Coluna - Observatório da Imprensa
Quem vê as notícias hoje divulgadas no Brasil é informado de que Carlos Marighela, José Genoíno, Carlos Lamarca, Aloysio Nunes Ferreira Filho e tantos outros que, de armas na mão, lutaram contra a ditadura militar, queriam implantar a democracia no país (não, não queriam: seu objetivo era derrubar a ditadura existente, mas defendiam o comunismo e a ditadura do proletariado). São informados também de que a opinião pública e a imprensa resistiram bravamente à ditadura, contribuindo poderosamente para derrubá-la.
Quem lia as notícias divulgadas no Brasil de 1962 até recentemente era informado de que os comunistas, aliados ao presidente João Goulart, já estavam implantando seu regime por aqui, e que a opinião pública e a imprensa, unidas, uniram-se às Forças Armadas para, num movimento civil-militar, restabelecer a democracia no país (não, não era bem assim: ninguém pode acusar os civis Gama e Silva, Alfredo Buzaid, Carlos Medeiros da Silva, ou militares como o almirante Rademaker, o brigadeiro Burnier e o general Sylvio Frota de querer outro regime que não fosse uma ditadura em que toda e qualquer oposição fosse esmagada). Eram informados também de que no Brasil jamais houve uma ditadura: o regime, nas palavras imortais do general-presidente Ernesto Geisel, era uma democracia relativa. Falou-se também numa tal "democracia à brasileira", o que mereceu uma resposta notável de uma pessoa inatacável, o advogado Sobral Pinto: o que ele conhecia era peru à brasileira. Democracia era democracia, ponto.
Não deixa de ser notável como os meios de comunicação se adaptam rapidamente às novas modas, esquecendo as antigas, das quais participaram e que ajudaram a criar e consolidar. Boa parte dos atuais veículos apoiou entusiasticamente a deposição do Governo Goulart; alguns discordaram de determinadas posições dos governos militares; outros, em número menor, foram aos poucos rompendo com a ditadura e foram perseguidos por ela.
Isso faz parte do jogo político: pessoas e órgãos de comunicação podem evoluir para outras posições, à medida que a situação se modifica. O que não podem é fingir que nunca tiveram nada a ver com nada, e se alinhar às patrulhas dominantes. O que não podem é exigir que todos os acompanhem nas mudanças de posição. Como criticar quem chama o movimento de 1964 de "revolução", em vez de "golpe", quando os próprios veículos o chamaram de "revolução" por tantos anos?
E não era proibido usar a expressão "golpe". Jornais como Movimento, O Pasquim, Bondinho, Coojornal, Opinião, Versus, Ex, sempre chamaram de "golpe" o que ocorreu em 1964 (e, aliás, fizeram a mais dura oposição, dentro do que era possível, ao regime militar). Quem usava a expressão "revolução" a usava porque queria, não porque fosse obrigado. O cronista Stanislaw Ponte Preta, ironizando a expressão "revolução redentora", chavão nos discursos de apoio ao poder, passou a chamá-la apenas de "a Redentora". A Censura proibia publicações, proibia opiniões, proibia até mesmo notícias de fatos (como, por exemplo, a epidemia de meningite em São Paulo), mas este colunista não soube de caso algum em que um veículo fosse obrigado por ela a publicar alguma coisa.
O pior é que absurdos desse tipo não são novidade nos meios de comunicação. Na época de Elizabeth 1ª, a Rainha Virgem, o que havia de forte em comunicação era o teatro. O grande Shakespeare traçou então um retrato tenebroso de Ricardo 3º, o rei deposto pela família da rainha; e esse retrato, sabe-se agora, quando foi encontrado o esqueleto de Ricardo 3º, era tendencioso até na descrição física.
O episódio clássico da era da imprensa é do jornal parisiense Le Moniteur, noticiando a fuga de Napoleão Bonaparte da ilha de Elba, onde estava preso, e sua volta para a França (onde retomou o poder e governou por cem dias, até ser derrotado por uma aliança de Exércitos europeus, liderada pela Inglaterra, e exilado novamente, desta vez para a ilha de Santa Helena, de onde jamais conseguiu fugir). A primeira manchete do Le Moniteur noticia a fuga, as manchetes seguintes os passos do retorno de Napoleão:
1 - O monstro fugiu do local do exílio
2 - O ogro desembarca em Cabo Juan
3 - O tigre está em Gap
4 - O monstro avança até Grenoble
5 - O usurpador está a 60 horas da Capital
6 - Bonaparte adianta-se em marcha acelerada mas é impossível que alcance Paris
7 - Napoleão chega amanhã às portas de Paris
8 - O Imperador Napoleão Bonaparte está em Fontainebleau
9 - Sua Majestade o Imperador entra solenemente em Paris
A primeira manchete do Le Moniteur é de 9 de março de 1815. Faz quase 200 anos - e a postura oportunista não mudou.
