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Cerveró abala a "República de Vazamentos". Por Ricardo Kotscho

... Acontece que esta sinopse foi vazada para a imprensa e se transformou nas últimas semanas em manchetes de jornal e capas de revista, como se fossem fatos consumados e comprovados...

15.01.2016  |  52 visualizações
Publicado originalmente no Blog Balaio, de Ricardo Kotscho, post de 15 de janeiro de 2015 - http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/


É como se o autor de novelas entregasse uma sinopse à emissora e, na hora de escrever os capítulos, contasse uma outra história.

Para conseguir os benefícios da delação premiada, Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, entregou aos investigadores da Operação Lava Jato um resumo das denúncias que pretendia fazer, envolvendo a presidente Dilma e os ex-presidentes Lula, FHC e Collor, entre outros políticos. O acordo foi aceito pela Justiça.

Acontece que esta sinopse foi vazada para a imprensa e se transformou nas últimas semanas em manchetes de jornal e capas de revista, como se fossem fatos consumados e comprovados. Nesta quinta-feira, ficamos sabendo, graças à revelação feita pela equipe do jornal "Valor Econômico", editado pelos grupos Folha e Globo, que acusações indicadas no rascunho desapareceram no termo do depoimento formal feito por Cerveró na delação premiada homologada pelo ministro Teori Zavascki, relator da investigação no Supremo Tribunal Federal.

Na primeira versão oferecida pelo delator, ele afirma que "foi acertado que a Odebrecht faria adiantamento de US$ 4 milhões para a campanha do presidente Lula, o que foi feito". A suposta propina teria sido oferecida em 2006 e seria referente a obras da refinaria comprada pela Petrobras em Pasadena, no Texas.

No termo da denúncia, porém, a história contada é outra: não aparece o nome de Lula, em lugar da empreiteira Odebrecht surge o nome da UTC e a destinação da propina seria decidida pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS).

Na nova versão, também desaparece no termo homologado pelo Supremo Tribunal Federal o nome da presidente Dilma Rousseff, que foi citada três vezes pelo delator quando tratou do caso Pasadena em sua oferta de delação premiada. Cabe agora perguntar: em qual das versões Nestor Cerveró mentiu ou omitiu informações? Quem vai pagar por isso? Quem vazou? A imprensa vai se retratar? Podemos acreditar nas outras dezenas de delações?

Este fato é gravíssimo e abala a credibilidade da "República de Vazamentos" instalada no coração da Operação Lava Jato, um conluio promíscuo formado entre setores da imprensa com membros dos órgãos responsáveis pelas investigações, mas desapareceu das manchetes nesta sexta-feira.

Os métodos utilizados para obter as delações e os vazamentos de acusações não comprovadas foram denunciados na "Carta aberta em repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato", assinada por 90 advogados, professores, juristas e integrantes da comunidade jurídica, publicada hoje sob a forma de "informe publicitário" em vários jornais.

Trechos da carta:

"(...) O vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e a violação às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira.

(...) Nesta última semana, a reportagem de capa de uma das revistas semanais brasileiras não deixa dúvida quanto à gravidade do que aqui se passa. Numa atitude inconstitucional, ignominiosa e tipicamente sensacionalista, fotografias de alguns dos réus (extraídas indevidamente de seus prontuários na Unidade Prisional em que aguardam julgamento) foram estampadas de forma vil e espetaculosa, com o claro intento de promover-lhes o enxovalhamento e instigar a execração pública.

Trata-se, sem dúvida, de mais uma manifestação da estratégia de uso irresponsável e inconsequente da mídia, não para informar, como deveria ser, mas para prejudicar o direito de defesa, criando uma imagem desfavorável dos acusados em prejuízo da presunção de inocência e da imparcialidade que haveria de imperar em seus julgamentos".

Na contramão do pensamento único dominante na mídia, que acusa, processa e condena, abro este espaço para que cada leitor faça seu próprio julgamento sobre o que está acontecendo em nosso País.

Vida que segue.

**Ricardo Kotscho é jornalista. Trabalhou nos principais veículos da imprensa brasileira como repórter, editor, chefe de reportagem e diretor de redação. Foi correspondente na Europa nos anos 70 e Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ganhou os prêmios Esso, Herzog, Carlito Maia e Cláudio Abramo, entre outros.

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