Publicado originalmente na Tribuna do Direito, 14 de setembro de 2015
Na semana passada, dia 11 de setembro de 2015, a Lei 8078/90, isto é, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), completou 25 anos de existência. Como sempre tenho dito, a boa notícia é que o CDC é daquelas leis que comemoram aniversário, sempre lembrada tanto em setembro como em março (mês em que entrou em vigor; mês em que também se comemora o dia mundial dos direitos dos consumidores). Isso tem colaborado para marcar sua presença, ajudando a manter viva em nossas mentes sua existência, que é tão importante para o exercício da cidadania no Brasil.
E, claro, com 25 anos de idade seria de se esperar que a lei fosse cumprida por todos o tempo todo. Não é bem assim, mas neste aniversário quero mostrar o lado bom.
Com um início de vigência que, lembro-me bem, assustou empresários em geral, muitos publicitários e os grandes conglomerados em especial, aos poucos o CDC foi se firmando e deixando de ser o bicho-papão de que o acusavam injustamente.
Ao que me consta, ninguém mais duvida da mudança ocasionada pela legislação consumerista na relação fornecedor-consumidor e que fez com que não só a qualidade da produção melhorasse como, também, da comercialização, com ofertas mais honestas, informações mais adequadas, atendimento melhor qualificado, enfim, a norma ajudou o mercado a amadurecer.
Para ficarmos apenas com um exemplo: antes do CDC, a maior parte dos produtos não trazia estampada nas embalagens seu prazo de validade. Lembro-me bem que eu fiquei espantado com o curto prazo de validade de alguns produtos. Até água em garrafa ou em copo plástico tem curto prazo de vida sadia! Antes da Lei 8078/90, nós consumidores, muito provavelmente, tenhamos ingerido toneladas de produtos vencidos e sorvemos milhares de litros de bebidas ultrapassadas. (Ocorre-me um fato tão terrível quanto peculiar: sou da época dos refrigerantes em garrafa, e me vem à memória quantas vezes, quando garoto, retirei a tampinha e com a mão limpei as marcas de ferrugem que estavam na boca da garrafa, antes de beber o refrigerante... Das vezes que adoeci, sabe-se lá quantas não estavam relacionadas com produtos e bebidas deteriorados...)
Pois bem, o susto dos empresários passou. A lei teve, como tem, muito boa eficácia - ou, como se costuma dizer no Brasil, é "uma lei que pegou". Não resta dúvida que as pessoas passaram a descobrir que tinham muitos direitos garantidos pelo CDC e resolveram exigi-los, não só por intermédio de ações judiciais quando foi preciso, mas também no dia-a-dia das compras fazendo exigências e reclamando. Essa consciência que o consumidor adquiriu fortaleceu o mercado. Ao mesmo tempo em que os consumidores passaram a ficar mais escolados em matéria de consumo, os empresários também.
Muitos destes passaram a adotar a lei como elemento de marketing para atrair seus clientes, o que foi bem vindo e, de fato, dá resultados. Essa é mais uma virtude da lei consumerista: deixou realçado que o bom fornecedor é aquele que desenvolve seu projeto de negócio, claro, visando o lucro, mas respeitando seus clientes.
Como disse meu amigo Outrem Ego: "É quase tão simples como vender amendoim nas areias perto do mar".
Ele explica:
"Na praia, o vendedor de amendoins passa gritando e dando uma amostra de seu produto para os banhistas; caminha alguns metros repetindo esse gesto para depois voltar. Enquanto ele vai, os veranistas comem o amendoim recebido - e de graça! - e quando ele volta, quem gostou tem a oportunidade de comprar um pacotinho, momento em que o negócio é concretizado.
"Desse simples modo de oferecer e vender o amendoim, pode-se extrair um dos melhores exemplos de como o empresário deve tratar o consumidor: em primeiro lugar o vendedor faz uma propaganda honesta, oferecendo de graça seu produto para que o consumidor experimente; depois ele somente vende para o consumidor que, de fato, quer comprar, uma vez que o produto foi previamente examinado, testado e aprovado.
"Quanto ao consumidor que experimentou mas não comprou, ainda assim o negócio foi bem feito. O custo do amendoim oferecido gratuitamente faz parte do custo total do negócio, porém funciona sempre como investimento, pois, até para aquele que não comprou fica a lembrança da boa imagem que o vendedor construiu, respeitando inclusive seu desinteresse em adquirir o produto. Por conta disso, esse consumidor torna-se um cliente em potencial, podendo tornar-se um comprador em outra oportunidade".
É verdade que não são todos os fornecedores que pautam sua conduta com base na lei nem no modelo do vendedor de amendoins citado por meu amigo. Sim, mas realço que na medida em que o tempo passa, os consumidores vão, de um jeito ou de outro, obrigando a uma mudança do padrão da produção, distribuição e oferta de produtos e serviços a favor da qualidade, do respeito e -- por que não? -- até de um preço menor em muitos casos.
Ainda há muito a ser feito, inclusive, uma reforma com ampliação das regras existentes, como já aqui defendi, mas é importante lembrar que a Lei 8078/90, em 25 anos, trouxe, não só esperança de que possamos ter um mercado de consumo mais sadio e equilibrado como, realmente, alcançou muitas das metas sonhadas por seus autores.
* Rizzatto Nunes - Desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.