Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 25 de março de 2015
O Banco Central promete (ou talvez não, como veremos) que a inflação no ano que vem voltará a 4,5%, a meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Eu bem que gostaria de acreditar (não, minto: me divirto muito mais duvidando), mas, para ser sincero, esta não é a primeira vez que ouvimos esta promessa.
De fato, entre agosto de 2011 e agosto de 2012, enquanto reduzia a taxa de juros ininterruptamente, o BC bem que tentou garantir que sua postura não ameaçaria o cumprimento da meta. Assim, ao longo daquele período as atas das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) afirmavam:
"o Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, ajustes moderados no nível da taxa básica são consistentes com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012" .
No entanto, a inflação em 2012 atingiu 5,84%, mesmo ajudada pela mudança na metodologia do IPCA, sem a qual a medida de inflação teria chegado a 6,54% naquele ano.
Apesar do fracasso evidente, o BC não se entregou. Em outubro de 2012, reconhecendo que o ano estava perdido, afirmava:
"o Comitê entende que a estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta, ainda que de forma não linear" . Em português, apostava que a manutenção da Selic no patamar então vigente (7,25% aa) seria suficiente para fazer a inflação retornar à meta (mas não vou me aventurar a traduzir o que seria uma "convergência não linear").
Não foi. Tanto que, apesar de manter a promessa na ata até janeiro de 2013, já em abril daquele ano voltava a elevar a Selic e afirmava:
"o Comitê avalia que essa decisão contribuirá para colocar a inflação em declínio e assegurar que essa tendência persista no próximo ano".
Água de novo. A inflação em 2013 subiu para 5,96% e manteve a trajetória crescente ao longo de 2014, batendo em 6,41%.
Mesmo assim o BC interrompeu o ciclo de aumento de juros em abril de 2014 e redobrou a aposta:
"o Comitê antecipa cenário que contempla inflação resistente nos próximos trimestres, mas, que, mantidas as condições monetárias - isto é, levando em conta estratégia que não contempla redução do instrumento de política monetária - tende a entrar em trajetória de convergência para a meta nos trimestres finais do horizonte de projeção".
Traduzindo, "agora está difícil, mas, se mantivermos a Selic nos níveis de hoje, a inflação volta a cair".
Ainda não foi desta vez. Não é por outro motivo que, na primeira reunião após as eleições, o BC voltou a aumentar a taxa de juros, garantindo em janeiro deste ano que
"decisões futuras de política monetária serão tomadas, com vistas a assegurar, no próximo ano, a convergência da inflação para a meta de 4,5% estabelecida pelo CMN".
O compromisso foi reiterado em março, com pequena, porém notável, alteração, pois agora o BC assegura a convergência para a meta "ao longo do próximo ano" (não mais "no próximo ano").
Frente a este histórico, nada mais saudável que o ceticismo acerca da capacidade, e mesmo da intenção, de o BC entregar a inflação na meta ano que vem.
Neste sentido, a afirmação de Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC (e um amigo a quem prezo muito) sobre Alexandre Tombini falar de inflação na meta desde 2011 e nunca entregar, é, como mostrado acima, apenas uma constatação factual. Promessas não faltaram; faltou ação coerente com elas.
É, portanto, lamentável que, ao invés de rebater estas críticas mostrando elementos que pudessem justificar que "desta vez será diferente", o BC tenha preferido atacar o histórico do Pastore na presidência da instituição, em que enfrentou problemas muito mais graves que os atuais.
Pastore entregou o país melhor do que estava quando assumiu a tarefa. Tombini não pode, nem de longe, afirmar o mesmo.
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ALEXANDRE SCHWARTSMAN - DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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