Falta pouco para a escolha do presidente da República. Até agora nenhum dos dois candidatos disse o que pretende fazer se for eleito. Lula, segundo pessoas próximas, aproveitará seu mandato para lustrar uma biografia de extrema esquerda, com estatizações, regulamentações generalizadas (o que inclui a imprensa, num retorno à Censura), volta à política dos “campeões nacionais”. Segundo outras pessoas próximas, vai aproximar-se da classe média, com políticas que exercitou em seus mandatos e baseadas na Carta aos Brasileiros. Bolsonaro garantirá verbas à Educação e à Pesquisa, irá se afastar ou se aproximar da China, continuará a administrar por atrito?
Os dois candidatos se esmeram, ao contrário, apenas em campanhas de destruição da imagem do adversário. Lula desenterrou uma velha declaração de Bolsonaro, de estupenda falta de senso, dizendo que só não comeu carne de índio por falta de companhia. Bolsonaro recortou uma fala de Lula para inverter seu sentido: Lula disse que nenhum governo investiu em educação e foi preciso que ele, quase analfabeto, abrisse universidades e garantisse verbas para o ensino. Bolsonaro só manteve a parte referente a “nenhum governo investiu em educação” no vídeo que divulgou, para dar a impressão de que Lula incluía seu governo entre os que não gastaram com educação.
Em 1692, houve uma caça às bruxas em Salem, nos EUA. Não é que agora, mais de 300 anos depois, a eleição aqui gira em torno da religião?
De volta para o futuro
Em 1618, na Europa, começou a Guerra dos 30 Anos, entre protestantes e católicos. No final, houve um acordo: em cada Estado a população teria a religião de seu monarca. Naqueles tempos, era estranhíssima a ideia de que cada pessoa pudesse ter a religião de sua escolha. E que é que discutimos no Brasil de hoje? Se um candidato ter visitado um templo maçom é suficiente para que não se vote mais nele, ou se evangélico deve ser obrigado a votar em evangélico. No século 15, Galileu Galilei demonstrou que a Terra é uma esfera. E hoje temos discussões sobre a Terra plana.
Só falta discutir se os índios têm alma – e dá até medo ver essa ideia voltar na campanha eleitoral mais antiga de nossa História.
Boa notícia
O jornalista e escritor Ruy Castro, competentíssimo, é o novo membro da Academia Brasileira de Letras. Castro, com seu texto deliciosamente agradável, é colunista da “Folha de S.Paulo”, autor de excelentes biografias de Garrincha, Carmen Miranda, Nelson Rodrigues, de livros sobre movimentos musicais – “Chega de Saudade”, “A Onda que se Ergueu no Mar”, sobre a bossa nova, “A Noite do Meu Bem”, sobre o samba-canção, e sobre o Rio de Janeiro, sua cidade do coração (embora tenha nascido em Caratinga, Minas Gerais).
Pois Ruy Castro é carioca como poucos cariocas. É capaz de escrever sobre temas dolorosos e complexos com sinceridade e mantendo uma qualidade literária que agrada a todos. Ruy é alcoólatra e narra sua luta diária contra o problema; já foi demitido por adultério. Um nome que engrandece a Academia Brasileira de Letras. Como escreve bem!
A marcha das urnas
Já saem as primeiras pesquisas sobre o segundo turno, com vantagem para Lula, mas encostado no empate técnico. De qualquer forma, é cedo: a campanha está aberta e o fôlego do bolsonarismo e de Bolsonaro surpreendeu. Haverá erros e alguns, em ambas as candidaturas, podem ser fatais. Lembremos que, nas eleições de 2018, uma declaração infeliz de Ciro Gomes (de que o papel de sua então esposa Patrícia Pillar na campanha era o de dormir com ele) provocou forte queda em seus índices.
As mudanças
Bolsonaro está um pouco atrás, mas tem a caneta, a tinta e a disposição para utilizar todo o poder da Presidência na luta pela reeleição. Pode-se achar um monte de defeitos no presidente, mas ele não pode ser subestimado. Sim, pode ser grosso, tosco, o que se quiser, mas burro não é: burro não chega até onde chegou. E não leve muito a sério a tradição de que ninguém ganha uma eleição se não ganhar em Minas Gerais: a tradição existe enquanto existir, e nada impede que seja modificada. Lula, sem dúvida, tem mais carisma. Mas ou mostra o que pretende fazer se eleito ou corre grandes riscos.
Bolsonaro mente com a maior tranquilidade (agora, nega que tenha prometido nomear um ministro terrivelmente evangélico para o Supremo. Mas já nomeou André Mendonça; já comentou que gostaria de ver o STF iniciar as sessões com uma oração). A mentira pode ou não pegar e influir poderosamente nos números finais.
A grande pergunta
Uma dúvida: sabendo-se que o país está dividido e que é muito mais difícil governar assim, qual dos candidatos terá planos para reduzir o ódio entre as alas predominantes no país? Algum candidato terá esses planos?