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Verdade seja dita. Por Marli Gonçalves
02.02.2018
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De quando em quando, ultimamente com uma frequência supersônica e apavorante, surgem palavras ou expressões que são pisadas, repisadas, espremidas, torturadas sem dó. Se elas vêm de outra língua ganham mais status por aqui, uma roupagem “empoderada” para adentrar nossos salões até que outras a substituam. A da vez é “fake news”, nada mais nem diferente do que falar e usar “notícia falsa”. No fundo só ajuda o mais novo esporte nacional: brigar por ideologias, estas sim, falsas até o último fio de cabelo.
Mas o problema que enfrentamos de verdade são as notícias verdadeiras, que acabam escamoteadas em discussões estéreis, superficiais, insufladas por vários lados muitas vezes de forma tão irresponsável que admira não haver consequências legais e elas seguirem compartilhadas por milhares de parvos e autômatos seguidores.
Como se não se dessem conta de que vivemos no momento uma das mais graves crises institucionais e éticas que o Brasil já passou, com o rompimento dos liames entre todos os Poderes e de todos os poderes e instituições com o povo. Seus representantes máximos brigam entre si publicamente mais do que gato e rato. Declarações estapafúrdias se sucedem, e mesmo discursos cheios de razão e palavras bonitas visivelmente surgem como flechas com endereço certo, nem precisa ser muito atento para perceber isso. Já não há mais qualquer liturgia, tanto no cargo como entre todas as partes que deviam render algum respeito ou consideração.
Parece que está mesmo difícil se dar conta de que temporadas e situações como essa não costumam ter finais felizes, porque são roteiros voláteis. Os dias passam e apenas as indisposições recrudescem.
Não há graça nenhuma. Exceto, claro, num caso com uma pitada de humor surreal em nosso vatapá, o da deputada que ia virar ministra, Cristiane Brasil, que nos presenteou com aquele inacreditável vídeo feito al mare. Se todos nós não tivéssemos visto e revisto diríamos que aquilo ali só poderia ser notícia falsa, montagem, sacanagem de alguém. Ladeada por quatro marmanjos de óculos escuros e peitos desnudos cuidadosamente depilados, que até agora ninguém sabe exatamente quem são, a ministra-que-não-é desfila, ao se defender, um rosário tal de sandices que só pioraram ainda mais a situação. Nada me tira da cabeça que os quatro amigos homens que ela juntou eram apenas uma tentativa de demonstrar que não seria verdade o que à boca pequena e largos passos virtuais se fofoca por aí nesse preconceituoso país machista e sexista. Que ela teria mudado suas preferências sexuais.
Virou a loucura da loucura, onde ninguém mais vai ter paz num país onde um ministro do mais alto tribunal de Justiça, dentro de um avião, seja xingado de um tudo e achincalhado. E isso seja aplaudido nas redes sociais! Deselegância que vem vindo cada vez mais séria na polarização política que deverá se agravar ainda mais em ano eleitoral.
Ninguém precisa de notícias falsas em um tempo com tantas notícias bem reais. Seguindo nessa toada o que ficará inviável e incompatível será manter a sanidade e contas nas redes sociais, usar mecanismos como Whatsapp e outros.
Será inviável retomarmos algum caminho em paz.
Não só por causa de notícias falsas, que sempre existiram com seu nome em bom português, mas por causa das pessoas falsas ocultas atrás de teclados. E dos que andam apontando as câmeras de seus celulares não para denunciar os malfeitos, mas para executá-los. Fazem isso sem remorsos, com os celulares em pé, de lado, ou mesmo deitadinhos em seus berços esplêndidos como tanto insistem.
Verdade seja dita. Verdade sempre aparece. Pode ser passageira. Pode ser só meia.
E a verdade também pode ser só um jogo de espelhos para esconder o que tanto se mentiu.
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Marli Gonçalves, jornalista - e a tal pós-verdade, como fica?
- Fevereiro, 2018, país do Carnaval -
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