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"Sobre patos e gansos". Por Josef Barat*

... Só um político experiente, com visão de estadista e cercado de pessoas de bom senso, teria envergadura para convocar as forças produtivas, politicas e intelectuais para formar um governo de união (ou salvação) nacional...

07.08.2015  |  65 visualizações
Artigo publicado originalmente na edição de Digital do Diário do Comércio, 24 de julho de 2015


A expressão americana "lame duck" (pato manco) é usada para caracterizar o governante que, ainda no cargo, não vai concorrer à reeleição; perdeu a reeleição; ou, por alguma razão, tornou-se inelegível e não pode disputar a reeleição.

Esta expressão é geralmente usada nos últimos meses de um mandato. O governante já não exerce plenamente suas funções e sofre revezes no Congresso. Os políticos concentram suas atenções nos possíveis sucessores e a mídia se ocupa em esmiuçar as razões do fracasso.

O que surpreende na situação atual do Brasil é termos uma presidente "lame duck", nos primeiros meses do seu segundo mandato. E por que isto? Em grande parte, como consequência de uma serie de desacertos (e alguns desatinos) cometidos no seu primeiro mandato. Desafiaria a toda lógica, a presidente conseguir escapar ilesa à concepção da sua chamada "Nova Matriz Econômica".

Ela tentou reintroduzir o nacional-desenvolvimentismo, com a reinvenção do intervencionismo estatal, das proteções à indústria nacional, dos favorecimentos fiscais e da inserção artificial da produção nacional. Isto, numa economia que - querendo ou não - é mais aberta e inserida no mundo globalizado.
Ou seja, foram reintroduzidos mecanismos de "estímulo" ao desenvolvimento como se estivéssemos vivendo no contexto da economia fechada, protecionista e intervencionista.

A "Nova Matriz", ao ser leniente com a inflação, estimular o endividamento público e promover graves constrangimentos fiscais, seria uma reedição do nacional-desenvolvimentismo exacerbado do ciclo 1968-1985.

Seria uma espécie de "Síndrome de Estocolmo" - no plano da economia - justamente por parte daqueles que, na época, radicalizaram suas posições contra os governos militares. Assistimos, assim, a uma mixórdia de iniciativas e conceitos contraditórios, que acabou levando o país ao pior dos mundos. Um macabro cortejo de recessão da economia, inflação alta e fora de controle, desemprego e desajuste perigoso das contas públicas.

Claro que está no DNA de certa "esquerda" culpar sempre o mundo, especialmente a "crise internacional" pelos desatinos cometidos pelos seus próprios dirigentes. A América Latina sempre foi pródiga nesse tipo de argumentação e aí estão Venezuela e Argentina caminhando resolutamente para o abismo e que não nos deixam mentir.

Mas acontece que o mundo já se recuperou da crise de 2009, a economia norte-americana vai bem, a China desacelera - mas ninguém poderia esperar que mantivesse para sempre um ritmo alucinante - emergentes crescem e a União Europeia, apesar da crise grega, vai aos poucos se recuperando.

Atrelar o país a um comércio de tipo colonial com a China, de se manter refém de um Mercosul sem nenhuma perspectiva e de menosprezar seu parceiro comercial mais equânime, que são os Estados Unidos, é culpa exclusiva dos nossos governos. E claro que também com a colaboração de um seleto grupo de grandes empresas associadas ao governo nos negócios com os "parceiros preferenciais" da África e América Latina, beneficiadas com recursos do BNDES.

Resumindo a esta ópera de Rossini (ou seria uma peça de Shakespeare?), o país está sofrendo uma pesada crise econômica, que se enreda com uma grave crise política e gera uma crise de confiança que, por seu turno, tende a realimentar o péssimo desempenho econômico. Esse inferno astral em início de mandato acirra obviamente as expectativas quanto ao futuro da nossa "lame duck".

A verdade é que só um político experiente, com visão de estadista e cercado de pessoas de bom senso, poderia reverter o jogo. Teria envergadura para convocar as forças produtivas, politicas e intelectuais para formar um governo de união (ou salvação) nacional. Mas é exigir demais de tantos amadores, que sabemos ser muito mais afeitos à rudeza das políticas sindicais e estudantis.

Recorrendo mais uma vez à tradição anglo-americana (reunida pelo francês Charles Perrault e fins do Século XVII), a alternativa que tivemos até agora foi a da figura da "Mother Goose", ou seja, a Mamãe Ganso, autora imaginária de uma coleção de contos de fadas e canções de ninar, as famosas "Mother Goose Nursery Rhymes".

Temos alguém que, diante da crise, está tranquilizando o povo com canções de ninar e pantomimas, tão ao gosto das crianças. De qualquer forma, em apenas seis meses de um novo mandato, estamos perplexos e falando sobre patos e gansos...
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Josef Barat(*) - Coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo