Capa

Artigos

A arte do soneto. Por José Paulo Cavalcanti Filho

... Pernambuco se distingue, no gênero, por ser terra do melhor sonetista do Brasil. Sem dúvida possível Dirceu Rabelo, companheiro em nossa Academia...

10.06.2016  |  43 visualizações

É tão desprovida de encanto a realidade brasileira, e tão melancólica, e tão fria, e tão sem maiores esperanças, e tão sem engenho ou arte, que hoje peço licença ao amigo leitor para falar de uma arte verdadeira. Eterna. Maior. A de escrever sonetos.


Foi provavelmente Petrarca - último poeta medieval e primeiro dos tempos modernos - o responsável pela difusão do soneto clássico. Estruturado em dois quartetos e dois tercetos. Verdade que Shakespeare, talvez o mais famoso dos sonetistas, fazia diferente seus quatorzain - com os 14 versos divididos em três quartetos e dois versos em complemento. Mas nas suas mãos era algo superior, em cadência e sons. Como, só um exemplo, no primeiro verso do soneto 12 (escreveu 154), When I do count the clock that tells the time. Reproduzindo o tique-taque onomatopeico em que quase se ouve o bater do relógio. Esse verso mestre Ivo Barroso traduziu, com a mesma inspiração, assim: Quando a hora dobra em triste e tarde toque.


Inicialmente difundido entre os do povo, logo o soneto passou a ser uma preferência da Corte. Em expoentes como Petrarca, Ronsard, nosso Camões e o já referido Shakespeare. Até hoje. Todos os grandes poetas atuais se dedicam a eles. Pernambuco se distingue, no gênero, por ser terra do melhor sonetista do Brasil. Sem dúvida possível Dirceu Rabelo, companheiro em nossa Academia. E provo o que digo com este soneto antológico. Imortal. No Cárcere da Desmemória. Dedicado à velha companheira de sua vida. O leitor por favor leia e confirme:


Quem dividiu comigo corpo e alma


E me dava alegria na tristeza


E que me aconselhava agir com calma


Nos momentos difíceis de incerteza



Hoje nada me diz e não reclama


Disso que lhe aprontou a Natureza:


Já não se lembra mais dos entes que ama


E sem cometer crime vive presa



Nas algemas fatais da desventura


De carregar a cruz de um mal sem cura,


Que fere muito mais o companheiro,



De quem se escuta agora esta mensagem:


Chegando aos cais da última viagem,


Dos dois é mais feliz quem vá primeiro.


Leve como o vento, se é que o vento tem mesmo peso (não sei), e depois dessa pausa que refresca, estamos prontos para na próxima semana voltar ao nosso Brasil. Se ele ainda existir. E se Deus permitir, claro.


______________________________________________________

jose_paulo_cavalcanti_filho_02José Paulo Cavalcanti Filho -É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade


jp@jpc.com.br
-----------------------------------------------------------------------

CHUMBO GORDO


Este artigo pode ser lido também no CHUMBOGORDO.com.br, nosso novo site jornalístico, que vai reunir a cada dia algumas feras do jornalismo, da informação, das charges e imagens, articulistas e comentaristas. Tudo o que você esperava. Informação com humor e bom senso.


Não deixe de visitar, curtir, recomendar aos amigos. Assine nossa newsletter