Dizia Pitigrilli, o genial escritor italiano, que todas as pessoas, por mais brilhantes que sejam, têm cinco minutos diários em que sua inteligência se apaga. A diferença entre os gênios e os homens comuns é que o gênio, nesses cinco minutos, nada fala, nada escreve, e deixa o tempo passar.
Jô Soares é brilhante nos mais diversos aspectos: é um excelente homem de TV, grande humorista, fala diversas línguas com fluência, tem cultura muito acima da média, é vivido, é bom de bongô e de instrumentos de sopro, tradutor de rara capacidade e ótimo entrevistador. Este colunista é fã de carteirinha de José Eugênio Soares; mas acha que, mesmo sem ser fã, reconheceria em Jô, por inegáveis, seus múltiplos talentos.
Jô fez muito bem de tentar entrevistar a presidente Dilma, sempre esquiva, ruim de respostas, avessa a jornalistas. Mas não deu sorte: a entrevista ocorreu exatamente nos cinco minutos de que falava Pitigrilli.
O primeiro erro foi grosseiro: a produção colocou Jô uma cabeça abaixo de Dilma. Em TV, as diferenças de altura são minimizadas por praticáveis, degraus que permitem que Oscar Schmidt e Maradona conversem olho no olho. Não havia praticáveis no Palácio, onde se fez a entrevista? Mas havia ali, e compuseram o cenário, milhares de livros nunca manuseados que poderiam pela primeira vez encontrar alguma utilidade (como calço de cadeiras baixas). Jô olhava para cima para conversar com Dilma, em posição de inferioridade.
E estava irreconhecível. Iniciou praticamente todas as perguntas com uma sugestão de resposta (como, por exemplo, "existe gente que ainda pensa que o pré-sal não está sendo explorado, não foi informada sobre isso, e acha que o preço em baixa do petróleo vai tornar inúteis os investimentos no setor (...) Qual sua posição sobre este assunto?" (citação não textual, de memória). Talvez tenha sido impressão errada deste colunista, mas até a voz de Jô carecia daquele seu tom habitual, imperioso. E, claramente, Jô não mostrou as certezas com que, bem-informado, discute as opiniões de seus entrevistados habituais.
Foi pena. Mas não há motivo para tentar atingir a imagem de Jô Soares e atribuir-lhe sinistras intenções, sejam quais forem. Temos de lembrar-nos de que até Pelé perdeu pênalti. Jô acerta muito, mas não acerta sempre.
Patrulha mais chata
E também não há, a propósito, motivo algum para tentar destruir a reputação de quem não gostou da entrevista. O que a patrulha governista organizada mobilizou contra o jornalista Josias de Souza foram argumentos baixos, ofensivos, que desqualificam seus criadores. Mesmo que a entrevista tivesse sido ótima (o que não foi), Josias teria o direito de não gostar - Josias e outros milhares, milhões, de telespectadores. Democracia é isso. Uma notável comunista alemã, Rosa Luxemburgo, disse certa vez que a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente de nós.
Quem agride a liberdade dos outros certamente de liberdade não gosta.
Panelas em paz
Não houve panelaço no Programa do Jô, exceto talvez em locais isolados. Mas, naquele horário, o panelaço foi substituído por um bocejaço.
Fim do arrocho
É uma decisão histórica, tomada pela unanimidade do Supremo Tribunal Federal: as biografias voltam a ser livres, sem necessidade de pedir favores à família dos biografados. Ninguém precisará de autorização de Roger Abdelmassih e família para falar das questões de sua clínica, nem pedirá a Suzane von Richthoffen que concorde com o que estiver escrito na biografia de seus pais. Nove a zero, decidiu o Supremo; e está decidido.
Mas há um tema curioso: por que houve necessidade de levar o caso das biografias até o Supremo? Qual a diferença entre uma biografia e uma reportagem? Se repórter não precisa de licença dos personagens de sua matéria para escrevê-la, por que um biógrafo estava sujeito a isso? Seria aceitável que a família de Roger Abdelmassih pudesse censurar o livro
Bem Vindo ao Inferno, de Cláudio Tognolli, por contar a história de uma vítima que se dedicou a caçar o homem que tanto prejudicou sua vida?
