Exclusivo para a B&A
Tava lá o corpo no chão. Atravessado na ciclovia. Um pouco à frente, no canteiro central da avenida, a moto caída, amassada. Não sei por que desço do ônibus. Alguém já tirou o capacete dele.
O corpo está ali, atravessado na ciclovia, meio de lado, meio de bruços. Impressionantes as contorções que o corpo humano apresenta depois de um impacto fatal. Por teimosa solidariedade alguém ainda procura sentir os batimentos cardíacos, em vão.
O rapaz atravessado na ciclovia não tem mais de 25 anos. Do ouvido direito sai um fio de sangue que escorre no asfalto. Alguém pega os documentos. O nome dele é João, é motoboy, e o socorro está a caminho. Sento ao lado do João, atravessado na ciclovia.
Passados uns 15 minutos, chega um paramédico de moto. Pouco pode fazer, a não ser constatar a morte atravessada na ciclovia. O paramédico cobre João com uma manta prateada, irônica capa qual um super-herói. Agora é com a perícia e vai demorar bem umas quatro horas. Não sei por que, resolvo esperar.
Atravessado na ciclovia, João é mais uma das centenas de vítimas de acidentes de moto na cidade de São Paulo. No ano passado, foram 440, 36 por mês, pouco mais de uma vida por dia. Ciclistas também morreram em São Paulo: 35 em 2014. No Brasil, foram 12 mil motociclistas mortos em 2014, mil por mês, 33 por dia. Quem escapa geralmente passa por tratamentos longos, dolorosos e carrega sequelas para a vida toda.
João, atravessado na ciclovia, se tivesse a sorte de sobreviver seria um dos quatro leitos de UTI ocupados por motociclistas a cada seis preenchidos por vitimas de acidentes de trânsito. O preço disso em São Paulo: R$ 213 milhões por ano. No Brasil, o governo e a sociedade pagam R$ 28 bilhões em acidentes de trânsito por ano, segundo estudo do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Meio de lado, meio de bruços, com um fio de sangue escorrendo do ouvido direito, João, atravessado na ciclovia, quatro horas depois, é finalmente periciado. Fotos, medidas e o corpo no rabecão.
Só depois de quatro horas e meia percebi que nenhum ciclista passou na ciclovia.
E pensei comigo se não seria mais moderna e humanitária a construção de motofaixas em vez de ciclovias. Mas foi só um pensamento...
Marco Antônio Catai - é jornalista