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Coluna - Observatório da Imprensa

O Discurso da Raiva. Carlos Brickmann, para o Observatório da Imprensa.

(*) Especial - Observatório da Imprensa - (www.observatoriodaimprensa.com.br), Circo da Notícia, 7 de julho de 2015

07.07.2015  |  331 visualizações
As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade, ensinava Victor Hugo. Ulysses Guimarães, comentando um dos maiores oradores do Brasil, Carlos Lacerda, seu colega de Congresso (sim, houve época em que havia na Câmara gente como Ulysses, Lacerda, Tancredo, Vieira de Mello, Almino Affonso e Affonso Arinos entre outros grandes parlamentares), dizia que o efeito de uma frase certeira era idêntico ao de um nocaute físico: a vítima empalidecia, tremia, muitas vezes tinha de sentar-se. As palavras são leves, fáceis de pronunciar, de escrever, de manipular; mas suas consequências são imprevisíveis e frequentemente devastadoras.

O discurso da raiva, alegremente encampado por alguns jornalistas, muitos dos quais se orgulham de "ter lado", ou de "lutar pelas causas justas", ou de "contribuir para a moralização dos costumes públicos", já resvala em terreno perigoso. Dois idiotas radicais conseguiram aproximar-se da comitiva da presidente Dilma Rousseff em Stanford, na Califórnia, com o objetivo de insultá-la e divulgar sua façanha em vídeo. Uma de suas frases: a presidente merecia morrer. Foi o mesmo que se escreveu na rua onde mora Jô Soares, depois que entrevistou Dilma. Algo semelhante berrava a turba reunida pelo assessor parlamentar de uma deputada federal para insultar publicamente o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal.

Vaiar um político, bater panelas para protestar, tocar buzinas, isso faz parte do jogo. Ameaçá-lo por ter ideias diferentes não faz parte do comportamento de pessoas decentes. Pode-se dizer, como este colunista o fez, que a entrevista de Jô Soares com Dilma foi ruim; daí a menosprezar seu talento, sua história de bom trabalho, de querer que ele morra, é inaceitável (e, a propósito, além de inaceitável é de uma imbecil prepotência: todos morrerão um dia, inclusive os vociferantes. Imaginar que se pode antecipar o evento pela simples manifestação de vontade é cretinice).

E como a imprensa se comporta ao noticiar esses rastros de ódio?

Vamos a exemplos:

1 - Manifestantes hostilizam Dilma nos EUA com cartazes e mandiocas, diz um título. No texto, informa-se que havia quatro manifestantes. Quatro.

2 - Estudantes gravam vídeos insultando Dilma nos EUA, diz o título. O texto é claro: havia dois estudantes. Dois.

3 - Só contra o PT? Não: há tempos, Paulo Maluf comandou comício num grande cinema, com público quase totalmente favorável. Foi aplaudidíssimo. Um senhor o vaiou. Título: "Maluf vaiado no comício". Diante da queixa, o jornal reiterou a informação: "A vaia ocorreu, foi real". É verdade - o que comprova que, com uma verdade, é possível falsear a cobertura.

4 - Apesar da crise política, Lula reúne amigos para jogatina, diz o título. E de que se tratava essa tal jogatina? Como ocorre de vez em quando, Lula reuniu em sua casa velhos amigos, como o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, para uma rodada de buraco, a leite de pato, ou com apostas irrisórias, mais um pretexto para bater papo, tomar cerveja e divertir-se com alguns tira-gostos. A conotação da palavra "jogatina" é negativa. Mas o fato que foi descrito é comum, faz parte da vida de boa parte da população, nada tem de negativo. E que é que queriam? Que, com a crise política, Lula tivesse crises permanente de choro? Fizesse greve de fome?

Que os partidários apaixonados de um lado ou de outro falem bobagem, tudo bem - desde que se mantenham nos limites da lei. Mas os meios de comunicação não podem cair nessa armadilha. Primeiro, porque com isso fogem à sua missão de retratar os fatos o mais fielmente possível. Segundo, porque mais cedo ou mais tarde, mesmo que catástrofes para as quais contribuiu a má cobertura aconteçam no caminho, os fatos reais acabam aparecendo. Pode demorar, mas tanto a imprensa partidarizada quanto os profissionais que se partidarizaram acabam perdendo público e importância.

