Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 22 de abril de 2015
Há certa insistência, correta a propósito, para que a presidente faça o mea culpa sobre a tal da "nova matriz macroeconômica", hoje órfã de pai e mãe, já que não há, nas hostes "desenvolvimentistas", quem tenha coragem de assumir a responsabilidade por seu estrondoso fracasso. Argumenta-se que, ao reconhecer seus erros, a presidente melhora a percepção acerca de seu compromisso com a nova política econômica, o que pode, em tese, contribuir para a redução dos custos a ela associados, sem, é claro, eliminá-los.
Curiosamente, o Banco Central tem escapado ileso desta cobrança. Considerem, por exemplo, a declaração de seu presidente, afirmando que
"o BC foi, está e continuará sendo vigilante com a inflação".
Sério? Então só se pode concluir que o BC andou vigiando alguma outra inflação (talvez a americana, quem sabe a europeia), porque a brasileira já fugiu faz tempo, segundo as más línguas em companhia das duas tartarugas a quem competia também sua guarda (uma terceira engravidou e o BC não sabe quem é o pai).
A verdade é que o BC posa como se a inflação média de 6,2% ao ano observada entre 2011 e 2014 não fosse sua responsabilidade. Destes longos 48 meses, em apenas oito deles (entre março e outubro de 2012) a inflação ficou a menos de um ponto percentual da meta, mas, segundo o BC, nada disso lhe diz respeito.
Pela sua particular mitologia, a culpa foi sempre de algo fora do seu controle. A chuva, a falta de chuva, o aumento de preço das
commodities, a queda dos preços das
commodities, assim como o gramado, nunca nas condições ideais para a prática da política monetária.
Em momento algum o BC, seja na figura de seus diretores, seja por meio de seu presidente, teve a grandeza de vir a público e admitir que sua própria postura fosse equivocada.
De meados de 2011 ao início de 2013, como se sabe, o Copom embarcou num processo de redução das taxas de juros, mesmo em face de inflação acima da meta. Conscientemente ignorou as expectativas de inflação, que sugeriam a persistência deste processo, notando, de passagem, que o mercado foi até otimista (a inflação observada ficou algo como 0,5% ao ano em média mais elevada do que o previsto pelos analistas). Desconsiderou alertas em contrário, crente na superioridade da sua visão.
Quando finalmente se rendeu às evidências e começou, tardiamente, o processo de aperto da política monetária, o fez de forma relutante. Interrompeu o ajuste por nada menos do que seis meses, de abril a outubro de 2014, e só o retomou, por coincidência ou não, depois de passado o segundo turno das eleições presidenciais.
Ao longo do processo sua comunicação foi errática, sinalizando pausas que não se concretizaram, "longos períodos de estabilidade" que, na prática, duraram um par de meses, e completa falta de sintonia com o comportamento da inflação.
Não é outro o motivo da extraordinária perda de credibilidade. Embora o BC jure hoje, por todos santos, orixás e deuses dos mais variados panteões, que busca trazer a inflação de volta para a meta de 4,5% em 2016 (
e há quem ainda se digne a propagar a história), a média dos analistas vê inflação na casa de 5,6% no ano que vem.
...Enquanto isto, se acharem duas tartarugas fujonas e o pai das tartaruguinhas, o BC agradece... .
Esta diferença, 1,6 ponto percentual, é uma medida da (perda de) credibilidade; um BC crível obteria do mercado expectativas próximas à meta num horizonte tão longo (20 meses).
A afirmação de seu presidente sugere que não há mudança na postura do BC. Se já era vigilante e a inflação escapou, o que mudou para nos convencer que, daqui para frente, tudo vai ser diferente?
Caso o BC queira recuperar, ao menos em parte, sua credibilidade, será necessário, em primeiro lugar, reconhecer que errou no passado e que a consciência deste equívoco desempenhará papel importante na formulação futura da política monetária.
Enquanto isto, se acharem duas tartarugas fujonas e o pai das tartaruguinhas, o BC agradece.
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ALEXANDRE SCHWARTSMAN - DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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