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"O que houve em Bento Rodrigues não foi um acidente". Foi crime. Por Reynaldo Rocha*

...Neste novembro. ainda contamos os mortos em meio a poucas certezas. Uma delas: Bento Rodrigues morreu. Outra: não houve um acidente...

13.11.2015  |  88 visualizações
Publicado originalmente no Blog de Augusto Nunes, Veja online, 12 de novembro de 2015


Minas Gerais. O nome diz tudo. Existem 200 minas espalhadas pelo território.

Décadas atrás, criou-se uma campanha: "Olhe bem as montanhas!" Elas estavam desaparecendo. Mesmo a Serra do Curral - moldura de Belo Horizonte - parece continuar existindo quando vista da cidade. Mas do outro lado, na face invisível da montanha, vales e campos foram tragados por imensas crateras.

Em 2001, uma barragem se rompeu no município de Nova Lima, a 5 quilômetros de Belo Horizonte. É uma área ambiental, com distritos como Macacos e Rio Acima e dezenas de condomínios horizontais cujos moradores lutam para manter o que o poder público ignora.

Foram cinco mortos, mais de um ano de acessos interrompidos e um imenso mar de lama - hoje seco e estéril - que deveria servir de exemplo e advertência.

Em 2014, outra barragem foi rompida em Itabirito. Três trabalhadores morreram em mais um acidente ecológico irreparável. Foram inúmeros os "pequenos" acidentes que devastam a natureza e matam muitos.

Neste novembro. ainda contamos os mortos em meio a poucas certezas. Uma delas: Bento Rodrigues morreu. Outra: não houve um acidente.

Não chovia. Não houve inundação. Mesmo um sismo de 2.9 graus (a desculpa a que se agarram os defensores do indefensável) jamais provocaria o rompimento da barragem. Foi crime. A negligência - para ficar na tipificação mais leve - está comprovada.

Em 2013, o Instituto Pristino - grupo ambientalista sem fins lucrativos, composto por professores da UFMG - produziu a pedido do Ministério Público um estudo detalhado sobre as barragens de Minas Gerais, especialmente as de Mariana que se mostravam especialmente perigosas.

Segundo a Samarco, a empresa nunca recebeu o estudo que lhe foi entregue em mãos. Uma cópia foi encaminhada ao governo estadual. Em julho deste ano, já na gestão de Fernando Pimentel, uma "auditoria independente" foi contratada. O veredito informou que não havia nada de errado. Tudo normal, tudo estável. Como em 2013, a licença foi renovada.

... "Os governos de Minas se contentam com qualquer lucro resultante da mineração. O governo federal se dispensa de qualquer ação além de arrecadar o que puder. Tira-se de Minas o que não é renovável. As mineradoras são historicamente donas do solo mineiro. A fiscalização é pouca ou nenhuma..."


Entre 2014 e 2015, a produção aumentou 15% e chegou a 25 milhões de toneladas de minério de ferro. O colosso de rejeitos somou 22 milhões de toneladas. Para armazená-los existem as barragens assassinas. A meta da VALE e da BHP era atingir 35 milhões de toneladas até o fim do ano.

Em vez de construir uma nova barragem de contenção, a Samarco optou por "reforçar" as paredes das existentes. As que se romperam. Fatalidade? É claro que não.

Os governos de Minas se contentam com qualquer lucro resultante da mineração. O governo federal se dispensa de qualquer ação além de arrecadar o que puder. Tira-se de Minas o que não é renovável. As mineradoras são historicamente donas do solo mineiro. A fiscalização é pouca ou nenhuma.

Afinal, o que vale Bento para quem fatura bilhões de dólares por ano? Que força pode ter uma comunidade de pequenos sitiantes que sobrevivem do trabalho e ganham quantias insuficientes para pagar o salário mensal de alguns engenheiros da Samarco ou de burocratas do governo?

As discussões sobre mineração se concentram em royalties e impostos. A vida humana é algo secundário. Os donos do dinheiro não têm tempo a perder com a cultura de vilarejos centenários ou a preservação do meio ambiente.

O governo estadual suspendeu a licença da Samarco. Não era necessário. As correias transportadoras foram afetadas. Não serão recuperadas tão cedo, para retomarem o despejo da lama que inunda Bento e se espalha por Minas e pelo Espírito Santo.

..."Para quem não conheceu Bento, é difícil avaliar a extensão da tragédia. Vidas, histórias, lembranças, vivências, tudo se foi. Tudo isso jaz sob a lama. Há responsáveis com nome e sobrenome. Não foi fatalidade. Foi crime ..."


A BHP está revendo previsões de lucros para 2016. E já comunicou aos mercados internacionais que estuda "medidas alternativas" para impedir a queda da produção. Os moradores de Bento não têm nada a rever.

Quem conhecia Bento dividia o medo com a gente de lá. Uma imensa lagoa fétida recebia uma carga diária de rejeitos produzidos pelo minério destinado à exportação. Os impostos sempre passaram longe do lugarejo marcado para morrer.

Para quem não conheceu Bento, é difícil avaliar a extensão da tragédia. Vidas, histórias, lembranças, vivências, tudo se foi. Tudo isso jaz sob a lama. Há responsáveis com nome e sobrenome. Não foi fatalidade. Foi crime.

Em nome de Bento, o vilarejo enterrado na lama, há que se ter JUSTIÇA.

A lama de Bento não é somente rejeito criminoso. É a lama do descaso histórico com uma nação.

Mesmo que seja com a menor comunidade que insistia em ser digna. Ou até mais por ela.

Reynaldo Rocha* É jornalista
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