Artigo publicado originalmente em O Globo, edição de 21 de janeiro de 2016
Tenho lido as críticas de juristas, membros do parquet (Ministério Público) e jornalistas à Medida Provisória nº 703/15, sem, entretanto, compreendê-las, visto que acordos de leniência estão incorporados à legislação brasileira desde 2000, com a alteração da lei sobre abuso de poder econômico (8884/94).
Se compararmos os textos dos dois diplomas, vamos verificar um sensível aperfeiçoamento no novo texto, não só em relação à Lei 10.149/00, artigo 2º, mas à legislação de 2013 (Lei nº 12.846, artigo 16, e o Decreto nº 8.420) que também previa o acordo de uma forma mais abrangente.
Os poucos, que me leem ou que me ouvem, sabem de minhas posições críticas ao atual governo, inconformado com o desventrar da maior rede de lesão ao Erário perpetrada neste país e no mundo, graças à operação Lava-Jato, bem conduzida pela Polícia Federal (PF) e Ministério Público (MP), e com condenações capitaneadas por este grande conhecedor de crimes contra o Erário, que é o juiz Sérgio Moro. Divirjo apenas na configuração do crime, para mim, nitidamente de concussão e não de corrupção ativa, e na forma de pressões excessivas para obter delações premiadas, que, a meu ver, violam o inciso III do artigo 5º da Constituição Federal.
O Brasil, todavia, em sua história, ficará devendo muito ao admirável trabalho das três instituições (PF, MP e Poder Judiciário).
A delação premiada pela qual mediante ressarcimento da lesão ao Erário, arrependimento e colaboração nas investigações acusados reduzem sua pena tem sido instrumento, fartamente elogiado pela mídia, para aprofundar as investigações e descobrir novos fatos delituosos.
Ora, o acordo de leniência nada mais é do que a versão da delação premiada da pessoa física para a pessoa jurídica, com um benefício para a nação incomensuravelmente maior, que é o da preservação de empregos de cidadãos que, trabalhando nestas empresas, jamais poderiam supor o que estava ocorrendo nas esferas administrativas de comando.
Objetiva, claramente, preservar empregos, não aprofundar crise econômica e gerenciar tributos e desenvolvimento necessários, em momento em que o Brasil flerta com o risco de sair da recessão para ingressar num quadro dramático de depressão.
Todas as críticas, a meu ver, improcedem: do MP, pois os acordos jamais serão firmados sem a sua autorização; de algumas autoridades, porque as advocacias públicas terão que concordar com os mesmos; dos jornalistas, que criticam, sem se debruçarem, talvez, na concepção da função social da empresa, estatuída nos artigos 5º, incisos 22, 23 e 24, 170 e 185 da Constituição; dos próprios juristas, que só agora criticam o instituto cuja forma foi aperfeiçoada pela Medida Provisória, permitindo a participação de todas as autoridades, inclusive dos Tribunais de Contas o que vale dizer apenas com o aval dos órgãos fiscalizatórios da boa administração (MP, PF, advocacias públicas, Tribunais de Contas, Controladorias) tais acordos poderão ser firmados com amplo benefício ao Erário (ressarcimento dos prejuízos), dos empregados (manutenção de emprego), da economia (manutenção da empresa) e do país em geral, que se beneficia dos tributos que as empresas continuarão a recolher.
Em abril do ano passado, em revista em que se homenageou o ministro Luiz Fux, editada para os aproximadamente 17 mil juízes brasileiros, já escrevia a favor destes acordos, ainda, apenas, à luz da legislação do Cade (artigo 35-B da Lei 8884/94 acrescentado pelo artigo 2º da Lei nº 10.149/00). Nesta oportunidade, não faço mais do que reiterar aquilo que naquele artigo dissera, apenas realçando que o novo texto é melhor que os anteriores, já que nenhum acordo será firmado, sem que as advocacias públicas e o MP concordem.
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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS Advogado, jurista, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra
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