Artigo publicado originalmente no Blog de Ricardo Noblat, 6 de maio de 2016
Admitido esse processo pelo Senado, virá depois outra votação. Em até seis meses. Mas quantos votos serão necessários para aprovar definitivamente o impeachment da presidente Dilma?, eis a questão. Jornais e TVs dizem que seriam 54. Numa interpretação ligeira da regra do par. único do art. 52 da Constituição, em que a condenação "será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal". Contam 2/3 do total de 81 Senadores = 54 votos. Só que não é assim.
Quóruns constitucionais (ver Ugo Gargiulo,
I Collegi Amministrativi) podem ser calculados: 1. Relativamente ao número de componentes do colégio eleitoral. Como na Itália, art. 138 da Constituição, que pede aprovação "pela maioria absoluta dos componentes de cada Câmara". E no Brasil, para Emendas Constitucionais, art. 60, I, da Constituição, "quórum de um terço dos membros da Câmara ou do Senado". 2. Ou relativamente ao número de presentes. Como nos Estados Unidos, art. V da Constituição. Usando palavras de Willoughby (
On the Constitution), "para proposição de emendas bastam unicamente dois terços dos presentes de cada casa do Congresso, e não dois terços da totalidade dos seus membros". 3. Ou relativamente ao número de votos (caso em que não se computam abstenções e ausências). Esse último critério foi o escolhido pelo art. 52 da Constituição brasileira.
Problema central, para a correta interpretação do art. 52, é que ele não pede
votos de dois terços dos membros do Senado Federal; e, sim, dois terços dos votos dos membros do Senado Federal. Não é a mesma coisa. "Voto", senhores, não é o abstrato poder-dever de votar. Mas o concreto exercício desse poder-dever. "Dois terços dos votos do Senado Federal", como está no art. 52, significa dois terços de atos do individuado exercício do genérico e anterior poder-dever de votar.
O próprio Supremo, decidindo sobre o art. 90, § 2º da Constituição de 1891 (coincidentemente, a mesma regra do atual art. 52), já julgou constitucional, em 19.10.1926, Emenda de 3.09.1926 àquela Constituição - que se deu por dois terços dos votos e não por votos de dois terços dos membros do Congresso. O que inclusive está de acordo com regra de nossa atual Constituição (Art. 47) segundo o qual "... as deliberações de cada Casa e de suas comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria dos seus membros". Em resumo, não se pede votos de dois terços dos Senadores. Mas dois terços dos votos pronunciados Senadores.
A importância dessa tese é que, para a votação definitiva do impeachment da presidente, vão ser necessários 2/3 de votos (e, não, votos de 2/3) dos Senadores. Serão 54, esses votos, apenas se todos os 81 Senadores comparecerem. E se todos votarem. Sem ausências, pois. Nem abstenções. Caso alguns Senadores não apareçam, e/ou caso alguns se abstenham de votar, caberá então à mesa do Senado refazer as contas. Abatendo faltantes e abstenções. E, só então, calcular 2/3 dos votos efetivamente dados. Simples assim. E quase certamente, amigo leitor, serão menos que os 54 votos dados hoje como necessários.
Essa é a conta certa.
Bobagem da semana
Ministro da AGU, José Eduardo Cardozo, no Senado:
In dubio pro societatis (genitivo, e não o ablativo
societate).
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José Paulo Cavalcanti Filho -É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade
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