Donald Trump é hoje o vice-campeão de votos da História americana. Só foi superado (e por pouco) por Joe Biden. Teve mais votos que Obama, mais que Clinton. É extremamente provável que suas tentativas de impugnar as eleições sejam frustradas; mas o trumpismo continua forte. O trumpismo é maior que o Partido Republicano: Trump atingiu seu recorde de votos tendo a reprovação aberta de ícones republicanos como o general Colin Powell e o abandono por outros caciques, como o ex-presidente Bush, seu irmão, o ex-governador Jeb Bush, a viúva do senador John McCain.
A política americana é decidida por americanos, mas influencia o mundo todo. Seria um erro grave achar que o trumpismo desabou. Como é que um personagem estranho como Trump, com aquele topetão alaranjado, que conduziu desastradamente o combate à Covid, tem tanta popularidade? Como, tendo passado boa parte de seu tempo falando mal de imigrantes, foi ganhar na Florida, paraíso da imigração? Como, depois de combater o Black Lives Matters com dureza, ganhou em Estados onde o voto negro é decisivo?
Em parte, a resposta é a economia. Até a pandemia, Trump reduziu dramaticamente o desemprego e manteve a economia crescendo. Em parte, foi porta-voz de quem se irritava com restrições à extração de petróleo, com metas de poluição e proteção ao meio-ambiente. Seus seguidores se tornaram fundamentalistas, prontos a insultar adversários. E a rachar a nação.
Serrada ao meio
Quando o Jornal da Tarde estava no auge, o sonho do grande redator Renato Pompeu era fazer a manchete “O povo dança nas ruas”. Pois o povo dançou nas ruas, comemorando a derrota de Trump. Os ânimos não estavam acirrados de um lado só: os EUA racharam – e as duas metades têm tamanho equivalente. A tarefa de unir a nação é dificílima, e importantíssima. Trump não vai ajudar: vai manter sua linha agressiva, que lhe valeu uma avalanche de votos. Dirá por quatro anos que foi vítima de fraude. Se quiser, e a saúde ajudar, aos 78 anos será o candidato republicano em 2024. Com todos os fundamentalistas que puder juntar, dizendo a verdade que só eles veem.
E as pesquisas?
As agências americanas de pesquisas devem uma explicação: erraram feio prevendo que Biden teria até 10% a mais de votos populares que Trump. Que não lancem a culpa no voto envergonhado (o entrevistado diz que escolheu um candidato mais bem considerado e vota em outro). O fenômeno não tem nada de novo e deveria estar previsto. Como diria o Bóris, é uma vergonha.
Informação em risco
A Fox News interrompeu a transmissão de uma entrevista de porta-vozes de Trump alegando, na palavra do repórter Neil Cavuto, que Kayleigh McEnan acusava o Partido Democrático de “acolher fraudes e votos ilegais”, sem que tivesse como sustentar suas afirmações. Traduzindo: ele censurou a porta-voz de Trump por discordar do que ela dizia.
Trump e seus porta-vozes mentiram muito, mas não podem ser impedidos de dizer o que pensam. Que o jornalista, a seguir, investigue as declarações e publique os desmentidos. Nenhum jornalista, por mais competente que seja, tem o direito de impedir o entrevistado de dizer o que quer. Pode contestá-lo ao vivo, deixando claro que nada daquilo é verdade, pode contestá-lo depois, com profundidade. Mas censurá-lo não é aceitável. E as tevês americanas estão insistindo na censura.
Genérico em guerra
O presidente Bolsonaro, uma espécie de Trump mal acabado, não está contente em não ter oposição: quer porque quer criar uma oposição, mesmo que seja brigando com mais aliados. A última vítima é o general Mourão, seu vice.
Mourão, faz tempo, traduz para linguagem civilizada algumas frases menos polidas do presidente. Agora, explicou por que Bolsonaro não cumprimentou Biden: disse que ele o fará na hora certa, quando não houver mais pendências legais. Bolsonaro ficou furioso: disse que esta é a opinião de Mourão, não dele, que não conversaram sobre isso, e que, aliás, não tem falado sobre qualquer assunto com seu vice.
Só que Mourão não é o general Pazuello, que aguentou desfeitas sem se queixar (talvez tenha tomado algum calmante à base de cloroquina). Mourão é mais linha dura e talvez seja mais direitista que Bolsonaro – só que mais educado. Quando reagir, haverá crise.
Oração aos mortos
Vergonhosa a atitude do Governo Federal: para atingir o governador João Dória, mandou paralisar as pesquisas da Coronavac, vacina contra a Covid a ser produzida pelo Instituto Butantan. Bolsonaro não se pejou de proclamar seu objetivo: disse “Bolsonaro ganhou mais uma”. Só pensa em se reeleger. Quem precisa da vacina que morra. O motivo da suspensão é mais vergonhoso: um dos voluntários que participam dos testes morreu – só que por suicídio, sem nada a ver com a vacina. Ainda nem se sabe se tomava vacina ou placebo. Bolsonaro usa a nossa vida como arma de reeleição.