Nem sempre é justa a acusação de que nossos legisladores não são atuantes - não se o critério de julgamento for a quantidade de proposições apresentadas. A cada legislatura, a Câmara dos Deputados recebe cerca de 20 mil delas, entre projetos de lei, emendas constitucionais, requerimentos e outros. Contudo, se o critério de avaliação for a utilidade e o benefício que podem resultar dessas proposições, a coisa muda de figura. É espantosa a quantidade de propostas inúteis, ridículas ou simplesmente absurdas que saem das prolíficas mentes de alguns de nossos deputados. Elas podem provocar risadas - afinal, parecem mesmo piada -, mas devem provocar também a reflexão. Será que não há assuntos mais importantes para nossos políticos se preocuparem? Além disso, muitas dessas propostas esdrúxulas não podem ser vistas apenas como meros delírios. Nada que é capaz de ferir liberdades individuais e os direitos constitucionais do cidadão é tão inofensivo assim.
É o caso da proposta segundo a qual um presidiário que tiver uma longa condenação poderá ter sua sentença reduzida se doar seus órgãos. Já dá até para imaginar algumas pessoas fazendo o seguinte cálculo: "Se eu matar fulano, pego tantos anos de cadeia. Mas se doar um rim e uma córnea, a pena cai para tanto. É... Até pode compensar". Felizmente, a idéia foi rejeitada por ser inconstitucional.
Outra proposta, a da "poupança fraterna", é séria candidata à campeã do absurdo. Se isso virasse lei, todos nós, honestos trabalhadores, seríamos submetidos a um "limite máximo de consumo", sendo o excedente depositado em uma poupança obrigatória. Entenda: pelo projeto, cada brasileiro, residente ou não no Brasil, só teria direito a gastar R$ 6.359,00 por mês. Os rendimentos que excederem esse limite devem ser depositados em contas especiais a título de empréstimo compulsório, não podendo ser sacados por um período de 14 anos. O dinheiro retido seria então aplicado pelo governo em programas sociais, entre outros. Está vendo? Se você pensava que o confisco imposto pelo Plano Collor foi a pior coisa que poderia ter lhe acontecido, melhor pensar de novo.
E ainda há muito mais. Temos a proposta da criação do Conselho Nacional do Samba, de substituir as folhas de tabaco do brasão de armas da República por folhas de soja ou guaraná, de instalar banheiros públicos em todas as rodovias federais e por aí afora. O projeto que obriga as legendas em programas de TV a fim de favorecer os deficientes auditivos parece um pouco mais compreensível - até se descobrir que o mesmo projeto também obriga as legendas em peças teatrais.
Mas nenhum assunto merece tanto a atenção desses indômitos legisladores como as datas comemorativas. A questão deve ser de extrema relevância, já que é tema de uma enxurrada de propostas. Nossa população pode passar fome e sofrer com a violência, o desemprego, a saúde e a educação precárias... Mas não lhe faltará o que comemorar. Se tais projetos fossem aprovados, poderíamos celebrar, por exemplo, o Dia da Gratidão, da Esperança, da Verdade, do Acarajé, do Frevo, do Saci... Teríamos também o Dia do Combate à Homofobia e o Dia do Orgulho Heterossexual. Seria preciso estender o calendário, pois 365 dias por ano é pouco para tantas datas comemorativas. Mas não se preocupe. Já deve haver algum deputado pensando em propor uma lei a esse respeito.
O curioso é que inúmeros projetos - esses sim, realmente essenciais - há anos esperam para serem votados, e ninguém sabe quando eles receberão a devida atenção.
Por que será?
Ivone Zeger - é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP; é autora dos livros "Herança: Perguntas e Respostas" e "Família: Perguntas e Respostas" - www.ivonezeger.com.br