Um piano ao cair da tarde (a vinheta de abertura era a
Fantaisie Improptu, de Chopin). Noticiário primoroso, farto, baseado em grande parte na completa cobertura de
O Estado de S. Paulo, apresentado por locutores de primeira linha (e todos jornalistas de primeiríssimo time): José de Ávila Barroso, Bóris Casoy, Mário Lima. Música brasileira, música americana, música erudita, sem gritaria, vozes suaves. Esporte? Só turfe, no Jockey Club de São Paulo. Uma rádio de nicho, sem dúvida; não ambicionava concorrer com as rádios de massa, bastava-lhe seu público fiel. E, ao menos no caso deste colunista, quase cativo.
Esta era a Rádio Eldorado de São Paulo, puro bom gosto. Um dia, resolveram que era hora de disputar o mercado de massa. Em vez de música e notícias, só notícias (e lidas mais rapidamente, mais gritadas, mais de acordo com as tendências das outras rádios, menos de acordo com o nicho de público a que se destinava). As vinhetas foram aceleradas, afinal de contas a vida moderna exigia velocidade. Claro, caiu a audiência. Aí se tentou mudar ainda mais: a Eldorado mudou de lugar no dial e foi substituída por algo a que chamaram Rádio Estadão. Não deu muito certo. Houve um acordo com a ESPN, especializada em esportes (e, exatamente na empresa que havia nacionalizado os termos esportivos, transformado o full-back em zagueiro, o center-forward em centro-avante, o
referee em árbitro, o center-half em centromédio, a nova rádio usava o nome Estadão - Iespien, como se estivéssemos nos Estados Unidos e falássemos mal o inglês). Não deu certo de novo, a rádio voltou a ser Estadão, mais desgastada.
E agora, o tiro final com bala de prata e a estaca no peito: a rádio passa a transmitir pela antiga frequência da lendária Eldorado, 700 kHz AM, a programação da Igreja Internacional da Graça de Deus, do missionário R.R. Soares. Há longas explicações, como a importância de concentrar os investimentos na FM, segmento
premium, mas o fato é que a Eldorado já não é a rádio de que dá gosto lembrar. Uma empresa apoiada em suas tradições já perdeu duas delas: o
Jornal da Tarde e agora a Eldorado. Resta o
Estado.
Tristeza no ar, ou no éter. O berço de artistas deixou de existir; a gravadora fantástica já havia desaparecido há algum tempo, depois de abrir o mercado para profissionais novos de alta qualidade. A instituição paulista que Adoniran Barbosa, depois das noites boêmias, escolheu por muitos anos para tirar sua soneca num determinado sofá, hoje é mais uma veiculadora de mensagens religiosas. Música? Sim - mas nada de Aldir Blanc, Elis, Nara Leão, Arthur Rubinstein, Louis Armstrong, Toscanini, Jascha Heifetz, Alaíde Costa, Bing Crosby, Nat King Cole, Tchaikowski, Gershwin, Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Maysa, piano, violão, voz, metais, só para os melhores astros. Música, sim: um novo canal para os cantores gospel.
A economia...
O repórter faz várias matérias por dia. Faz por telefone, escreve para a reportagem on-line, escreve para seu blog, escreve para a agência e, enfim, escreve para o impresso - que, embora deixado por último, é ainda o produto que dá lucro. E tudo depressa, para poder tocar a matéria seguinte. Está exausto, claro. E, apesar de normalmente falar três ou quatro línguas e ter um armário cheio de diplomas de graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado, especialização em jornalismo investigativo, especialização em RAC, reportagem auxiliada por computador, não tem condições físicas de aguentar o tranco. Faz o que aguenta fazer. Alguém pode criticá-lo por fazer daquele jeito?
Um bom exemplo está em alguns trechos da matéria sobre o relacionamento de Luís Enrique, técnico do Barcelona, com Lionel Messi, o craque maior do time, publicada num grande portal informativo:
"O treinador (...) pouco conversa com o argentino (...) o relacionamento (...) é pequeno, só que o argentino viu o treinador o mudar de posicionamento pouco depois (...) O Luís Enrique manda mais que o Messi, obviamente. Ele é o treinador e não há ninguém que consiga se importa a ele".
Se o autor da reportagem tivesse tempo para ler o que escreveu, teria dado sentido às frases. Mas já devia estar ocupado com a pauta seguinte.
...é a base...
Regência? Esqueça, caro colega. Num grande portal noticioso, na capa, em noticiário sobre as convocações para a Seleção, está "CBF responde jornal (...)". No texto, "CBF responde reportagem". Este colunista fica imaginando alguém indagar à CBF porque convocou determinado jogador, e a CBF, como informa o portal, responder: "Jornal". Ou "Reportagem!"
Preposição também é coisa do passado, da época em que não se pedia a um profissional que fizesse o trabalho de meia dúzia, para economizar:
"Luiz Fernando fala sobre casamento Adriano".
Deve ser algo como "casamento religioso", ou "casamento civil". Mas faltou explicar como é o tal "casamento Adriano". E, claro, depende do Adriano: o lateral que joga na Espanha ou o Adriano Imperador?