Loucura geral

Até que a razão volte a prevalecer, na política e na imprensa, é bom tomar cuidado. Há cretinos fundamentais que dizem que os parlamentares que votam contra a redução da maioridade penal são cúmplices dos bandidos e por isso merecem morrer. Pode-se discordar deles, mas querer que morram? Outros, diante de uma declaração da atriz Marieta Severo, que elogiou a inclusão social no Brasil, concluem que ela recebe do PT para defendê-lo. Besteira sesquipedal: este colunista não tem a menor ideia do pensamento político de Marieta Severo, mas sabe que é uma pessoa séria e uma profissional de alto nível. É perfeitamente possível discordar de suas opiniões, claro; mas apresentando outras opiniões opostas e os argumentos que as sustentem. Como é possível discordar da presidente Dilma Rousseff (e a maioria do eleitorado, hoje, parece fazê-lo) sem cair na grosseria de adesivos pornográficos e desrespeitosos não apenas a ela, mas às mulheres em geral.

Aliás, essa história dos repugnantes adesivos é incrivelmente burra: no momento em que a presidente atinge seus índices mais baixos de popularidade, é preciso ser ignorante total em política para atacá-la nesses termos, que só podem provocar solidariedade. Não se chuta quem está por baixo. E uma rápida pesquisa no portal Mercado Livre mostra que a grosseria tem alcance próprio limitadíssimo: quatro adesivos vendidos até o final desta última semana. Ou seja, aquilo que não teria qualquer importância se tornou conhecido pela ampla divulgação que a imprensa lhe deu. Os veículos de comunicação devem lembrar-se de sua responsabilidade.

Como diz o sempre bem-humorado Ricardo Kotscho, "menas, menas".

Somos todos Maju

A moça conquistou rapidamente o público: Maria Júlia Coutinho, a Moça do Tempo do Jornal Nacional, mostrou competência, simpatia, capacidade de diálogo mesmo numa área normalmente árida como previsões meteorológicas. É uma vitoriosa.

E, de repente, algum boçal começa a insultá-la nas redes sociais por causa da cor da pele. Estranhíssimo: Heraldo Pereira conquistou o público, Joaquim Barbosa virou herói nacional. Por que, de repente, este repique de racismo explícito? Sim, racismo não é coisa racional, não tem explicação lógica, vai e volta, mas justo agora, que tanta coisa está acontecendo no país que não dá tempo nem de observar direito todo mundo que aparece na TV?

Enfim, haja o que houver, somos todos Maju. Não por sua capacidade, por sua simpatia, pelo domínio da TV - isso é admirável, sem dúvida, mas não é disso que se trata. Somos todos Maju porque ela é gente. Uma rápida leitura num dos monumentos literários da Humanidade, a Bíblia, mostra que uma das virtudes do monoteísmo é mostrar que todos somos filhos do mesmo Deus e, portanto, irmãos, seja qual for nossa cor, seja qual for nossa religião, seja qual for nossa origem étnica. Para quem não acredita em Deus, o racismo é anti-humano, inaceitável, abominável,. E, também, ilegal. O racista é, por definição, ignorante; mas que isso não o poupe das punições previstas em lei. Seja qual for o motivo dos ataques a Maju, seja quem for que os tenha capitaneado, que seja punido da maneira mais dura que a lei permitir.

Aritmética da pesquisa

A pesquisa Ibope/CNI, esta que coloca Dilma abaixo da inflação projetada para este ano, tem uma curiosidade: a soma de percentuais dos entrevistados nunca é igual a 100%. Deve haver algum motivo, claro. Mas vejamos:

Governo Dilma: ótimo/bom, 9%; regular, 21%; ruim/péssimo, 68%; não sabe, 1%. Soma, 99%.

Maneira de governar: aprovam, 19%; desaprovam, 83%; não quiseram ou não souberam responder, 2%. Soma, 104%.

Confiança: têm confiança em Dilma, 20%; não têm confiança, 78%; não souberam ou não opinaram, 3%. Total, 101%.

Sem santo

O ataque do juiz Sérgio Moro à empreiteira Andrade Gutiérrez, por ter se atrevido a defender-se pela imprensa, não provocou grandes reações dos meios de comunicação. Entende-se: há muita gente fazendo fama como jornalista investigativo às custas de notícias que lhes são fornecidas discretamente por autoridades que deveriam mantê-las em sigilo. É bom manter o bom relacionamento, né? E o risco de levar furos da concorrência?