Ô, gente chata!
A turma da censura (desculpe, o nome que preferem agora é "controle social dos meios de comunicação") não sossega. O que querem neste momento é um órgão controlador da Comunicação - alô, dona Rose, mais alguém para nomear? - por causa das marchinhas de Carnaval vencedoras do concurso do Fantástico. Tanto Vovô Ampulheteiro quanto Aio no Oio, segundo os censurantes, "são um incentivo à degradação moral que se promove contra a sociedade", por suas letras "de duplo sentido".
Na nota anterior, fala-se sobre 1964. Na época, havia grupos que pensavam exatamente desse jeito, como as Senhoras de Santana. Esses grupos foram magistralmente registrados pelo cronista Stanislaw Ponte Preta, opositor-mor da ditadura, talentoso e engraçado, no Febeapá - Festival de Besteiras que Assola o País.
A tristeza no Carnaval
Ele não era um, era muitos. Conhecia e frequentava todos os festivais de leitão promovidos em cidades próximas a São Paulo. Conhecia e frequentava todas as bibliotecas, inclusive as que reuniam coleções particulares, não abertas ao público (pois ele, todos sabiam, reunia vastíssimos e profundos conhecimentos de literatura). Adorava animais - chegou a ter 50 gatos em casa, mais alguns cães - e foi quem ofereceu a este colunista a magnífica vira-latas Pantera, cachorra notável, que morreu de velhice há mais de dez anos e ainda deixa saudades. Adorava jornalismo: foi um dos expoentes do Jornal da Tarde, Veja, IstoÉ, O Estado de S. Paulo. Fundiu com brilho jornalismo e literatura, e por seu trabalho como crítico literário ganhou dois Prêmios Jabuti.
Este era Geraldo Galvão Ferraz, o grande Kiko, que morreu no início deste Carnaval, aos 71 anos. E havia ainda mais: Kiko era filho de Geraldo Ferraz, um esplêndido jornalista, de grande atuação política, e de Patrícia Galvão, a lendária Pagu, musa e participante dos movimentos literários modernistas, feminista muito antes que este termo existisse, militante comunista quando isso era crime - aliás, Pagu foi perseguida por tudo o que era e que fez, não apenas por sua posição política. Onde já se viu, naquela época, mulher de tanta iniciativa e opinião?
Kiko buscou documentar ao máximo a memória dos pais. Descobriu escritos inéditos de Pagu, coordenou o portal www.pagu.com.br, coordenou o Centro de Estudos Pagu da Unisanta, Universidade Santa Cecília, de Santos. Santos, aliás, era sua segunda cidade: ali se desenvolveu boa parte da carreira jornalística de seu pai.
É difícil escrever sobre a morte de um grande amigo, um jornalista de vastíssima cultura que, entre leituras e pesquisas, conhecia todo o grande circuito de doceiras de São Paulo, e a ele nos conduzia nos momentos de lazer. Era com ele que se podia discutir literatura sem cair naquelas análises chatas, era com ele que se podia conversar sobre cinema sem entrar nos debates de discutível erudição. Era com ele que se podia conversar civilizadamente sobre o mundo, sem maniqueísmos, sem reducionismos.
Adeus, Kiko. Um a menos - no caso, muitos a menos.
E agora,que fazer?
O Governo apurou aquilo que todos sabiam: que o ex-deputado Rubens Paiva, preso pela ditadura, foi morto por agentes a serviço do Governo da época. Confirmou também aquilo que qualquer pessoa de bom senso deduzia há muitos anos: a versão oficial do desaparecimento de Paiva era simplesmente ridícula, inverossímil (segundo ela, Rubens Paiva, 1m90 de altura, mais de cem quilos, estava no banco traseiro de um Fusca, entre dois policiais armados. Nos bancos dianteiros sentavam-se dois outros policiais armados, um deles dirigindo o carro. Em determinado momento, o Fusca teria sido interceptado por outro veículo, cujos integrantes atiraram nos policiais. Paiva, algemado, com todo o seu tamanho, empurrou os policiais, desceu do banco traseiro do Fusca - que, lembre, tinha só duas portas - correu no meio do tiroteio, entrou no outro carro e sumiu).
