Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição de 25 de julho de 2015, colunista convidado
Há uns anos, um ministro do STF fez um peculiar apelo aos colegas: perder o senso da justiça até vai, mas não vamos perder o senso do ridículo.
Perder o senso do ridículo é acreditar (ou votar) em coisas contraditórias. É o "duplipensar" de George Orwell.
Em tempos de economia na vala, é achar que juros altos da dívida pública são uma desgraça que só favorece uma classe de rentistas, mas não ver problema se governo gasta mais do que arrecada, adiando a conta.
É ligar o mercado financeiro à voz da elite, mas defender generosos subsídios a empresários bilionários via BNDES.
É crer que cabe ao Estado decidir taxas de retorno da iniciativa privada, forçá-la a ser sócia da Petrobras (que parceira!) e depois lamentar que interessados em investir... ué, sumiram.
No campo social, é achar que a mulher que aborta é dona do seu corpo e destino, mas desdenhar a herege que faz cesárea (parto "não humanizado") ou desacelera a carreira porque é feliz cuidando dos filhos.
É mudar a análise do crime conforme a conveniência ideológica. É dizer, com óbvia razão, que estupradas não podem ser responsabilizadas pelo ocorrido, mas atribuir roubos à ostentação do paulistano, como faz Leonardo Sakamoto.
É atacar o machismo entre nós, mas, por relativismo cultural, calar ante atrocidades contra mulheres por islâmicos.
É, com justiça, valorizar o direito de realizar contratos livremente se gays querem casar, mas esquecê-lo ao perseguir o Uber, como Haddad, ou a Amazon, como propõe em lei uma senadora do PT.
... "Como pessoas fazem tais malabarismos mentais? Deve ser a necessidade de parecer legal. É humano. Queremos ser do bem, defender causas populares, ser aceitos no grupo"...
É papagaiar sua opção política pelos pobres, mas demonizar o agronegócio, cuja produtividade significa comida mais barata no mercado -quanto menos dinheiro tem uma família, maior o impacto da alimentação no orçamento.
É dizer que a criança deve ser alfabetizada quando se sentir pronta, sem "opressões", mas saber que isso só vale para os filhos dos outros -os nossos vão ao colégio Bandeirantes, estudar norma culta e tabuada.
Como pessoas fazem tais malabarismos mentais? Deve ser a necessidade de parecer legal. É humano. Queremos ser do bem, defender causas populares, ser aceitos no grupo.
Quem vai ser contra dar mais dinheiro para os velhinhos do INSS? E defender que perder empregos improdutivos no curto prazo é o preço de uma abertura modernizadora da economia? Quem verá as livrarias de bairro incapazes de competir e falará "bom, que quebrem"?
Para ficar na Folha, sei que pega melhor no Facebook compartilhar, digamos, o Gregorio Duvivier do que o Alexandre Schwartsman. Aliás, Alexandre quem? Tem canal de humor no YouTube? Não, é o cara que escreve sobre... superavit. Uau.
O único porém é que botar a carência a serviço da lógica não costuma dar muito certo.
(PS: Alex, ouvi que vão abrir as inscrições pro curso de ator do Wolf Maya. É a chance.)
Ricardo Mioto - É jornalista, editor adjunto do Caderno Cotidiano, da Folha de S. Paulo