As críticas do juiz Moro são, por vezes, estranhas: acusa a empreiteira de usar "seus amplos e bilionários recursos" - sem os quais, diga-se, não teria como publicar seus anúncios - para confundir a opinião pública e sem intenção de reconhecer sua responsabilidade pelos fatos.

Seria então o papel da Defesa num processo judicial não apenas aceitar como verdadeiras todas as afirmações da acusação como também reconhecer que o investigado tem culpa, sim senhor, e contar mais algumas coisas que os promotores e a Polícia eventualmente não tenham descoberto? O juiz considerou que, com a publicação do anúncio da Andrade Gutiérrez, o Juízo foi atacado, bem como as instituições responsáveis pela investigação e persecução. Serão os promotores intocáveis? Nem criticados podem ser? Serão todos pessoas à prova de erros?

Este colunista não tem conhecimentos jurídicos suficientes para ser a favor ou contra a atuação de Moro. Tem amigos que entendem muito mais do assunto e que consideram exemplar o trabalho do juiz. Tem amigos que também conhecem o ramo e que apontam falhas no trabalho de Moro. E espera o veredicto da Justiça sobre pessoas e empresas envolvidas para saber se são culpados ou inocentes, na forma da lei.

Mas tem visto nos meios de comunicação várias informações exclusivas, sob a rubrica "o repórter X teve acesso (...)". Como terão sido obtidas? Há tempos, um famoso procurador, que apagou os holofotes quando se descobriu que apresentava acusações redigidas em escritórios de advocacia que trabalhavam para adversários dos acusados, elaborou um receituário para deixar os réus em má situação, dificultando assim que fossem libertados pela Justiça. Há investigações sobre eventuais vazamentos?

A propósito, na busca do confronto de argumentos, este colunista publica em www.brickmann.com.br um artigo do advogado José Roberto Batochio, Curto-circuito no Direito, contra a delação premiada, ao menos nos moldes em que vem sendo aplicada; e uma entrevista com o promotor Carlos Fernando Lima, Não existe Jesus Cristo nem Judas no petrolão, a favor do que vem sendo realizado. Tanto o artigo quanto a entrevista foram publicados originalmente na Folha de S. Paulo. Ambos merecem leitura.

Experiência notável

Vale a pena abrir este link: http://www.b9.com.br/42574/design/jornal-frances-publica-edicao-sem-imagens-para-mostrar-o-poder-da-fotografia/

O jornal francês Libération publicou uma edição sem imagens, para mostrar o poder da fotografia. É bem interessante. Embora, como desafiou Millôr Fernandes a respeito da famosa frase "uma imagem vale mais do que mil palavras", vai dizer isso com uma imagem.

Como...

De um grande jornal impresso, de circulação nacional:

"Nessa etapa da Lava Jato, a Polícia Federal deflagrou um esquema de desvio de recursos públicos operado principalmente pelos irmãos Vargas(...)"


O "deflagrou" deve ser "flagrou".

...é...

Também de um grande jornal impresso, de circulação nacional, a respeito de um evento no estádio do Palmeiras, em São Paulo:

"O valor da cessão do Allianz Parque (...) não foi revelado. A justificativa é que há uma cláusula de confiabilidade no acordo (...)"


A "confiabilidade" talvez seja "confidencialidade".

...mesmo?

De um grande jornal impresso, de circulação nacional, tratando de um grande clássico, em sua principal edição semanal, a de domingo, escalava o ataque do São Paulo com Alexandre Pato e Careca.

Estranho: Careca (Antônio de Oliveira Filho) realmente jogou no São Paulo, com destaque, formando excelente dupla com Renato Pé-Murcho, e chegou à Seleção brasileira, sendo vice-artilheiro da Copa de 1986. No Napoli, formou dupla histórica com Diego Maradona, levando o clube à conquista do Campeonato Italiano. O problema é que Careca encerrou a carreira em 1999, 16 anos antes do jogo para o qual foi escalado pelo jornal.

Estariam falando de Gareca? Este jogou futebol, mas encerrou a carreira antes de Careca e nunca jogou em time brasileiro. Esteve no Brasil, porém como técnico do adversário do São Paulo naquele clássico (e deixou o clube há alguns meses).

Quem? Simples: o Careca não era Careca. Era Luís Fabiano, centro-avante titular do São Paulo. Com Pato e Luís Fabiano formando a dupla de ataque, o São Paulo perdeu do Palmeiras por 4x0.