Os meios de comunicação fizeram as perguntas corretas: agora que aquilo que sabíamos está confirmado, cadê o corpo? Quem o matou? Houve ordem superior para o assassínio? De quem partiu essa ordem? O filho de Rubens Paiva, Marcelo Rubens Paiva, tem toda a razão quando diz que o esclarecimento do caso apenas começou. Os assassinos podem até estar cobertos pela Lei da Anistia, podem não responder sequer pelo crime de ocultação de cadáver, mas é importante saber exatamente o que aconteceu e por ordem de quem.
A política do porrete
Celso Gelsi, do PSDB, vereador de São José do Rio Preto, SP, disse em entrevista gravada que quer dar uma porretada no "meio da cabeça" do repórter Rodrigo Lima, do Diário da Região. Textual: "Quero dar no meio da cabeça dele".
Perfeito, o vereador que dê onde quiser, depende de sua preferência. O motivo de sua vontade de dar no meio da cabeça do repórter é uma reportagem, Estado cobra R$ 75,8 mil de autoridades, em que o vereador é citado, com base em informações do Tribunal de Justiça, por estar sofrendo processo judicial por não ter pago R$ 4.600 em ISS, Imposto sobre Serviços.
O repórter registrou Boletim de Ocorrência no 1º Distrito Policial de São José do Rio Preto. O PSDB não se manifestou sobre a ameaça de seu vereador contra o repórter, alegando "não ter conhecimento" do assunto. O PSDB continua fiel às suas tradições e se mantém atento aos novos tempos: de acordo com suas tradições, não desce do muro. E, atento aos novos tempos, não sabe de nada.
(Quase) boa notícia
A boa notícia é que J. B. Natali, excelente jornalista, caráter comprovado, entra no Jornal da Gazeta, da TV Gazeta, SP, como comentarista internacional. Ele conhece: é estudioso, foi por muitos anos correspondente da Folha de S.Paulo no Exterior, fala várias línguas e, mais importante, lê em várias línguas comentários e notícias, estando sempre atualizado. A boa notícia só não é completa porque a TV Gazeta tem alcance geograficamente limitado. Mas quem tiver acesso à TV Gazeta deve aproveitar a oportunidade de ver e ouvir o Natali. Só tem a ganhar.
Zé Paulo Bandeirantes de Andrade
Parece incrível, mas acontece: num mundo instável como o jornalístico, José Paulo de Andrade acaba de completar 50 anos de Rede Bandeirantes. Defini-lo é fácil: Zé Paulo é tudo. Foi locutor esportivo, repórter, apresentador da Rádio Bandeirantes (onde apresenta o mais tradicional programa de rádio do país, O Pulo do Gato, às seis da manhã, e o Jornal da Bandeirantes Gente, das oito às dez, a maior audiência brasileira de um programa de informações), apresentador de TV, chefe de reportagem - e ainda por cima cismou, numa certa época, de exercer sua outra profissão, a de advogado).
Fui um dos que tiveram o prazer de conviver com o Zé Paulo. Quando dirigi o Telejornalismo da Rede Bandeirantes, José Paulo de Andrade foi o sucessor, na apresentação do noticiário internacional, de uma das grandes lendas da TV brasileira: Roberto Corte Real, pioneiro do telejornalismo no país. Zé Paulo aliou a absoluta competência como apresentador a uma empatia inacreditável com o público. Os telespectadores se sentiam (e isso foi comprovado em pesquisas) como se o Zé Paulo fosse um amigo da família, um vizinho de casa, um parente próximo e querido, alguém que os conhecia pessoalmente, como eles o conheciam.
João Goulart era o presidente da República e John Kennedy o dos Estados Unidos quando José Paulo de Andrade começou na Bandeirantes. Fez carreira na área esportiva; mas um dia, dando um balanço no que havia feito, descobriu que era recordista de transmissões de futebol na rua Javari - local do estádio do Juventus, SP, onde a maioria absoluta dos jogos envolvia times pequenos. Decidiu então mudar de área: foi para o Jornalismo, onde subiu como um foguete. Talento, muito talento; e trabalho, tanto trabalho que um dia, depois de um infarto, foi intimado por seus médicos a reduzir um pouco o ritmo.
