O presidente Bolsonaro mostra de novo que não precisa de oposição. Ele mesmo cuida disso. A oposição mostra de novo que não tem a menor ideia do que seja fazer oposição. São tão incompetentes que até o PT, que sempre se disse contrário a Bolsonaro, está fechado com o candidato bolsonarista à presidência do Senado, ao lado do Centrão, e ainda confraternizando. E há deputados que se dizem de oposição prontos a trair seus partidos para votar no candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara – e que candidato!
É do Centrão; entre seus problemas há até processo por agressão à esposa. Sim: neste momento em que a incompetência oficial no combate à Covid derrubou a aprovação de Bolsonaro de 37% para 26% (pesquisa Exame) e elevou sua rejeição para 40% (Datafolha), partidos que se dizem de oposição querem é escolher um presidente da Câmara que não vai permitir que nenhum pedido de impeachment seja analisado pelo plenário. Lembremos o elogio do escritor americano Mark Twain aos parlamentares americanos: “Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”.
Entre oposição que apoia o Governo e Governo que faz oposição a si mesmo, quem ganha? No momento, o Governo oposicionista: quem escolhe um ministro da Saúde que não serviria nem para Dilma se coloca em risco. Já se fala muito em impeachment. As passeatas estão de volta. E há ainda os caminhoneiros, com greve marcada para 1º de fevereiro, contra Bolsonaro.
Cadê a moeda?
Os caminhoneiros protestam contra a BR do Mar, uma das mirabolantes ideias que parecem ótimas até chegar a hora de pagar a conta. O objetivo da BR do Mar é eliminar o transporte de carga a longa distância por caminhões. Tudo seria transportado por navios costeiros e os caminhões entrariam só na última etapa, do navio ao destino. Quanto custa, quem paga? Quem paga nós sabemos; mas quanto custa? E os caminhoneiros, com veículos caríssimos, deixam de trabalhar? Bolsonaro sugere dar prioridade aos caminhoneiros na hora das vacinas.
É uma troca interessante: o próprio presidente diz que as vacinas não têm comprovação científica, mas as oferece. E cadê as vacinas?
Brincando de esconder
Greve de caminhoneiros é coisa muito séria. Derrubou governo no Chile, pôs na corda bamba o governo de Michel Temer. Mas falemos um pouco de vacinas: neste fim de semana chegaram ao Brasil dois milhões de doses da vacina de Oxford, enviadas pela Índia. Dos duzentos e poucos milhões de brasileiros, atendem a um milhão (são duas doses). O pessoal de saúde, os velhinhos, ficam todos aguardando a vacinação dos caminhoneiros? E isso não seria preciso: o Brasil rejeitou todas as vacinas que lhe foram oferecidas.
Não se metam
Há cerca de um ano, o Brasil poderia ter entrado na Covax, um grupo de 165 países que receberia vacinas a preços menores, com cota de 200 milhões de doses. Uns meses depois, após hesitar muito (Trump não lhe havia dado a ordem), Bolsonaro entrou, com cota de vinte milhões de vacinas. Em agosto, a Pfizer ofereceu ao Brasil 70 milhões de doses, a entregar até janeiro deste ano. O Brasil não respondeu.
Em 20 de outubro, o General Cloroquina, o superhomem da Logística que ocupa a Saúde, anunciou a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. No dia seguinte, Bolsonaro desautorizou o Cloroca e disse que jamais compraria esta vacina. Vamos somar: são 316 milhões de doses que Bolsonaro não quis comprar quando havia estoques e que hoje seriam suficientes para a população brasileira – e com duas doses.
E não seria preciso ajoelhar-se ante Índia e China para implorar vacinas.
Sem fantasia
A informação de que o Governo chinês exige a demissão do chanceler Ernesto Araújo para liberar o Insumo Farmacêutico Ativo necessário para que Butantan e Fiocruz produzam as vacinas CoronaVac e Oxford é falsa. Em primeiro lugar, qual a diferença entre demitir o atual chanceler ou não? De qualquer forma, como até hoje, o posto continua vago. Mas esta coluna procurou pessoas com fortes contatos com a representação da China, que nos informaram que a Embaixada não tomaria tal atitude, pois seria intromissão nos assuntos internos de outro país.
Gostariam, é verdade, que o Brasil afastasse o chanceler, um criador de casos, mas não farão nem a sugestão.
E o impeachment?
Por enquanto, nem sim nem não: o prestígio de Bolsonaro se derreteu bem rapidamente pela má gestão da pandemia, mas não é impossível que consiga se recuperar. Ele tem apoio no Congresso e cargos para garantir esses apoios. Mas, se as manifestações de rua ganharem força, até os parlamentares mais fiéis às mordomias podem sentir-se tentados a abandoná-lo. Político até enfrenta problemas para não largar o osso, mas não pula no abismo. Lembre o deputado, que estava viajando, da tropa de choque de Collor. Quando viu que o impeachment seria aprovado, voltou a Brasília e votou a favor.