Algumas pessoas consideraram perfeita a comparação que Luiz Inácio fez dele mesmo com a venenosa jararaca e não viram nenhum inconveniente nisso.
Dizem elas que Luiz comparou apenas o pequeno mal que se causa à jararaca ao acertar-lhe só o rabo e não a cabeça. Como teria ocorrido com ele ao ser interrogado à força. E que por certo não levou em conta em seu "discurso inflamado" o fato de a jararaca ser animal peçonhento e carregar o significado metafórico de pessoa má, traiçoeira ou geniosa, peste, víbora.
Claro que Luiz Inácio não enquadra a si mesmo na acepção venenosa. Não conscientemente. Por certo ele se acha não menos do que magnífico. E é. Pelo menos para si mesmo e para os que o rodeiam e festejam. Considera-se, portanto, uma jararaca das boas.
Pois a análise da frase inaciana não precisa nem deve levar em conta o que ele provavelmente acha conscientemente de si mesmo e sim o tal de subtexto já que a língua e seus significados são criados pelo povo, que também vota.
Luiz Inácio poderia ter feito comparação mais edificante em seu favor: a fúria do touro indomado, a majestade do leão, a rajada imponência do tigre. Pois ninguém ousaria pisar o rabo de nenhum deles. Mas preferiu o rastejar da desamada jararaca.
Nem se lembrou de que a serpente sustenta má fama desde os tempos lendários de Adão e Eva no Paraíso -- magnífica época da inocência. Todos sabemos o que fez a pérfida serpe habitada naquele momento pelo capeta rabudo.
Enrolou-se num galho da Árvore do Bem e do Mal que o bom Deus havia posto no meio do Éden e na qual recostados descansavam belos, desnudos e inocentes Adão e Eva. O bom Deus havia recomendado que não comessem daqueles frutos rubros da cor do pecado que pareciam tão gostosinhos. E ambos, obedientes, não os comiam.
Ao longe, lobos e cordeiros pastavam junto de leões, veados e girafas - todos felizes na paz do Senhor.
Então a víbora de cabeça triangular -- parecida com a jararaca encontrada do nordeste ao sul do Brasil, passando por São Paulo, olhos sem pálpebras e íris verticais -- ofereceu com voz flauteada o fruto proibido à desamparada Eva. (Naquele tempo a serpente falava. E já falava com desenvoltura.)
Eva entrou na conversa mole da endiabrada serpe, comeu, gostou, viu Adão e viu o que viu com novo olhar. E o viu largado na grama em sesta depois do almoço vegetariano. Foi quando ofereceu uma mordida ao latagão. Ele hesitou, mas acabou aceitando, embora sentindo que a coisa ia ficar feia por causa do brilho estranho no olhar dela.
Foi assim que tudo começou.
Pergunta-se até hoje por que o bom Deus teria plantado a Árvore do Bem e do Mal no radioso Éden.
Sim, sim, para que aprendessem a obedecer e fizessem a escolha certa.
E por que teria o Bom Deus soltado o capeta por ali? Aliás, por que teria criado o capeta, o coisa-ruim, o tinhoso, o zarapelho? Aliás, por que teria criado baratas, ratos e políticos?
Aliás, estando fora do tempo e do espaço, já não sabia o Bom Deus que tudo aconteceria antes que acontecesse? Até mesmo a Lava Jato, a jararaca e outros bichos?
Então respondem seus porta-vozes por aki - papas, padres, aiatolás, imames, patriarcas, rabinos, apóstolos, bispos, pastores, missionários e outros intermediários do Paraíso, desta vez sem a árvore do bem e do mal e sem a serpente:
- Os desígnios do bom Deus são insondáveis!!!
Josué Machado, jornalista, autor de "Manual da Falta de Estilo", Best Seller, SP, 1995; e "Língua sem Vergonha", Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.
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