Os defensores da censura às biografias chegaram a apelar para o aspecto mercantil. O biógrafo escolhe uma pessoa conhecida, trabalha, escreve, vende o livro e ganha por isso, sem que o dinheiro seja repartido com os biografados e suas famílias. Certo. Um repórter busca um tema importante, trabalha, escreve, publica a reportagem, ganha salário para isso (e os meios de comunicação também faturam, de uma ou outra forma) e o dinheiro não é dividido com os personagens e suas famílias. Os repórteres que investigaram a morte de Tim Lopes não dividiram seus salários com os assassinos. O fotógrafo que documentou o momento em que uma propina foi paga, no inicio oficial do Mensalão, também não dividiu seu salário com o receptor da propina. Teria sido certo fazê-lo?
É verdade que uma biografia pode constranger uma família. Uma reportagem também. Nos dois casos, se o motivo do constrangimento for falso, cabe ação na Justiça, com punições que vão do pagamento de indenização à prisão do ofensor. A Justiça é lenta? Então que se mexa na Justiça, para acelerar-lhe os trâmites, não na liberdade de expressão.
Enfim, comemoremos. E que jornalistas como Fernando Morais e Ruy Castro trabalhem cada vez mais, ajudando a desvendar a história real do Brasil.
Ainda falta
A liberdade de expressão ganhou e foi uma vitória importante; mas ainda falta um bocado para atingirmos no Brasil o índice de liberdade dos países desenvolvidos. Há pouco, houve um caso em que a liberdade de expressão foi claramente atingida: a revista
Consultor Jurídico (
www.conjur.com.br) foi obrigada a remover notícia sobre a herança do advogado Márcio Thomaz Bastos.
A tese é de que, como pontos do processo estavam em segredo de Justiça, a publicação na reportagem era irregular. Mas até agora o entendimento da Justiça tem sido outro: a obrigação de resguardar o sigilo é das autoridades. Quando os jornalistas obtêm a informação, nada impede que a publiquem.
Isso deu margem a uma série de abusos, quando autoridades violaram deliberadamente (e seletivamente) pontos de processos sigilosos e os entregaram a jornalistas, para publicação. Mas, se é para evitar esses vazamentos seletivos, que prejudicam seriamente pessoas que nem julgadas foram, a saída não é censurar os jornalistas: é punir as autoridades que não apenas deixaram de cumprir seu dever de guardar o sigilo como tomaram a iniciativa de burlar a lei ao escolher o que deveria ser vazado. Alguém já ouviu falar de alguma investigação de sucesso a respeito de responsáveis por vazamentos de informações sigilosas?
Enfim, para acompanhar diretamente o tema, o link é
Juíza manda ConJur remover notícia sobre herança de Márcio Thomaz Bastos.
Como nos velhos tempos
No palco, Olavo Bilac, José do Patrocínio, Coelho Neto; todos cantando, dançando, enfrentando situações engraçadas; todos representando bem, cantando bem, dançando bem. Músicas excelentes, alegres, divertidas, compostas especialmente para o espetáculo por um grande sambista, Nei Lopes.
Bilac vê estrelas é a volta da revista musical, um gênero que é a cara do Rio de Janeiro (e do Brasil) e que andou injustamente esquecido por tempo demais. E que volta gloriosa!
A base do roteiro é impecável: um livro de Ruy Castro sobre um episódio real, um dirigível que vinha sendo projetado por José do Patrocínio e que espiões tentavam roubar. O texto é da premiada Heloísa Seixas e Júlia Romeu; a direção, de João Fonseca. Macksen Luiz, de
O Globo, crítico difícil de agradar, dá a
Bilac vê estrelas a cotação máxima: ótimo.
Local: Espaço Promon, Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, 1830, SP. Ingressos (inteira): R$ 60,00. Em cartaz até 26 de julho. Sextas, 21h; sábados, 18 e 21h; domingos, 18h.
O dia de hoje
Repare: jogador de futebol não se machuca, nem se contunde. Lesiona-se. Nada mais acontece por causa de algum motivo, e sim "por conta". Um atleta vinha mal na carreira, mas em determinado jogo se recuperou e foi decisivo. A notícia não é a recuperação, mas quanto custa cada gol do referido atleta desde o início do contrato. Imagine-se no estádio, discutindo com o torcedor adversário: se Fulano fizer três gols, a nossa média preço/gol será melhor que a de seu time!
E há novidades: ninguém mais tem nada. Todos adquirem - adquirem um resfriado, por exemplo, ou adquirem uma infecção hospitalar. E também não têm nada: apenas possuem. Acabam acontecendo coisas estranhas: um atleta de prestígio, segundo informou um grande jornal, "possui" dois filhos. Estará o jornal dizendo que, além de pedófilo, o astro é também incestuoso?