...da porcaria
Um grande jornal impresso, daqueles que já se orgulharam da precisão de suas informações, publicou matéria sobre a venda do
Quadro nº 10 de Mark Rothko por algo como US$ 80 milhões num leilão, na Christies. Na foto, um quadro de Roy Lichtenstein,
The Ring (Engagement) .
São bem diferentes.
Sempre é possível oferecer ao consumidor um produto pior e mais barato. O problema é que o consumidor percebe. E como trazê-lo de volta?
Grosseria vende?
Algumas premissas: este colunista não é puritano, fala palavrões com frequência, não tem nada contra a publicação de palavrões, desde que façam parte da notícia. Quando alguém diz um palavrão, deve-se citá-lo, em vez de usar termos ridículos como "filho da p..." e outros. Notícia é notícia: os nomes com que um jogador qualificou o juiz antes de ser expulso devem ser informados, sempre que houver citação entre aspas.
Mas isso é uma coisa; buscar o chulo como forma de popularizar a publicação é desagradável e, provavelmente, não contribuirá para atrair o consumidor de informação. Há alguns anos, uma publicação destinada a executivos se esmerou em matérias sobre temas como sexo oral, variações diversas de posições na cama, tudo explícito, tudo sem charme. A revista acabou fechando: além da questão do bom-gosto, seu público ou já sabia tudo aquilo que os editores consideravam novidade ou não se interessava pelo tema e não iria pagar por informações que podia perfeitamente dispensar.
Agora outra revista, que se mantém no mercado há anos, embora jamais tenha sido campeã de vendas, aposta no chulo. E transmite informações em termos grosseiros a respeito das atividades no banheiro do papa Francisco, de Gisele Bundchen, do autor da reportagem - como se alguém ignorasse o processamento normal dos alimentos ingeridos seja por animais, seja por humanos.
Pagar para saber aquilo que qualquer criança de um ano já aprendeu? Usando um linguajar pouco usual em órgãos de informação que alcançam toda a família? É difícil: paga-se pela novidade, não pelo que já é sabido.
Reportagem da boa
Mas nem tudo é decadência: na Rede Bandeirantes, o excelente repórter Rodrigo Hidalgo apresentou uma série impecável sobre as ameaças que pesam sobre juízes em todo o Brasil, pressionados que estão pelo crime organizado. Conforme a região do país, é dificílimo ser magistrado (ou muito fácil, bastando aceitar as regras do jogo impostas pelos criminosos, muitas vezes com o apoio dos poderosos locais).
Alguns links, para quem gosta de ver um trabalho jornalístico surpreendentemente bom na TV:
http://noticias.band.uol.com.br/jornaldaband/videos/2015/05/11/15469844-juizes-ameacados-emboscadas-fazem-parte-da-vida-do-magistrados.html
http://noticias.band.uol.com.br/jornaldaband/videos/2015/05/12/15471040-juizes-ameacados-magistrado-e-intimidado-por-quadrilha-que-executou-colega.html
http://noticias.band.uol.com.br/jornaldaband/videos/2015/05/13/15472397-juizes-ameacados-magistrado-vive-sob-escolta-ha-15-anos.html
http://noticias.band.uol.com.br/jornaldaband/videos/2015/05/14/15473725-juizes-ameacados-magistrado-e-alvo-de-rebeliao.html
O velho (e sempre novo) desabafo
Em artigo publicado no
Valor sobre a decisão da Câmara Federal sobre o fator previdenciário, o economista Fábio Giambiagi cita frase da poetisa americana Elizabeth Bishop, que se apaixonou pelo Brasil e pela brasileira Lota de Macedo Soares na década de 1960 e depois se desencantou de ambos. A constatação é ótima e muito atual; merece ser lida mais uma vez.
Como país, acho que o Brasil não tem saída - não é trágico como o México, não; é apenas letárgico, egoísta, autocomplacente, meio maluco. O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. Os serviços públicos abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. A ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. A intriga política alastra-se por sobre a violência e a sonolência enfastiada do país. Não é uma existência; é uma expiação.
Como...
O título é "Senado rejeita indicação de Dilma para a Organização dos Estados Americanos". O subtítulo é curioso:
"Guilherme Patriota era irmão do ex-chanceler Antonio Patriota"
Pois é: além de rejeitado, o subtítulo informa que morreu ele ou o irmão.
...é...
Na foto, a modelo americana Chanel Imam, linda numa roupa vermelha. Na legenda, "a morena surgiu com um vestido tomara que caia (...)"
Morena? Chanel Imam é negra. Como diria Caetano, "eu sou neguinha".
...mesmo?
Um grande jornal impresso informa, em reportagem sobre os problemas no mercado imobiliário, que "o proprietário de um imóvel está levando até 40 dias para achar um novo locador".
Achar a si mesmo não deveria ser difícil - mas como querer ser novo? O mais provável é que o difícil seja achar um novo locatário.
