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"Chame o ladrão". Por Alexandre Schwartsman*

A verdade que os punguistas econômicos querem esquecer é que as políticas que defenderam então, e que agora pedem de volta, colocaram o país numa situação insustentável. Sua manutenção poderia até adiar o encontro com a realidade por mais um ano ou dois, mas apenas à custa do aprofundamento...

02.10.2015  |  84 visualizações
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 30 de setembro de 2015


Flagrado, o larápio esperto apela para o tradicional berro de "Pega ladrão!", na esperança de se safar no meio da confusão, deixando que outro pague pelo seu crime. A mesma ética exemplar pode ser encontrada na tentativa recente de economistas vinculados ao PT de atribuir as atuais dificuldades enfrentadas pelo país à suposta austeridade fiscal, deixando de lado sua responsabilidade pelas políticas que, ao final das contas, jogaram o país na crise.

Segundo este pessoal, nada justificaria a reversão da política econômica adotada a partir deste ano. A que propõem, portanto, é essencialmente a mesma que guiou o país no primeiro governo Dilma: expansão do gasto, redução na marra da taxa de juros e intervenção pesada do governo no domínio econômico. Não por acaso, muitos dos autores da atual proposta são os mesmos que manifestaram apoio à reeleição da presidente no ano passado, embora tenham tentado se passar por críticos da política econômica quando a coisa ficou feia.

Aparentemente, inflação superior a 6% ao ano, mesmo com preços reprimidos, não seria motivo de preocupação. Nem, é claro, um déficit externo que superou US$ 100 bilhões no ano passado, e muito menos o virtual desaparecimento do superávit primário do setor público, que por muitos anos havia se mantido na casa de 3% do PIB, mas que em 2014 se transformou num déficit (oficial) de 0,6% do PIB, enquanto estimativas de especialistas sugerem que, descontadas as "pedaladas", o número verdadeiro teria se aproximado de 1,5% do PIB. Da mesma forma o crescimento da dívida pública de quase 10 pontos percentuais entre 2010 e 2014 não mereceria qualquer reparo.

Deixa-se convenientemente de lado o fracasso do crescimento no período, quando o PIB se expandiu a pouco mais de 2% ao ano, atribuído à "crise internacional", muito embora o crescimento mundial tenha se mantido praticamente inalterado (3,6% ao ano) e a relação entre os preços das exportações e importações brasileiras tenha sido simplesmente o mais favorável desde 1978, pelo menos.

A verdade que os punguistas econômicos querem esquecer é que as políticas que defenderam então, e que agora pedem de volta, colocaram o país numa situação insustentável. Sua manutenção poderia até adiar o encontro com a realidade por mais um ano ou dois, mas apenas à custa do aprofundamento das distorções que se acumularam nos últimos anos: inflação mais alta, dívida em crescimento e déficits externos ainda maiores.

Note-se que isto provavelmente não conseguiria impedir a recessão. De fato, como notado pelos economistas que fazem parte do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, a recessão se iniciou em meados do ano passado, muito antes de qualquer discussão sobre a possibilidade de alteração da tal Nova Matriz Macroeconômica.

Em particular, o investimento, variável-chave para o crescimento sustentável, vem em queda desde 2013, e acumulava retração de quase 8,5% quando os punguistas louvavam a política em vigor.

O que eles hoje recomendam é exatamente o que nos trouxe à situação lastimável em que estamos. Confesso que, apesar disto, meu lado cruel adoraria tê-los de volta no comando da política econômica. Seria péssimo para o país, mas divertidíssimo vê-los chamando o ladrão quando o caos se instalasse de vez.

• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN - DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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