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Espanha: ainda ciscando votos para formar algum governo. Por Celso Barata

...Rajoy tem se mantido como Presidente do Governo (a Espanha é o único país que tem rei e presidente) desde 2011 e como "interino" desde dezembro: ao menos agora aceitou tentar formar um governo, mesmo sabendo que quase todo o arco dos partidos políticos o rejeitará...

12.08.2016  |  71 visualizações

Por mais que pareça inacreditável, a Espanha continua sem um novo governo até agora, em meados de agosto, apesar de uma segunda eleição legislativa ter ocorrido em 26 de junho, após o fracasso da primeira, em 20 de dezembro.


As coisas lá andam mesmo devagar, quase parando - lembra bem o nosso parlamento. Primeiro, porque essa segunda eleição quase não mudou nada em relação à primeira: o Partido Popular (conservador), ainda no poder, só fez aumentar - ganhou 137 das 350 cadeiras do Parlamento, 14 a mais que em dezembro. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) ficou em 2º lugar, com 85, mas perdendo 5. A novíssima coligação esquerdista Unidos Podemos manteve-se com 71 e o centrista Ciudadanos manteve a porcentagem de votos, mas caiu de 40 lugares para 32.


Como para se ter maioria absoluta é preciso amealhar 176 votos, nenhum partido sozinho consegue nada e, pior, continua difícil juntar pelo menos nem que seja dois. Como a solução alemã de se formar uma "grande coalizão" entre os dois maiores partidos provou ainda não ser compatível, o jeito seria algum deles tentar formar um governo minoritário, algo consentido de alguma forma, mesmo que não apoiado, por outros partidos. E, pela lógica, o PP deve ter essa primazia.


Escolado pela experiência anterior, quando se levou de dezembro a junho sem se conseguir formar governo algum, o jovem Rei Felipe VI tentou ser bem rápido. Seu primeiro passo foi consultar o recém eleito presidente do Congresso de Deputados, a primeira pessoa a ser escolhida, pela tradição parlamentar espanhola: desta vez, ao contrário de dezembro, quando teve que ceder a um socialista, o PP conseguiu emplacar sua ex-ministra Ana Pastor.


... Apesar do fim do bipartidarismo, em dezembro, ter tornado tudo mais difícil, com 4 partidos sucedendo aos dois anteriores (PSOE e Popular), o eleitorado não gostou nada deles não terem se acertado para formar um governo estável...


Em apenas três dias, Felipe VI recebeu líderes de mais de uma dezena de partidos. Mas, pela Constituição, não pode ajudar muito, nem intervir em nada: apenas se limitar a indicar um político apto a formar uma maioria. Existe até um verbo na Espanha, "bourbonizar", que relembra o passado de interferências de seu avô Afonso XIII, derrubado pela República em 1931. Agora, talvez graças a sua seriedade e a seu escrupuloso cumprimento desse papel constitucional, sua popularidade voltou ao auge de 73%, contra os 30 e poucos a que a monarquia havia sido reduzida no último ano de seu pai, Juan Carlos.


Apesar do fim do bipartidarismo, em dezembro, ter tornado tudo mais difícil, com 4 partidos sucedendo aos dois anteriores (PSOE e Popular), o eleitorado não gostou nada deles não terem se acertado para formar um governo estável. Infelizmente, a lição parece não ter impressionado nenhum dos grandes: o primeiro-ministro Mariano Rajoy, do PP, tenta desesperadamente buscar aliados mas não conseguiu nada. Ninguém quer se alinhar com um partido rigorosamente conservador e cheio de problemas de corrupção.


Entretanto, depois de ver como isso aumentara antes sua popularidade, o Ciudadanos (C’) foi o único a demonstrar certa responsabilidade política e prometer se abster e não votar contra um governo PP. Impôs, porém, meia dúzia de condições, que Rajoy pediu tempo para avaliar: entre elas, o afastamento imediato de qualquer detentor de cargo público suspeito de corrupção, eliminação da imunidade judicial de detentores de cargos públicos e políticos (a Espanha tem o maior número de políticos imunes do mundo: 17.621) , o fim de indultos em casos de corrupção, a difícil limitação da duração dos mandatos para oito anos (apenas dois consecutivos) e a adoção de um novo sistema eleitoral, que retire a centralidade excessiva dos partidos nas eleições.


Mesmo assim, seu líder Albert Rivera - sempre cotado como um dos políticos mais populares do país - se recusou a qualquer aliança com o PP, já que rejeita não apenas a presença de Rajoy no cargo, como a de outros ministros suspeitos em escândalos de corrupção.


Graças a isso, por exemplo, o ex-premiê socialista Felipe Gonzalez reconheceu há dias que o único fato positivo desde a eleição foi esta atitude positiva de Rivera e do C’. Mesmo firme adversário do PP e de Rajoy, Gonzalez tem insistido que os partidos precisam garantir a estabilidade política, facilitando alguma forma de governabilidade.


No entanto, impávidos e alheios a crise e ao eleitorado, os esquerdistas PSOE e Unidos Podemos insistem que votarão contra Rajoy quando este se submeter a um voto de confiança no final do mês. Embora critique o "ritmo muito lento" de Rajoy, o PSOE promete não torpedear o diálogo PP-Ciudadanos.


Fazendo as contas, Rajoy tem se mantido como Presidente do Governo (a Espanha é o único país que tem rei e presidente) desde 2011 e como "interino" desde dezembro: ao menos agora aceitou tentar formar um governo, mesmo sabendo que quase todo o arco dos partidos políticos o rejeitará. Somando seus 137 votos com 32 da abstenção do Ciudadanos, e mesmo que c onsiga ciscar alguns do Partido Nacionalista Vasco e de outros grupos minúsculos, está longe de se garantir contra o veto dos 85 do PSOE mais os 71 do Podemos. Para qualquer líder político, a maioria de 176 cadeiras parece ainda um sonho distante.


(FOTO ABERTURA:Manifestação do movimento dos indignados na praça Puerta del Sol em Madrid.)


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celso barataCelso Barata - é jornalista. Especializado em Política Internacional. Trabalhou e colabora com alguns dos mais importantes veículos nacionais.


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