Coluna - Observatório da Imprensa
Há certas coisas difíceis de entender.
Um jornalista (que trabalha numa grande empresa, das mais atacadas pelos fanáticos que se consideram de esquerda), proclama seu orgulho de ser intolerante e fundamentalista. Outro jornalista diz que, como petista, considera o senador Eduardo Suplicy, fundador do PT, "meio tucano". Outro jornalista sugere que se vá a uma comunidade pobre e se verifique o que é que seus moradores preferem: saúde, alimentação ou liberdade de expressão. E conclui que ninguém ali estaria tão preocupado assim com a liberdade de expressão. Portanto, Cuba é ótima.
Houve época em que multidões de italianos aceitaram a ditadura fascista porque o ditador Benito Mussolini fez os trens andarem no horário. Mas não era contra esse tipo de pensamento que a esquerda se colocava?
Toda essa exacerbação ocorreu há poucos dias, com a visita da blogueira cubana Yoani Sánchez ao Brasil. Houve, entre as cenas horrorosas de tentativa de intimidação da blogueira, de promoção de tumultos e gritarias para impedi-la de falar, algumas coisas até engraçadas. Por exemplo, um senhor de meia idade, com quarenta e muitos ou cinquenta e poucos, que se jogasse futebol estaria entre os masters, vestindo a camiseta da UJS - União da Juventude Socialista.
Qual a essência do problema? Yoani faz restrições ao regime cubano; e os que tentaram impedi-la de falar não podem aceitar que alguém critique um regime tão maravilhosamente perfeito nem seus líderes geniais. Surgiram então as acusações (as de costume: "agente da CIA", "enviada do imperialismo ianque"), as perguntas ("quem é que paga a viagem?", "que é que ela acha da base de Guantánamo?"), os comentários sexistas ("esta mulher é o cão chupando manga", "não existe cabeleireiro em Cuba?", "em Cuba não há comida, nem liberdade, nem tesoura").
E daí? Imaginemos que Yoani seja simultaneamente agente da CIA, da Stasi, da KGB e do SNI. Em que é que isso tira a possibilidade de seus adversários de desmontar sua argumentação, com argumentos racionais, educadamente? Imaginemos que sua viagem seja paga pela Associação Internacional dos Pedófilos Anônimos. Em que é que isso modifica suas críticas, em que é que isso prejudica a possibilidade de contestá-la?
Nos tempos em que havia esquerda, formada por pessoas que estudavam em vez de gritar slogans, Rosa Luxemburgo, a grande revolucionária alemã, dizia que liberdade é quase sempre a liberdade de quem pensa diferente de nós. E o fato real é que tentaram impedir que Yoani tivesse a liberdade de dizer o que pensa. Acusá-la de ser agente de quem quer que seja, de receber passagens de grupos organizados, de receber recursos não-contabilizados, perfeito; desde que isso seja feito civilizadamente, sem tentar impedi-la de falar.
E, como toda atitude imbecil tem seu efeito bumerangue, a visita de Yoani Sánchez, que deveria mobilizar pouca gente, apenas os muito interessados em conhecer detalhes do cotidiano cubano, acabou se tornando um grande evento, um evento-espetáculo. Quem não sabia quem era a moça agora sabe; e sabe mais ainda, de que são capazes seus adversários quando se sentem contrariados.
Questão de sexo
Alguns cavalheiros polêmicos visitaram o Brasil ultimamente, como o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o italiano Césare Battisti (que ficou), o pessoal da FIFA. Ninguém criticou o corte de seus cabelos, nem suas roupas, nem seu sex-appeal. Mas, quando se trata de mulher, como no caso de Yoani, os atributos físicos e de moda entram imediatamente em debate. É feia, é reta, tinha de cortar o cabelo, tratar dos dentes, usar roupas diferentes - e isso num país onde existe (acreditem! É verdade!) uma secretaria de Políticas para as Mulheres, com status de Ministério, comandada pela ministra Eleonora Menicucci. Que, aliás, mantém-se silenciosa sobre as agressões que uma mulher sofre quando tenta expor suas ideias.