Frases
- Do ex-presidente Lula, ironizando os pastores evangélicos:
Você está desempregado é o diabo, está doente é o diabo
- Do jornalista Veludo Amando de Barros
Chico Buarque tá pintando o cabelo ou meus olhos traindo-me? Parece aloirado
- Do apresentador Jô Soares:
Não tem problema ser considerado petista, inclusive porque Lula foi 13 vezes ao meu programa
- Da jornalista Sandra Lanza, citando Millôr Fernandes:
Não reclama, não. O governo não te faria de idiota se você não fosse boa matéria-prima
- Do tuiteiro Hugo A-Go-Go:
Sei lá, sou um amador. Certamente os oposicionistas com mandato sabem o que fazem. Em que pese não ter dado muito certo no Mensalão
- Do jornalista Marcos de Vasconcellos, comentando o corte do orçamento federal:
Cansado da mesmice, Governo anuncia que dessa vez vai ser 69
- Da presidente Dilma Rousseff:
O Joaquim Levy é da minha confiança, fica no Governo
- Do jornalista James Akel, comentando a ferrovia Brasil-Peru que os chineses prometem construir:
Quem vai impedir os promotores do Meio-Ambiente de vetar cortes de árvores e eliminação de florestas?
- Do jornalista Gabriel Senador Kwak, sobre o prefeito paulistano Fernando Haddad:
Governar é estabelecer prioridades e a Prefeitura escolheu as dela. Pior para nós
E eu com isso?
E chegamos ao noticiário efetivamente informativo. É aqui que descobrimos que os ex-BBBs Rafael Licks e Talita Araújo romperam o namoro. E também que ambos estavam namorando. E, mais ainda, que os dois eram celebridades, tudo bem que do tipo instantâneo - mas Miojo também é instantâneo e todo mundo conhece, não é mesmo?
Então, vamos às notícias que interessam de verdade a uma grande parcela do público consumidor de informações:
1 - Bianca Del Rio revela encontro com Miley Cyrus em bastidores de reality show
2 - Fernanda Machado mostra quarto de Lucca
3- Selena Gomez quer que Kris Jenner a ajude com reality show
4- Fátima Bernardes tem saudades da irmã que mora na França
5 - Eva Longoria compara altura com Karlie Kloss
6 - William Bonner brinca com cachorro
7 - Ashton Kutcher passeia com a filha
8 - Aos 16 anos, ex-Malhação vira mulherão e se diz pronta para personagem sexy
9 - Kate Middleton inclui suco verde na sua dieta
10 - Fiorella Mattheis diz que Pato não sai do videogame
11- Bradley Cooper e Emma Stone brincam com o Tinder
12 - Cláudia Raia curte férias no Marrocos com os filhos
13 - Melissa McCarthy ganha estrela na Calçada da Fama
14 - De biquíni, Preta Gil descansa em mar cristalino
15 - Irina Shayk e Leonardo DiCaprio curtem festa bem animados
16 - Carol Macedo mostra boa forma em corrida na praia
17 - Mansão de Michael Jordan encalha em leilão e volta ao mercado
18 - Sem maquiagem, Giulia Gam caminha pela orla do Leblon
O grande título
Nesta semana, a variedade de modelos de títulos e manchetes é maior que a habitual. Talvez fatos inusitados - por exemplo, o Congresso tomando decisões que fogem aos habituais votos que variam de "sim" a "sim, senhora" - estimulem a criatividade dos tituleiros.
Comecemos com aquele título que saiu truncado - só que, ao contrário do que ocorre normalmente, não é por não haver espaço. Espaço havia. Talvez tenha faltado cuidado, quem sabe?
Renan Calheiros atuou nos bastidores para
derrotar Dilma, que agora precisa apresenta
Há também um capacete que deve ser moderníssimo, capaz de façanhas de que jamais tínhamos tomado conhecimento:
Capacete impossível de ser roubado pede dinheiro pela Internet
Além do Governo, dos partidos, das instituições, agora até os capacetes estão querendo o deles. Esse capacete sabe das coisas!
Há um título que derrama bondade ao analisar o comportamento de um maluco:
O azar foi muito grande! Adolescente joga roleta russa e acaba com um tiro na cabeça
Não é meiguinho falar em azar quando o irresponsável brinca de apostar com a morte?
Há uma fantástica manchete num jornal da região que será beneficiada caso os chineses façam mesmo o investimento na ferrovia para o Peru:
Dilma afirma que a ferrovia vai passar pelo Acre e se estenderá até a China
Notável! Só de pilastras para a ferrovia, na região em que o oceano é mais profundo, haverá investimentos de bilhões de dólares!
E há a grande manchete, sobre o atacante Sterling, 20 anos, revelação do Liverpool, que não quer renovar contrato com o time.
Título:
Revelação não quer o Liverpool nem por R$ 4 mi por semana
Texto:
Os Reds ofereceram ao jogador um novo contrato para ele ganhar 100 mil libras por semana
Fazendo o câmbio: cem mil libras por semana equivalem a R$ 470 mil; ou aproximadamente R$ 1,8 milhão por mês. Uma semana do título equivale a quase nove semanas do texto.
carlos@brickmann.com.br
Twitter: @CarlosBrickmann