Artigo publicado originalmente no Blog de Claudio Tognolli no Yahoo - https://br.noticias.yahoo.com/blogs/claudio-tognolli/, post de 4 de março de 2016
Dados que você conhece: a Operação Lava Jato completará dois anos em 17 de março. Com 36 denúncias contra 179 pessoas e garantia de R$ 2,8 bilhões recuperados aos cofres públicos (mais de 10 vezes tudo o que foi ressarcido aos cofres públicos até então). A Operação está longe de acabar, afirmou a este blog, em entrevista exclusiva o procurador da República Paulo Roberto Galvão de Carvalho, da força-tarefa da Lava Jato.
Agora dados inéditos: a Lava Jato já investiga a fundo a compra superfaturada da usina de Pasadena, pela Petrobras, e que teve sinal verde dado pelo avalista, o grupo bancário Citi.
Lembrando de Pasadena: Em 2006, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por 50% da refinaria (US$ 190 milhões pelos papéis e US$ 170 milhões pelo petróleo que estava em Pasadena). O valor é muito superior ao pago um ano antes pela belga Astra Oil pela refinaria inteira: US$ 42,5 milhões. Em 2008, a Petrobras e a Astra Oil se desentenderam e uma decisão judicial obrigou a estatal brasileira a comprar a parte que pertencia à empresa belga. Assim, a aquisição da refinaria de Pasadena acabou custando US$ 1,18 bilhão à petroleira nacional, mais de 27 vezes o que a Astra teve de desembolsar.
Citigroup, controlador do Citibank, foi contratado pela Petrobras para vender a refinaria de Pasadena em 2013.
A Petrobras confirmou ofertas, através do Citibank em 2013, entre US$ 200 e US$ 250 milhões pela refinaria.
Mais dados inéditos: 28 países já cooperam com a Lava Jato, em 82 pedidos de cooperação feitos pelo MPF.
Outra bomba: se não fosse as pressões legais da Lava Jato, a Suíça estaria devolvendo as somas roubadas da Petrobras aos seus devidos ladrões -porque a burocracia brasileira vinha sendo irresponsiva e irresponsável.
Confira a entrevista exclusiva do procurador da República
Paulo Roberto Galvão de Carvalho, da força-tarefa da Lava Jato.
Como é que anda o Lava-jato na questão da cooperação internacional?
Paulo: A Lava-jato é hoje o maior caso de cooperação internacional entre jurisdições, entre países que já houve no Brasil e um dos maiores do mundo. Hoje nó temos já 82 pedidos que nós fizemos para outros países nos auxiliarem, nós também temos 11 países que já fizeram pedidos para o Brasil. No total nós temos uma cooperação com 28 países diferentes dentro da Lava-jato.
Isso envolve, mais ou menos, quais cifras?
Paulo: Olha, hoje a gente tem muitos valores já bloqueados no interior, a gente tem muitos valores em apuração em diversos países
mas eu posso dizer, por exemplo: a gente tem recuperado para o Brasil o valor de 150 milhões de dólares. Antes da Lava-jato nós tínhamos 15 milhões de dólares recuperados em todos os outros casos que o Brasil participou envolvendo cooperação internacional. Hoje nós já recuperamos 150 milhões de dólares só na Lava-jato. A gente tem conhecimento que mais 300 milhões de dólares estão bloqueados por outros países no exterior, então é importante a gente manter esse trabalho porque o objetivo é recuperar todo valor que foi desviado e que já foi identificado no exterior e além disso identificar mais valores em outros países.
O senhor diria que quais países concentram mais valores de lavagem?
Paulo: A gente pode dizer com segurança que a maior parte dos valores que a gente identificou estava guardada na Suíça. Uma série de outros países recebeu os valores, mas recebeu valores com contas de passagem. A Suíça em primeiro lugar, e talvez em segundo Mônaco. São os países que mais conseguiram nos auxiliar na questão da recuperação dos valores.
Queria pegar um dos casos paradigmáticos, a compra de Pasadena que teve aval verde do Citibank do grupo Citi para se comprar aquilo. Existe cooperação com a justiça dos EUA para avaliar a Pasadena?
Paulo: Olha, a gente tem cooperação com diversos países em vários casos. Eu não gostaria de me focar num caso em concreto, especialmente no caso de Pasadena porque é um caso que a gente ainda não apresentou a denúncia criminal, mas eu posso dizer que em regra todos os casos, a gente tem sim uma cooperação, não necessariamente para avaliar o quanto a Pasadena deveria ter custado, não é isso, mas para obter documentos, para colher depoimentos, para verificar as contas, então tudo isso existe e o caso de Pasadena é um dos casos que nós estamos investigando mais a fundo.
