Ô, marinheiro, marinheiro, quem te ensina a nadar é o tombo do navio e o balanço do país. Às vezes nos imagino a todos no convés de um gigantesco navio. Vem uma onda, balança tudo; depois, a calmaria, o esquecimento e a não solução, até que a onda, inclusive pode ser a mesma, bata novamente e nos ative a memória.
Vira e mexe, remexidos estamos. Um assunto explosivo, alguma inacreditável ocorrência que por alguns momentos até pensamos: “Agora, vai! Essa é grave”. O navio balança de um lado, balança de outro, ficamos atordoados. Daqui a pouco tem mais e, como sempre, nada de planejamento, necas de cuidados, de vez em quando ouvimos falar em punições com multas que, aliás, nunca são pagas; algumas até “anistiadas” de vez. Calma, as suas, não. Se não pagar vai entender exatamente e na pele inclusive qual o significado de avalanche, de bola de neve de juros e correções.
Assim vamos levando a vida, enfrentando todas as marés em um aprendizado que independe até do que aprendemos com nossos pais. O da sobrevivência, e que sempre é muito particular. Caímos na água toda hora, na vida pessoal e profissional; na vida coletiva e como cidadãos. Precisamos bater os pés e manter o nariz fora d` água. Respire. Se conseguir, está vivo.
Uma sucessão e a cada passo aprendemos um estilo que é mais do que borboleta ou costas. Tem quem fique craque no movimento sabão, que escorrega. No movimento urubu, que se beneficia dos restos de quem submerge. No movimento oferenda, que joga tudo para Deus resolver. No movimento de apenas boiar, sem querer saber de nada, sem opinião, e o que anda bem comum, compreensível se ocorre pelo cansaço de querer chegar à margem e ficar ali só se secando. Precisaríamos nadar mais o nado sincronizado.
São mesmo inúmeras as formas. Mas nas pessoais estamos sempre dentro de um simples barquinho. Quando a gente se afoga por amor, esse sofrimento que parece jamais se superará, os soluços e as lágrimas precisam ser tirados com balde para não afundar. E tentamos tapar o buraco com outro e outro. Acho que não preciso ser mais clara.
Mas no dia a dia dependemos do navio geral da nação, essa atormentada nação que não sabe que rumo vai tomar. As investigações estão sempre em curso, e levam anos para chegar a algum destino, como no caso Marielle, agora com mandantes e idealizadores identificados, que esperamos não ter de ver logo nas ruas com adornos de tornozeleiras. Mais alguns anos – quantos? – e novos desfechos virão? Durante mais de um mês vimos centenas de homens procurando dois, os fugitivos de Mossoró. Nada. Deram entrevistas, desenharam círculos, andaram neles, perderam as pistas. Agora, tudo desativado.
Justiça seja feita. Ah, não está mais adiantando? Ordens judiciais só servem para poucos? Tenho visto muitas desobedecidas. E daí? Nada.
Para escrever toda semana faço tal qual os pescadores que sentem de onde vêm os ventos, as marés, a influência da Lua. Nem sempre é fácil, as pessoas leem o que querem, sempre, e agora querem que só haja duas versões e direções dos fatos, exterminando qualquer possibilidade de nuance. Eu ia escrever “Birutas e tapas na cara”, sobre birutas, os birutas-gente e as birutas de vento. Desisti. Achei melhor pensar só no marinheiro, marinheiro só, com seu bonezinho, todo faceiro. Um símbolo bem brasileiro.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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