Quando este colunista trabalhou com ele, Zé Paulo chegava à Rede Bandeirantes às cinco da manhã, para o Pulo do Gato, preparava-se para, pouco depois, entrar no Jornal da Bandeirantes - Gente, em companhia de Salomão Esper e Joelmir Beting, saía às dez e ia para seu escritório de advocacia, voltava no início da tarde e chefiava a reportagem do radio-jornalismo, estudava o noticiário internacional e, às oito da noite, estava prontinho para comandar a parte internacional do Jornal da Bandeirantes. Ia para casa por volta das nove e, às cinco, estava de novo no batente. E, o mais surpreendente, o trabalho sempre saía bom.
É ranzinza, às vezes, especialmente quando as autoridades demoram a cuidar de algum problema da cidade. E isso o ajuda muito nas entrevistas: educadíssimo, não evita o embate com o entrevistado, sempre que necessário.
E, cá entre nós: ocupando um posto-chave numa emissora de grande audiência (tanto que José Luiz Datena a chama de "canhão do rádio"), que elogio maior do que dizer que a maior restrição que lhe fazem é às vezes ser ranzinza?
Checar para que?
Enrico Cabrito é argentino ou uruguaio? Não faz mal: ele não existe, mesmo. É um personagem inventado por um grupo de amigos, que pensava num nome para a lateral-esquerda do Grêmio de Porto Alegre. Começou como argentino, até que jornalistas acreditaram que ele existia, e divulgaram sua contratação, só que como uruguaio (tanto faz: cidadãos de ambos os países falam a mesma língua. E, se o cidadão não existe, tanto faz de qualquer jeito). Saiu na TV, claro.
Com uma agravante: há uns dois anos, inventaram um Bruno Camargo, reserva do Chelsea (parece que o técnico de lá não gostava dele e não lhe dava oportunidade), que também iria para o Grêmio. E acabou indo só para os meios de comunicação. Parece que a história do técnico que o perseguia era correta: o time, com ele, parecia que jogava só com dez.
É claro que o Grêmio tem diretores que poderiam falar sobre o assunto. Nem sempre diretor fala a verdade: às vezes nega a iminência de uma contratação para não atrapalhar as negociações. Mas, no caso, perguntaria de quem se tratava o tal Cabrito e em que time jogava. Só que, para obter essa frase, seria preciso telefonar para alguém. E se algum portal de Internet se antecipasse e desse a notícia alguns segundos mais depressa? Pois é: sem verificação, houve ganho de alguns segundos. E a repercussão rendeu risadas por vários dias.
Aritmética, a inimiga
Mil, milhão, bilhão, trilhão, para nossos meios de comunicação é tudo a mesma coisa. Uma matéria recente, a respeito da localização de um grande volume de dinheiro no carro de uma senhora, coloca todas as quantias em reais. Mas não foi no Brasil: o caso ocorreu em Illinois, nos Estados Unidos. Dólar, real, euro, rublo, tudo a mesma coisa.
Mas quando a conta é simples, das que se podem fazer nos dedos da mão?
Não faz mal: sai errado do mesmo jeito. O Palmeiras, SP, está reformulando o elenco. Diz a notícia qu5e o clube pode contar com cinco reforços que já foram registrados na Federação Paulista de Futebol. São "os volantes Charles e Marcelo Oliveira (ex-Cruzeiro), o lateral-direito Weldinho (ex-Corinthians) e o meia-atacante Ronny (ex-Figueirense)". Este colunista fez e refez as contas, telefonou para seus amigos especializados em cálculos, e sempre chegou a quatro nomes. Cadê o quinto?
Lógica, também inimiga
E, quando envolve cálculos, a lógica também vira inimiga dos meios de comunicação. A notícia versa sobre a Itália, onde a produção industrial subiu 0,4% em dezembro, em comparação com novembro. "Analistas (...) previam uma alta mensal de 0,2% e uma queda anual de 8,4%".
Curiosíssimo: a produção industrial sobe 0,2% a cada mês e o resultado anual é uma queda de 8,4%. Ou o texto está errado ou a conta está errada ou a lógica foi para o arquivo morto e ninguém contou isso a quem tentou se informar.
Humor
Há histórias que alguns acham engraçadíssimas e em que outros não veem graça nenhuma. A história abaixo, por exemplo, foi noticiada como piada que o deputado federal Tiririca contou ao deputado federal Romário, durante a votação que elegeu Henrique Alves para a Presidência da Câmara: