas prioridades são fatais porque contradizem a percepção quotidiana do cidadão. A metrópole paulistana ganharia muito mais se o foco tivesse sido o das calçadas. Ganhariam os cidadãos, o comércio, a cultura e se caminharia mais seguramente para o processo civilizador. Refugiar-se em shoppings para ter a sensação de conforto e segurança - que não se tem nas calçadas - é uma forma de alienação que reforça o processo de degradação urbana e decadência do comércio de rua.
Não se pode esquecer que "cidadania" vem do latim "civitas", cidade, tal como "cidadão". E cidades se formaram a partir das trocas, do comércio, da convivência nas ruas, calçadas e praças. Foram sempre processos longos e penosos de conquistas e frustrações.
Hoje, o habitante da cidade - especialmente de uma grande metrópole, como São Paulo -, na qualidade de cidadão, é cada vez mais um sujeito da ação. O cidadão-contribuinte-consumidor-eleitor não pode ser simplesmente um sujeito de contemplação, omisso e fechado em si mesmo.
Nada contra, portanto, o ciclo-ativismo e as ciclovias onde, de fato, couberem. Mas cabe agora despertar os pedestres-ativistas, para defenderem um direito básico da cidadania, qual seja a liberdade de ir e vir a pé, em calçadas agradáveis, seguras e, sobretudo, feitas para eles.
Quem sabe se nesse deserto de boas ideias acabe surgindo um estrategista eleitoral (ou apenas um marqueteiro) com o grande talento de Carville e sugira que se gaste melhor o suado dinheiro dos contribuintes em boas calçadas? Que tal pôr o foco em algo mais básico para o cidadão?
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Josef Barat- é Coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo.