Artigo publicado originalmente na Newsletter diária da Confederação Israelita do Brasil -Conib, edição de 3 de dezembro de 2015
Primeiro conheci o Nahum de nome. Era o craque da
Senhor, revista que, quando garoto, eu lia com avidez. O craque que levou para sua revista monstros como Jorge Amado, Guimarães Rosa, Vinícius, Carlos Scliar, Paulo Francis (seria seu sucessor no comando da revista); que revelou ao mundo o talento de Bea Feitler, que se consagraria mais tarde nos Estados Unidos como artista plástica de prestígio internacional.
Era o craque da
Manchete, que aceitou o desafio de Adolfo Bloch para criar uma revista que concorresse com
O Cruzeiro, campeã de circulação que tirava 700 mil exemplares na época em que o Brasil tinha menos de um terço da população atual; e carro chefe do maior império de comunicações do país, os
Diários Associados, do poderosíssimo e genial Assis Chateaubriand. Loucura, claro; mas Nahum Sirotsky era o louco talhado para isso. Ele sabia escolher: na sua equipe, Carlos Drummond de Andrade, Henrique Pongetti, Fernando Sabino, Rubem Braga, Nélson Rodrigues.
Manchete, pouco tempo depois, alcançava e batia
O Cruzeiro.
O Nahum foi meu ídolo jornalístico à distância.
Fui conhecê-lo pessoalmente muitos anos depois (aliás, mais telefonicamente do que de outro jeito), quando ele se mudou para Israel como correspondente do
Jornal do Brasil e eu o queria também no
Jornal da Tarde. Conseguimos harmonizar tudo - só que o
Estadão rompeu o monopólio que o
JT queria de seu trabalho em São Paulo. Ele faria matérias diferentes para o Rio, assinando seu nome, e para
Estadão e JT, como Nélson Silva. Um trabalho gigantesco, mas de gigantesca qualidade. Tão bom que, quando deixei o
JT, tentei levá-lo para a
Visão, que ele tinha fundado e dirigido; mas a revista na época era quinzenal, e duas matérias por mês era muito pouco para aquele tsunami dos teclados.
Contato à distância, na maior parte das vezes. Mas um contato notavelmente enriquecedor e produtivo. Fui conhecendo aos poucos sua vida, sua carreira, seu pensamento - eventualmente, um ou outro de seus problemas, dos quais evitava falar. Conheci um judeu firmemente judeu, mas não religioso; um sionista convicto, sem radicalismos; com ideologia, mas jamais permitindo que a ideologia perturbasse a visão clara e minuciosa dos fatos. Seu caso de amor com Israel e com o Brasil - sem os exageros da tribo e da pátria. Como Samuel Johnson, Nahum Sirotsky sabia que o patriotismo é com frequência o último refúgio dos canalhas.
Nahum teve na vida uma oportunidade rara (e soube aproveitá-la): cobriu jornalisticamente a Assembleia Geral da ONU que partilhou a Península Palestina e levou à criação de Israel. Seu mundo estava ali: um brasileiro comandava a Assembleia Geral que levou ao Estado judeu. Nahum viu Israel ser criado; como assessor de embaixadores brasileiros, entre eles Roberto Campos, acompanhou a dança diplomática permanente em torno da paz no Oriente Médio, da Guerra da Independência, da Guerra dos Seis Dias; assistiu à consolidação do Estado; e lá foi morar, para ficar próximo de seu filho Yossef, de seus netos, da irmã Sônia, escrevendo para o Brasil. Lá, com quase 80 anos, ficou amigo de meu filho Rafael, então com 20, que estudou um ano em Israel, no auge da intifada, e passava os fins de semana na acolhedora casa do Tio Nahum.
E foi o Nahum, quando o Rafael terminou o curso, que representou os pais distantes, indo com ele à conclusão do curso para entregar-lhe o certificado.
A
mensch, diria minha avó Maria. Um tremendo
mensch, completaria eu. Um amigo notável que todos perdemos. Ou talvez não tenhamos perdido: dizem nossos sábios que uma pessoa não morre enquanto não é esquecida. E digo eu, arvorando-me a completar o pensamento dos sábios, que, apesar da perda de agora, o ganho que tivemos com a presença do Nahum em nosso mundo supera toda a tristeza que sentimos hoje.
Que todos digamos o Kaddish e o Shemá por ele.
São Paulo, 2 de dezembro de 2015
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