Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 15 de julho de 2015
Virou lugar-comum atribuir aos preços administrados, particularmente às tarifas de energia elétrica, a inflação elevada, quase 9% nos 12 meses terminados em junho, a mais alta desde dezembro de 2003. Em consequência, segue a tese, de nada serviria aumentar as taxas de juros, ou mesmo reduzir o gasto público, uma vez que estes preços, por definição, não respondem às condições de oferta e demanda.
Não é clara, à vista disto, qual seria a política a ser seguida, talvez até inação, na esperança que o aumento dos preços administrados se esgote em si mesmo, sem contaminar os demais.
Trata-se, porém, de diagnóstico equivocado, que, como de hábito, não se esforça além da superfície.
Sim, é verdade que os preços administrados aumentaram 15% nos últimos 12 meses, mas um exame levemente mais aprofundado dos números revelaria que a inflação dos chamados "preços livres", isto é, aqueles que não são influenciados diretamente pelo governo, cresceram nada menos do que 7% no mesmo período, muito além do limite superior da meta de inflação (6,5% em 2015 e 2016).
Diga-se de passagem, aliás, que a inflação de preços livres tem superado o teto da meta desde 2009, registrando média de nada menos do que 7% a.a. nos últimos 5 anos, indicação que o problema inflacionário corre mais fundo do que a simples história dos preços administrados parece sugerir.
Posto de outra forma, embora os preços administrados desempenhem papel importante na inflação em 2015 - em resposta, é bom lembrar, à sua administração irresponsável de 2011 a 2014 - a dinâmica inflacionária vai muito além deste problema.
Isto é também aparente no comportamento do índice de difusão, isto é, da proporção dos itens do IPCA que registraram aumentos de preços num determinado período. De fato, em três dos seis meses de 2015 este índice atingiu os valores mais elevados desde 2005, o primeiro ano em que a meta de inflação foi fixada em 4,5%, e, dos três restantes, ficou em segundo lugar em dois deles.
Em linguagem esportiva, apropriada para tempos de Jogos Pan-americanos, três medalhas de ouro e duas de prata em seis possíveis, um forte indício que o processo inflacionário não é restrito a uns poucos produtos, mas generalizado e, portanto, muito mais sério.
Em particular, não há motivos para crer que este choque se esgote sozinho. Na ausência de medidas compensatórias, seja de política monetária, seja de política fiscal, a tendência é que estes aumentos de energia, ou combustíveis, acabem sendo repassados para outros produtos, contaminando a inflação geral, principalmente em 2016, supostamente ano de convergência da inflação à meta.
Passividade de política é um convite aberto para a transformação de um choque em elemento permanente da dinâmica inflacionária, fato que deveria ser sabido por quem viveu no Brasil pré-1994, mas que parece ter sido esquecido por boa parte dos analistas.
À luz disto, não há escapatória que não passe pelo aperto das políticas fiscal e monetária, mesmo em face da queda forte da atividade econômica este ano. Isto poderia ter sido evitado se o conjunto de políticas adotado nos últimos anos não fosse tão desastroso, mas, como não podemos mudar o passado, só nos resta lidar com suas consequências no futuro.
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ALEXANDRE SCHWARTSMAN - DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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