Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, edição de 23 de outubro de 2015
Coincidências ocorreram entre a 13ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios da ANP, realizada no Rio de Janeiro, a 7 de outubro passado, e a 1ª Rodada análoga do México, de 15 de julho.
Em ambas, só 14% dos blocos ofertados foram arrematados. As grandes estatais de cada país, Pemex do México e Petrobras do Brasil, não ficaram com nenhum bloco. As maiores petroleiras do mundo não compareceram. Empresas médias foram vitoriosas, três do consórcio vencedor no México e 11 brasileiras e 6 estrangeiras no Brasil.
A rodada mexicana teve problemas que inexistiram no Brasil. Era a primeira do gênero naquele país, depois de quase 80 anos de monopólio estatal, que teve sua fase áurea e depois refluiu. A do Brasil era a 13ª Rodada, pilotada por uma Agência já bastante experimentada. O contrato mexicano de partilha, a ser assinado pelos vencedores, foi questionado, não por ser de partilha, mas por prever a possibilidade de o Estado retomar blocos contratados em circunstâncias que não ficaram claras. O contrato brasileiro de concessão - pois não havia blocos do pré-sal - é, em sua essência, bastante conhecido e testado, embora receba críticas tópicas.
Ambos eventos sofreram com o maior fator de perturbação do setor em nível internacional desde meados de 2014, o preço do óleo em queda. Esta foi vigorosa: de janeiro de 2011 a agosto de 2014, passaram-se 44 meses com o barril do petróleo (tipo Brent) cotado a mais de US$ 100, à exceção de junho de 2012, quando a cotação foi a US$ 97; de setembro de 2014 até agora, são 14 meses com o barril oscilando em torno dos US$ 50. Queda de 50%.
Os fatos indicam que a atividade petrolífera no Brasil precisa de ajustes no sentido do desenvolvimento. O empresariado do ramo poderia arrolar o que julga serem pontos básicos desses ajustes e encaminhá-los ao Governo e às Comissões que no Congresso examinam a Agenda Brasil. Alguns pontos se destacam.
Em primeiro lugar, a ausência da Petrobras da 13ª Rodada tem um significado. Mostra que a estatal não aceita mais alargar indefinidamente sua atividade por blocos exploratórios de menor importância, quando tem uma enormidade de reservas a desenvolver no pré-sal, perto de 40 bilhões de barris de petróleo, a maior reserva em óleo que tem uma petroleira de capital aberto no mundo.
... Uma questão de logo aí se coloca. Não há porque não alterar urgentemente a legislação para vincular o royalty ao preço do petróleo, ficando a ANP autorizada a subir ou descer essa taxa, de acordo com a cotação do óleo e em função de investimentos"...
Essa eventual posição da Petrobras abre espaço para o crescimento das empresas brasileiras independentes porque tem tudo a ver com os anunciados "desinvestimentos" da estatal. Estes, não devem atingir setores fundamentais da companhia. Mas, "desinvestir" em campos maduros com produção declinante é uma imperiosidade para que a empresa possa focar-se no pré-sal e em campos gigantes. Estes "desinvestimentos" devem ser vinculados a novos "investimentos" das empresas brasileiras que os adquiram, comprometidas com o aumento da produção, da vida útil do campo, do emprego e dos royalties, nas cinco bacias principais onde esses campos proliferam - Recôncavo e Tucano, na Bahia; Potiguar, no Rio Grande do Norte; Sergipe-Alagoas e Espírito Santo - assim como em águas rasas da Bacia de Campos. Seria um incentivo ao desenvolvimento no Brasil de um segmento industrial pujante - o dos produtores independentes de petróleo - formado basicamente por empresas brasileiras, a exemplo das milhares existentes nos Estados Unidos, Canadá etc.
Outra ponto é o de ajustes na legislação e regulação setorial correspondentes às mudanças na conjuntura petrolífera. Depois de mais de um ano da significativa queda do valor do óleo, as petroleiras no Brasil, inclusive as brasileiras de menor porte, continuam sob as mesmas exigências financeiras, que tinham antes da queda. É como se o preço do produto que elas extraem não tivesse caído mais ou menos à metade. E as brasileiras de menor porte não recebem os benefícios do mandato constitucional que obriga "tratamento favorecido às empresas de pequeno porte" (art. 170 da CF).
Uma questão de logo aí se coloca. Não há porque não alterar urgentemente a legislação para vincular o royalty ao preço do petróleo, ficando a ANP autorizada a subir ou descer essa taxa, de acordo com a cotação do óleo e em função de investimentos.
Depois, vem a partilha no pré-sal, que alguns querem acabar. Seria grave erro. Na partilha, o Estado, por ser o proprietário do óleo extraído, facilmente pratica políticas sociais e industriais e pode controlar o ritmo da produção. A possibilidade desse controle é vital para um Estado soberano e arma decisiva contra o mal dos recursos abundantes - a "doença holandesa"- que pode desindustrializar um país.
Aparece finalmente a questão de a Petrobras ser operadora única no pré-sal, dispositivo que deve ser examinado à luz do interesse nacional de ampliar a atividade nessa província. Pela regulação em vigor, a empresa operadora em um campo tem de assegurar 30% pelo menos dos investimentos exploratórios nesse campo e terá participação equivalente quando iniciada a produção, daí a uns seis anos. Nessas condições, ou a Petrobras arca com 30% da exploração de todos os blocos que vierem a ser arrematados no pré-sal, o que talvez esteja acima de suas possibilidades, ou a exploração do pré-sal entra em ritmo lento, para esperar a recuperação das finanças da estatal, o que limitaria o crescimento brasileiro.
Para não prejudicar o Brasil, nem a Petrobras, o recomendável será garantir à estatal a condição de operadora preferencial do pré-sal: ela escolheria os blocos que deseja operar.
Haroldo Lima - engenheiro, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, ANP, e consultor da área de petróleo
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