Como um doleiro, ou um grupo de doleiros conseguem estabelecer contatos tamanhos no mundo todo, em tantos países? Quase 30 países com essa serenidade, como esse caráter líquido, como é o modo de dizer?
Paulo: O que a gente identificou aqui na Operação Lava-jato foi a junção de diversos
esquemas de diversos interesses, então de um lado você tinha os empresários; do outro lado os políticos; os empregados, diretores da Petrobras, mas eles precisavam de um sistema, realmente, para poder fazer toda essa transação, essa transferência de dinheiro de uma forma que ficasse escondida das autoridades, então para isso vem um quarto núcleo da operação que é o núcleo dos operadores financeiros, onde entra os doleiros. São profissionais, realmente, da atividade; pessoas que trabalham com isso há muito tempo, pessoas que têm expertises em abrir empresas de faixada no exterior, em abrir contas em países onde eles conseguem manter escondidos os reais proprietários e também pessoas que têm ligações internacionais, conexão com outras pessoas que fazem as mesmas atividades em outros lugares do mundo. Então, muitas vezes se consegue, por exemplo, se fazer uma transação financeira bancária sem que o dinheiro passe de um lugar para o outro, porque ele utilizam compensações; um colega tem um dinheiro lá fora e faz uma transferência para uma conta enquanto o colega daqui faz uma transferência da conta daqui para a outra conta aqui e com isso eles conseguem esconder das autoridades esse transmite do dinheiro.
É praticamente esquema Bin Laden, lombo de burro, não é? De amigo para amigo
Paulo: Olha, é um esquema talvez até mais profissional do que isso, é um esquema, realmente, muito interessante, mas ele se baseia também nessa confiança porque essas pessoas não têm depois como cobrar, então por isso que também se presa tanto essa questão do silêncio e essa questão de um não delatar o outro. Porque realmente é um esquema ilícito que foi montado como uma máfia, na base da confiança.
Eu queria fazer um link dessa questão da cooperação com a nossa questão das 10 medidas contra a corrupção. Porque eu acho interessante mostrar para o ouvinte é que a cooperação internacional, ela existe como um instituto de cooperação entre países já há muito tempo, previsto em tratado internacional, tratado da ONU , e os países deveriam se valer disso aí para investigar todos esses crimes que envolvem uma lavagem de dinheiro internacional, a corrupção que transbordam fronteiras. No Brasil a gente tem um problema muito sério que é o seguinte, o nosso sistema, pela lentidão que ele apresenta, pelas dificuldades de chegar ao final dos processos; a gente, muitas vezes, têm a facilidade de obter documentos por via da cooperação internacional, mas quando chega aqui esses documentos não servem para muita coisa porque o processo não anda; você tem uma infinidade de recursos, uma infinidade de questionamentos processuais. A gente chegou a ter extremo de, por exemplo, a Suíça manter valores brasileiros, que ela identificou como esquema de corrupção, bloqueados por mais de 10 anos e como o processo brasileiro não chegava a uma conclusão eles ameaçaram de devolver o dinheiro aos ladrões, aos corruptos. "Se vocês não se resolvem, a gente vai devolver esse dinheiro." Então a gente precisa de uma reforma no nosso sistema de justiça criminal para evitar esse tipo de situação. Dentro do nosso projeto de 10 medidas contra a corrupção, que na verdade é um projeto abraçado pela sociedade que já alcançou um milhão e meio de assinaturas, estão medidas que vão permitir um andamento mais rápido do processo penal brasileiro e com isso a gente vai poder se valer mais ainda do Sistema de Cooperação Internacional para identificar esse tipo de crime.
- Claudio Tognolli - é jornalista há 35 anos e já passou por "Veja", "Jornal da Tarde", "Caros Amigos", "Joyce Pascowitch", "Rolling Stone", "Galileu", "Consultor Jurídico", rádios CBN, Eldorado e Jovem Pan e "Folha de S. Paulo". Ganhou prêmios de jornalismo e literatura como Esso e Jabuti. É diretor-fundador da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e membro do ICIJ (International Consortium of Investigative Journalism). Professor da ECA-USP, escreveu 12 livros.
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