Haverá alguém aqui adepto do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi? Ele deve ter queixas de vários dirigentes homens de outros países, mas só se soltou ao falar de uma mulher, a primeira-ministra da Alemanha Ocidental, Angela Merkel: "uma bunduda incomível" O curioso é que quem critica os atributos físicos das mulheres nem sempre resistiria a uma análise feminina. Ou alguém acredita que as festas de Berlusconi sejam animadas por meninas fascinadas pela beleza física, vitalidade e glamour de Sua Excelência? E de graça?
Batendo em mulher
A repórter Daniela Lima, da Folha de S.Paulo, foi insultada e agredida a socos e pontapés quando cobria a festa de dez anos de PT no poder. Motivo? Aparentemente, os cafajestes não apreciam o jornal em que a repórter trabalha.
E qual a reação oficial do partido?
Pífia e covarde: o deputado Edinho Silva, presidente estadual do PT, só se manifestou um dia depois, por nota escrita. Nela, afirma que o partido "não compactua com o tumulto" e "repudia a ação exaltada". A agressão e os xingamentos desaparecem: a nota oficial os ignora, chamando-os de "tumulto". E o partido dizer que repudia esse tipo de ação também é discutível: quem passa o tempo insultando jornalistas e pedindo censura à imprensa insufla os militantes à ação direta - especialmente se puderem agredir uma mulher, alvo preferido de quem é covarde.
Guerra aos cartéis
Grandes empresas estão tentando sufocar o portal www.anticartel.com, mantido pelo jornalista Ivens Carús. Se estão querendo sufocá-lo - 18 tentativas judiciais foram repelidas pelos tribunais, e outras duas se iniciaram na semana passada - é porque o portal as ameaça. Carús trata principalmente da formação de cartéis, disfarçada pela ação de testas de ferro, compra de outras empresas, criação de companhias de fachada; e também de manobras para escapar fraudulentamente de impostos. É suficiente para avaliar o incômodo que ele causa, não?
Um empresário que ousou desafiar um desses muitos cartéis teve o filho assassinado. Ivens Carús - que faz um trabalho aparentemente muito detalhado, com ampla documentação e digno de credibilidade - é uma ameaça ainda maior aos criminosos, já que não se limita a atrapalhar e denunciar as fraudes apenas num setor da economia, mas em vários.
Seria interessante que organizações de jornalistas (como a Abraji, da qual Carús é sócio, e a Repórteres sem Fronteiras) e de jornais, como a SIP e a Associação Nacional de Jornais, lhe dessem a devida atenção, deixando claro que não é uma pessoa isolada, cuja eliminação não terá maiores repercussões. Lamentar acontecimentos desagradáveis é bom, mas evitar que aconteçam é ainda melhor.
Rock em livro
Já nas livrarias, a autobiografia de Johnny Ramone, o lendário guitarrista dos Ramones: Commando. "Quando você estiver lendo este livro, não devo mais estar aqui. Mas tive uma vida maravilhosa, independentemente do seu desfecho".
Lendário é uma palavra muito usada; mas absolutamente precisa no caso de Johnny. Ele pôde dizer sem problemas a Johnny Rotten, dos Sex Pistols, que seu espetáculo tinha sido muito ruim. E pôde dizer aos novíssimos Red Hot Chilli Peppers que eram uns babacas, por correr pelados no palco.
O livro tem coisas deliciosas - as brigas entre os integrantes do grupo e o assédio de cada um à namorada dos outros são bons exemplos. E, não esqueçamos, a história por trás da autobiografia é a criação do punk rock.
Jornalismo eletrônico
Outro livro importante acaba de ser lançado: o Manual de Jornalismo para Rádio, TV e Novas Mídias, dos mestres Heródoto Barbeiro e Paulo Lima. É um texto básico para estudantes; e jornalistas que já trabalham na área sempre encontrarão algo novo para aprender.
Duas dicas
1 - Esta coluna já recomendou o livro Médico e Repórter, de Júlio Abramczyk, que reúne artigos publicados por ele nos últimos 50 anos. A recomendação se baseava na leitura dos primeiros capítulos. Agora este colunista leu o livro todo: é muito melhor do que achava a princípio. Parece que os textos foram escritos hoje, referindo-se aos problemas de hoje. E a qualidade é excepcional - marca Abramczyk.
2 - Uma coluna que se torna cada vez mais interessante é a de Pasquale Cipro Neto, na Folha de S. Paulo. Aprende-se com prazer. Quem diria, a discussão de textos pode ser agradabilíssima!
Como...
De um grande jornal impresso, de circulação nacional: