Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 13 de maio de 2015
Nos
western spaghetti, gênero que produziu algumas obras-primas, nada supera o momento do duelo em que oponentes se encaram longamente, na tentativa de antecipar o momento em que o outro vai sacar o
Colt do coldre. A câmara salta de um rosto a outro, olhos semicerrados, expressão tensa, o braço uma mola à beira da explosão.
Já na Europa, palco destes filmes, o duelo parece surpreendentemente tranquilo. A Grécia e seus parceiros da Zona do Euro caminham para o enfrentamento aparentemente relaxados. Relaxados demais, na verdade.
O governo de extrema esquerda (
Syriza), que assumiu o poder na Grécia no começo deste ano, fez uma aposta ousada: reverteu boa parte do ajuste que havia sido feito pela administração anterior em nome da soberania grega, mas, ao mesmo tempo, ainda quer tomar emprestado de seus credores algo como 7,5 bilhões nos próximos meses.
Seu ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, um especialista em Teoria dos Jogos, parece ter partido da crença que os credores estariam dispostos a tudo para impedir que a Grécia deixasse o euro.
Fosse a Grécia o único país a enfrentar problemas, o pressuposto poderia até estar correto. Apesar, porém, de sua especialidade, Varoufakis provavelmente se equivocou em sua avaliação de quanto os credores imaginam ter a perder num cenário de saída da Grécia (
Grexit) relativamente ao custo de ceder às pressões helenas.
Por um lado, os credores não aparentam estar particularmente preocupados com as consequências de um calote grego, já que a exposição dos bancos europeus à dívida grega foi significativamente reduzida, atenuando um dos canais de transmissão da crise. Por outro, temem que novas concessões à Grécia acabem por levar a movimentos similares por parte de outros países em condições semelhantes, solapando seu esforço em prol da austeridade fiscal.
Assim, as propostas gregas têm sido solenemente rejeitadas desde o início do processo, indicando que o país não teria acesso aos novos desembolsos sem se comprometer com o mesmo processo de ajuste que o
Syriza prometera jamais adotar. Desde então se perderam meses em discussões sem avanços substantivos e se aproxima a hora em que a Grécia, cujas contas fiscais só pioram, há de ficar sem recursos para servir sua dívida. Daí para o
Grexit a distância é perigosamente modesta.
Isto dito, a atitude
blasé dos credores soa insensata. É verdade que o canal bancário de transmissão da crise foi reduzido, mas, ainda assim, a saída do euro por parte de um seus membros revelaria que a moeda única é um contrato muito mais fraco do que se acredita, apenas mais uma instância de taxas fixas de câmbio, cujo histórico de abandono é para lá de extenso.
Isto tenderia a recolocar pressões sobre os elos mais fracos da corrente europeia, com consequências inimagináveis para o projeto mais ousado deste século caso mais um ou dois destes elos também se rompam.
Já para a Grécia, ao menos no curto prazo, a recessão seria provavelmente ainda maior do que a vivida até este momento. Em que pese a possibilidade de retorno do crescimento à frente, este dano seria também irreparável.
Não há como saber o resultado do duelo, mas me acalmaria caso os participantes se mostrassem um tanto mais preocupados.
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ALEXANDRE SCHWARTSMAN - DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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