Frases

- Do jornalista Palmério Dória:
Chegamos de novo naquele ponto em que pode acontecer tudo. Até nada

- Da tuiteira Adriana Vasconcelos, comentando o habeas-corpus preventivo pedido por José Dirceu:
Quem tem culpa, tem medo

- Do jornalista Gabriel Meissner, comentando o apoio de apenas 9% da população a Dilma:
91% da população brasileira é elite branca, então?

- Do jornalista Sandro Vaia:
Embolia pulmonar num dia e 10 horas de aviao no outro dia? Conta outra, Levy

- Do jornalista Cláudio Tognolli:
Temer e Cardozo ensaiam saída: as naus abandonam o rato

- De Joseph Arpaio, xerife de Maricopa, Arizona, EUA:
O paraíso esquerdista é um lugar onde todos têm emprego garantido, saúde gratuita, comida gratuita, casa gratuita, roupas gratuitas, um lugar em que apenas a Polícia use armas. Esse lugar existe: chama-se prisão

- Do jornalista Cláudio Humberto:
As crises política, econômica e ética no governo estão longe do final. Já o governo Dilma parece cada vez mais perto

- Do jornalista Lauro Jardim:
De um banqueiro que perdeu as esperanças no Brasil no curto prazo, mas não perdeu o bom humor: " O presidente ideal para a Petrobras seria o Pedro Barusco. Como está de tornozeleira eletrônica e fez delação premiada, ninguém iria querer propor negócio escuso para ele. E, como fez delação premiada, não pode mentir"

- Do jornalista James Akel, a respeito da opinião de Dilma sobre as semelhanças entre os atuais delatores e Joaquim Silvério dos Reis:
Naquele tempo o delator foi apenas um. E o Brasil era governado pela rainha Maria, a Louca

E eu com isso?

Dilma? Fernando Henrique? Lula? Aécio? Serra? Moro?

Converse com seus vizinhos: é mais provável que conheçam todas as irmãs Kardashian, que tanto se esforçam para ser bonitas como o pai, do que os figurões da política, da corrupção e do combate à corrupção. Os bem-pensantes não sabiam quem era Cristiano Araújo, mas o que havia de gente que sabia! Sabia, gostava e ainda encontrou tempo para ir ao velório e ao enterro. Vamos então às notícias que realmente interessam.

1 - Com transparência, Kim Kardashian mostra seio em Glastonbury

2 - Após biquíni-petisco, Paula Fernandes exibe barriga-palito

3 - Orlando Bloom sai com brasileira e Miranda Kerr é vista com bilionário.

4 - Zezé di Camargo leva bronca da sogra

5 - Murilo Benício confessa: a vida no campo é legal

6 - Cindy Crawford dá ajeitadinha na calcinha antes de jantar

7 - Daniela Albuquerque viaja para férias em família

8 - Sheislane Hayalla faz topless nas areias cariocas

9 - Nanda Costa esbanja estilo para deixar o Rio de Janeiro

10 - Ben Affleck e Jennifer Ganner são vistos nas Bahamas com os filhos

11 - Reynaldo Gianecchini almoça comida orgânica com amiga no Rio

12 - Amber Heard diz que se apaixona todo dia por Johnny Depp

13 - Elenco de Babilônia se diverte em festa junina

14 - Adam Sandler participa de Turma da Mônica ao divulgar filme

15 - Kaley Cuoco muda o visual

O grande título

A variedade é boa: temos título difícil de entender, temos manchete que explica como é um casamento. E a imbatível manchete policial-gastronômica com discriminação de gênero.

Comecemos pelo título difícil:

Com revelação machucada, Jade herda vaga no Pan


Não, não é impossível de decifrar. Só não chega a ser muito claro.

Temos, como notícia importante, a descrição de um casamento - o de Neném, da dupla com Pepê:

Neném casará de terno, e troca de aliança terá hit de Ivete


E, agora, o grande título:

Janot devora sushi perto de irmão de investigado na Lava Jato


Comecemos pela pergunta óbvia: e daí? A propósito, o "irmão de investigado" que almoçou no mesmo restaurante de Janot é Zequinha Sarney, filho de José Sarney. O "investigado", na verdade, é investigada: sua irmã Roseana.

E Janot, homem educado, certamente não devorou o sushi. Deve apenas tê-lo comido.

carlos@brickmann.com.br

Twitter: @CarlosBrickmann

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