Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 12 de agosto de 2015
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Os agentes estão agindo com pouca racionalidade. Comprar a moeda nesses níveis pode representar um risco potencial de perda a médio prazo (sic)." Esta foi a justificativa apresentada pelo diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, para retomar a intervenção no mercado de câmbio, depois que a moeda americana varou a marca de R$ 3,50/US$.
Ele sabe do que fala: nos 12 meses terminados em junho deste ano a posição do BC no mercado futuro de câmbio acumulou prejuízo pouco superior a R$ 70 bilhões, equivalente a 1,2% do PIB, maior do que a meta original para o superávit primário de 2015.
Não é, contudo, desta perda que pretendo falar, mas sim da postura adotada pelo BC neste episódio. Sem dúvida, comprar dólares depois que subiram é um risco, assim como é comprar ações, ou ouro, ou imóveis, ou qualquer outro ativo, financeiro ou não. Quem compra na expectativa de apreciação de um ativo sempre corre risco. Aliás, esta é a essência do próprio capitalismo.
Neste contexto é no mínimo curioso que o BC resolva intervir no mercado supostamente para mitigar riscos. Alguém aceitaria, por exemplo, que o BC vendesse ações quando seus preços estivessem "
claramente esticados", como afirmou Mendes acerca da moeda norte-americana?
Provavelmente não, mas se o objeto da afirmação é o dólar, parece que pouca gente se importa. Aceita-se, implicitamente, que o BC saiba mais sobre moedas do que nós, reles mortais. (A propósito, se Mendes entendesse isto tudo mesmo, será que amargaríamos o prejuízo acima?).
Temos, é claro, que levar em conta a estabilidade financeira. Em tese, perdas no mercado de câmbio poderiam abalar instituições financeiras e a experiência nos mostra que, em momentos assim, o contribuinte poderia ser chamado a cobrir mais um buraco. No entanto, o BC dispõe hoje de um enorme arsenal de medidas para controlar a exposição de instituições financeiras a riscos decorrentes da variação de preços de ativos.
Há, por exemplo, limites ao tamanho de posições compradas e vendidas, cujo objetivo é precisamente evitar que instituições financeiras tomem mais risco do que são capazes de assumir na suposição que potenciais perdas seriam devidamente socializadas.
Em outras palavras, se adultos querem comprar dólares acima de R$ 3,50, o problema é deles, ainda mais considerando que as instituições financeiras já enfrentam limites determinados pelo BC, quando não por seus próprios departamentos de risco.
A rigor, me parece que, no final das contas, embora o BC tente embalar a intervenção como forma de moderar riscos, na verdade, o que motiva esta postura é o receio dos efeitos do encarecimento do dólar sobre a inflação.
Por exemplo, em suas últimas projeções o BC partiu da premissa do dólar a R$ 3,25. Caso usasse, digamos, R$ 3,50 a inflação projetada à frente subiria e o plano de encerrar o ciclo de alta de juros ficaria prejudicado (ou ficaria mais claro que a inflação não convergiria a 4,5% no ano que vem).
O problema, porém, é que o BC queimou munição em troca de muito pouco de 2013 para cá. Já passa da hora de deixar o câmbio flutuar e tratar de nossos problemas com os instrumentos adequados. Ao cuidadosamente evitar isto entre 2011 e 2014, transformamos uma desaceleração de crescimento na severa crise atual.
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ALEXANDRE SCHWARTSMAN - DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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