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"Corrupção na ditadura". Por José Paulo Cavalcanti Filho*

Foi ressuscitada lenda de que na ditadura não havia corrupção. Indistintamente, civis e militares praticam esse desvio da natureza humana

26.08.2015  |  21 visualizações
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Seção Tendências/Debates, edição de 26 de agosto de 2015


Não são apenas civis, caro leitor, os envolvidos em corrupção. A democracia pode ser "o mais estúpido de todos os mitos", segundo Fernando Pessoa. Apesar disso, iguala tudo e todos, e por isso vale a pena.

Recentemente, um almirante da reserva foi preso sob a acusação de ter recebido R$ 4,5 milhões em propina de empreiteiras, enquanto presidente da Eletronuclear. A importância dessa prisão vai além de sua dimensão ética. Por ser disseminada a ideia de que os militares deveriam voltar ao poder porque "no tempo da Revolução" (assim dizia quem estava a favor do golpe militar) não havia corrupção. Lenda.

Pouco depois de 31 de março de 1964, o Brasil já conhecia sua primeira Comissão Geral de Investigações (CGI). Ainda não servia para combater a corrupção. Era apenas um instrumento para demitir servidores que tivessem vitaliciedade ou estabilidade e os que ficaram contra o golpe, nem seria preciso dizer.

A segunda CGI, de 1968, entretanto, foi criada para promover o confisco dos bens adquiridos de maneira ilícita, no exercício de função pública. Por serem muitos casos, era necessário fazer algo. O enriquecimento ilícito é definido como "aquisição de bens, direitos ou valores [...] sem idoneidade financeira para fazê-lo [...] ou quando não houver comprovação de sua legitimidade".

Essa segunda CGI tinha poderes para apurar quaisquer atos de corrupção -sem que se conheça hoje as investigações realizadas. No Recife, ficou famoso um general, diretor de banco do governo, que enriqueceu apostando com um empresário que seus empréstimos a juros simbólicos seriam liberados.

A evidência de corrupção ampla no período não para por aí. No início de 1969, nascia a Oban (Operação Bandeirante), pensada para ser o braço clandestino dos órgãos de segurança e responsável por parte das torturas e desaparecimentos.

... "Naquele tempo, a ideia de combater a corrupção se limitava a punir só quem recebia dinheiro, sem atingir empreiteiros ou militares envolvidos. Talvez porque fossem velhos companheiros da ditadura. Hoje é diferente. Nossas prisões passaram a ser frequentadas por donos de empreiteiras e políticos"...


O ato - informal - que celebrou sua criação deu-se em 1º de julho de 1969, contando inclusive com a presença de figuras das elites políticas, como Abreu Sodré e Paulo Maluf, e empresários de São Paulo.
Tanto foi o sucesso do empreendimento (na versão das forças de segurança) que, em fevereiro de 1970, o major Waldyr Coelho, chefe de Coordenação de Execução da Central de Operações da Oban, sugeriu ao Comando do 2º Exército a criação de uma Oban específica contra a corrupção (ACE 16.645""70, Arquivo Nacional), mas não teve êxito.

Naquele tempo, a ideia de combater a corrupção se limitava a punir só quem recebia dinheiro, sem atingir empreiteiros ou militares envolvidos. Talvez porque fossem velhos companheiros da ditadura. Hoje é diferente. Nossas prisões passaram a ser frequentadas por donos de empreiteiras e políticos.

Corrupção, pois, havia, sim. E muita. Maquiavel dizia que "a história é cíclica". Marx completou: "A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa". Agora, a história se revela, em seu cruel esplendor, como repetição do passado. Tragédia ou farsa, pouco importa.

No fundo, a corrupção é um desvio da natureza humana praticado indistintamente por civis e militares. Só que, durante a ditadura militar, não se sabia dos submundos do poder porque havia censura. Hoje, felizmente, a liberdade nos permite saber. Essa é a diferença.

José Paulo Cavalcanti Filho É advogado no Recife, integrou a Comissão Nacional da Verdade