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Umberto Eco e o antissemitismo. Por Henrique Veltman

... O Cemitério de Praga fala de espionagem, assassinato, mentiras e calúnias e golpes de um anti-herói que faz qualquer negócio desde que seja financeiramente lucrativo...

22.02.2016  |  33 visualizações
Escritor, ensaísta, linguista, filósofo, um acadêmico de sucesso, esse era Umberto Eco, falecido na noite de sexta-feira (19). O intelectual italiano deixou um legado impressionante em Filosofia da Arte, em Comunicação e Ficção.

O Cemitério de Praga, que se desenrola na Europa no fim do século dezenove, é um romance-folhetim lançado em 2010. Nesse cenário, Eco cria uma trama psicológica em que o antissemitismo é amplamente discutido.

O livro conta a história do capitão Simone Simonini no momento em que, já com a mente confusa e lapsos de memória, resolve escrever um diário e, voltando no tempo, nos conta sua vida. Olhem só a sacada de Umberto Eco, Simonini começa o diário seguindo orientações de um jovem que conheceu na França, um tal de Sigmund Freud...

Outra personagem desse diário é o abade Dalla Piccola, religioso que Simonini julgava morto - aliás, foi ele próprio quem o matou. O abade surge para "destrancar portas hermeticamente fechadas na memória de Simonini", revelando-lhe fatos que ele se recusa a lembrar.

O capitão Simonini odeia as mulheres, a luxúria que elas trazem aos homens, "seres sujos e pecaminosos". Mais ainda, ele odeia os judeus, antissemita desde criancinha, quando o avô lhe contava tudo sobre aqueles "seres execráveis". O capitão é informante e facilitador do serviço secreto francês; está disposto a tudo para conseguir informações e vendê-las a um bom preço, mesmo que para isso tenha que inventá-las. No seu tempo livre ele é um amante apaixonado da culinária, e passa suas noites em um bom e caro restaurante francês.

-" Um dia será necessário tentar a única solução razoável, a solução final: o extermínio de todos os judeus. Até as crianças? Até as crianças. Sim, eu sei, pode parecer uma ideia típica de Herodes, mas, quando se lida com a semente ruim, não basta cortar a planta, convém arrancá-la. Se o senhor não quer mosquitos, mate as larvas".

Mestre da falsificação de documentos e perito em reproduzir a grafia alheia, Simonini envolve-se em complôs contra judeus e maçons, em falcatruas religiosas, conspirações, rituais satanistas, assassinatos, explosões, e engana quase todos os personagens que compõem sua narrativa.

Como em outros romances de Eco, o leitor mergulha em grandes eventos que marcaram a história da Europa. O capitão torna-se pivô de vários acontecimentos, encontra e interage com Garibaldi "de pernas tortas e sofrendo de artrite"; com os seguidores do filósofo e político italiano Giuseppe Mazzini, testemunha o massacre da Comuna de Paris, o processo Dreyfus, a disseminação dos falsos Protocolos dos Sábios de Sião.

O Cemitério de Praga fala de espionagem, assassinato, mentiras e calúnias e golpes de um anti-herói que faz qualquer negócio desde que seja financeiramente lucrativo. "Agora, eu percebia que o aspecto mais irritante de um homicídio é a ocultação do cadáver, e é certamente por isso que os padres aconselham a não matar; menos, naturalmente em batalha, quando os corpos são deixados aos abutres."

Numa entrevista durante a Feira do Livro de Frankfurt, em 2011, Umberto Eco revelou que as páginas que escreveu sobre o cemitério de Praga, aquela reconstituição tão persuasiva da "conspiração hebraica", tinha origem na repugnância instilada por seu avô durante a sua infância.

Nessa entrevista, o escritor italiano respondia às críticas a seu livro feitas, inclusive, pelo Vaticano, preocupado com trechos em que Simonini falsificava testamentos e comercializava hóstias consagradas para missas satânicas. "Minha intenção", afirmou Umberto Eco, "foi desmembrar o racismo em todas as suas manifestações". Para isso, usou citações históricas de ódio aos judeus. "Dos franceses, citei Céline; dos alemães, busquei as expressões violentas e injuriosas de Nietzsche. Não inventei nada".

Henrique Veltman - é jornalista
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