Um exemplo atualíssimo: um grande portal noticioso, ligado a um dos maiores grupos de informação do país, informa que José Maria Marin "possui idade avançada" e "possui problemas de saúde". É sem dúvida um homem de posses.
Como...
Enviado pelo leitor Kazuo Inoue, que encontrou o termo num livro de Informática:
"diante mão"
Pelo sentido da frase, deveria ser "de antemão".
Coisas de Internet. "Nada a ver" não virou "nada haver", que não tem sentido?
...é...
De um grande portal noticioso:
Título:
"Marina critica Dilma e defende ciclovias em evento sobre sustentabilidade".
Texto:
"Marina mencionou brevemente o governo Fernando Haddad (PT) na apresentação, falando da polêmica em torno das faixas exclusivas para ônibus, que geraram desgaste à imagem do prefeito petista. Foi uma polêmica muito grande, mas depois as pessoas vão entender que é boa (a política da faixa), disse.
E a crítica a Dilma? Só existiu no título. No texto, evaporou-se.
...mesmo?
A Internet nunca nos falha. E o pessoal anda caprichando na montagem de frases:
"A mulher teria o deixado e ele culpa a cunhada de ser a incentivadora para o abandono"
Numa contagem rápida, a Flor do Lácio foi violada três vezes em 17 palavras.
Frases
- Do jornalista Fred Navarro
Aviso aos apressadinhos: as panelas estão guardadas, mas não enferrujadas
-Do tuiteiro Hugo A-Go-Go:
Realmente não tenho paciência para o PSDB. Sobre a guerrinha Aécio x Alckmin, confio plenamente que o partido tomará a pior decisão possível
-Do jornalista Palmério Dória:
Dilma disse ao Le Soir que o ajuste ´"não é de direita, nem de esquerda, nem de centro". É de fundos
-Do blogueiro Felipe Moura Brasil:
Popularidade de Dilma (8%) está abaixo da inflação (8,47%).
- Do jornalista Sandro Vaia:
Se andar de bicicleta desse voto, Lance Armstrong seria presidente do mundo
- Do músico e ativista Lobão:
Lula receberá o título de Dr. Horroris Náusea.
- Do jornalista Marcelo Bairão:
Os computadores do governo federal só apresentam problemas na hora de prestar serviços aos cidadãos: FIES, Sisu, Enem, etc., etc. Já os da Receita Federal funcionam que é uma beleza. Por que será?
- Do deputado federal Eduardo Cunha, PMDB-Rio:
Quero agradecer as manifestações de hostilidade no congresso do PT. Isso é sinal de que estou no caminho certo
E eu com isso?
E, enfim, saímos da Ilha da Fantasia, Brasília e suas imediações, para o País das Maravilhas. Poderia ser o Mundo Mágico de Oz, mas onde ficaria Alice? E a Rainha Louca, a que manda cortar cabeças mesmo de gente inocenta, em que palácio se alojaria?
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O grande título
Biscoitos finos, nesta semana. Coisa de primeira. Uma manchete altamente instrutiva nos introduz no mundo das preocupações que atormentam mesmo os vinhos de safras mais nobres:
Vinhos também se preocupam com o meio ambiente
É um bom início: até recentemente, ao que se saiba, os vinhos se preocupavam apenas em apresentar tons amadeirados e notas de amêndoas frescas, com leve retrogosto de chocolate amargo de cacau do Zimbábue com frutas vermelhas.
E temos maneiras criativas de apresentar personalidades públicas:
Comentarista esportivo quer ser presidente da Fifa
Lembra uma história notável narrada por Stanislaw Ponte Preta, sobre uma excursão da Seleção Brasileira pela Europa. Descrevendo uma cena, Garrincha a localizou: "Foi naquela cidade em que o seu Zezé (
Zezé Moreira, técnico da Seleção) levou um tombo". Era Paris.
O comentarista esportivo que quer ser presidente da Fifa é Zico.
Talvez seja meio muito pedir que um repórter esportivo saiba quem foi um dos maiores jogadores da História brasileira.
A grande manchete é notável: exige até uma advertência ao leitor, de que a leia sentado.
PSDB tenta conter ímpeto de deputados radicais
Deve ser uma questão de interpretação. Talvez esses deputados sejam radicais em sua luta contra o radicalismo.
carlos@brickmann.com.br
Twitter: @CarlosBrickmann