Coluna - Observatório da Imprensa
A notícia foi divulgada, mas sem grande ênfase. É provável que muitos maníacos por jornais ou programas noticiosos em rádio e TV não a tenham percebido. E, no entanto, o caso é grave: a Arcos Dourados, franqueadora principal da marca McDonalds no Brasil, foi acusada de irregularidades trabalhistas e multada pelo Ministério Público do Trabalho em R$ 50 milhões, por "danos morais coletivos" causados a seus funcionários. Depois de conversar com a vice-presidente de Assuntos Governamentais da Arcos Dourados, Marlene Fernandez del Granado, a multa foi reduzida de R$ 50 milhões para R$ 7,5 milhões, e houve desistência da ação judicial. De acordo com o procurador Leonardo Osório, autor da acusação, "foi um acordo excelente para a classe dos trabalhadores".
Agora, a dúvida: se a multa de R$ 7,5 milhões foi "um acordo excelente", por que cobrar R$ 50 milhões? Ou o acordo foi mesmo bom e a multa era exorbitante, ou a multa era correta e o acordo não foi tão bom assim.
E como houve a redução da multa a 15% do valor anteriormente estipulado?
A vice-presidente da Arcos Dourados disse que a empresa - que opera as lanchonetes McDonalds no Brasil e em vários outros países latino-americanos - estava operando "quase sem margem de lucro", "apenas sobrevivendo", a tal ponto que seus diretores estavam voando em classe econômica, não mais em executiva. Diante de tal sacrifício, a multa foi cortada pela metade. Mas a vice-presidente Marlene Fernandez del Granado continuou regateando: a empresa, que faturou quase US$ 4 bilhões em 2012, não teria condições de pagar os R$ 25 milhões.
Mas terá caído tanto assim a margem da empresa? Não: em 2012, o faturamento caiu 1% com relação ao ano anterior. Operar "quase sem margem de lucro" significou, em 2012, um lucro líquido de US$ 114 milhões. A expectativa para 2013 é de crescimento da receita líquida entre 15 e 18%.
Bom, a sra. del Granado propôs-se a pagar multa de R$ 3,5 milhões e, pouco depois, chegou a R$ 5 milhões, tudo em suaves prestações, num prazo de dez anos - além de concordar em corrigir as irregularidades apontadas pelo Ministério Público do Trabalho. Finalmente, chegaram a um acordo: R$ 7,5 milhões, à vista. As irregularidades principais (jornada móvel, que impede os funcionários de planejar seu tempo; e fornecimento de sanduíches à guisa de refeições) deverão terminar até o final de julho.
OK; mas alguém já tinha visto, nos meios de comunicação, algo a respeito da tal jornada móvel? Ou do fornecimento de sanduíches como se fossem refeições completas? Ou da ação do Ministério Público do Trabalho na correção das irregularidades? Não que nada tenha sido publicado, até foi; mas nenhuma notícia com o destaque que problemas numa empresa com 600 lojas e 42 mil empregados em todo o país deva merecer. Claro, bater num anunciante é complicado. Mas o compromisso principal da imprensa é - ou deveria ser - com Sua Excelência, o consumidor de informação. Anunciante tem de ser bem tratado, com água gelada, café fresquinho, biscoitinhos; eventualmente, conforme o horário, um bom uísque e alguns salgadinhos.
Mas, se pisar na linha, deve (ou deveria) ser tratado como qualquer outra empresa: reportagem nele.
ATENÇÃO: Atualização da coluna, com nota do Ministério Público do Trabalho, enviada ao OI dia 2 de abril, 16 hs:
Prezado editor,
A respeito do artigo "Anunciante também erra", do jornalista Carlos Brickman, publicado no Observatório da Imprensa em 2 de abril, edição 740, o Ministério Público do Trabalho gostaria de esclarecer que:
O valor de R$ 50 milhões contido na ação civil pública impetrada contra a Arcos Dourados na 11ª Vara do Trabalho de Recife (PE) era um pedido de condenação por danos morais coletivos, não uma imposição de multa à empresa. Portanto, o valor era objeto de discussão durante o decorrer do processo. Além disso, a condenação por danos morais coletivos era apenas um dos pedidos da ação civil pública.
A motivação principal do Ministério Público do Trabalho com a ação era obter a regularização da jornada móvel variável praticada pela empresa, que prejudicava os trabalhadores e infringia a legislação trabalhista. Obtido o acordo, firmado no último dia 21 de março, a Arcos Dourados assumiu o compromisso de regularizar a situação em todo o país até o fim deste ano, sendo que 90% até o mês de julho. Desta forma, o objeto principal da ação civil pública foi atingido.
O acordo com a Arcos Dourados foi resultado de ampla e intensa negociação, que incluiu quatro reuniões entre Ministério Público do Trabalho e representantes da Arcos Dourados, em Brasília e em Recife, inclusive com a presença da vice-presidente de Assuntos Governamentais da empresa, Marlene Fernandez del Granado em todas elas.
O coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), procurador do Trabalho José de Lima Ramos Pereira, e um dos procuradores envolvidos no processo de negociação, o acordo explica que o resultado é uma vitória. "Conseguimos acabar com essa prática danosa no Brasil, que a empresa realiza no mundo inteiro. A empresa precisa entender que tem de respeitar as leis brasileiras e isso foi garantido para os trabalhadores. Além disso, ao fechar o acordo, a empresa abriu mão de sentenças judiciais favoráveis a ela quanto à jornada móvel variável nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul."
Atenciosamente, Assessoria de Comunicação
Procuradoria-Geral do Trabalho, Brasília/DF
Os bonzinhos
Esta coluna vem reclamando há tempos da falta de transparência no caso da venda do refresco AdeS contaminado: primeiro, da falta de informações confiáveis e verossímeis; segundo, da resistência da empresa a dar entrevistas (levou quase duas semanas antes de se manifestar); terceiro, da excessiva boa-vontade da imprensa, que aceitou numa boa as esquivas da fabricante, sem protestos públicos, até que finalmente o presidente da Unilever, produtora do AdeS, falou aos repórteres.
OK - mas esta coluna não imaginava que as declarações ficassem no nível em que ficaram, nem que a imprensa as aceitasse tão bem. Lembrando: um lote de AdeS maçã foi contaminado por uma solução de limpeza que continha soda cáustica. Soda cáustica é um corrosivo poderosíssimo; veja o rótulo de algum produto de limpeza à base de soda cáustica e lá encontrará recomendações sobre como utilizá-lo, de preferência com luvas, proteção para os olhos, etc.
Pois os nossos meios de comunicação aceitaram numa boa frases desse tipo, ambas da lavra do vice-presidente da Unilever:
1 - "Efeito de AdeS é como afta";
2 - "Consumidor afetado vai se autocurar".
Só faltou o clássico "o que não mata, engorda".
A culpa por associação
Um empresário de Tietê, Antônio Romano Temer Schincariol, foi assassinado a tiros (a causa provável é a divergência a respeito de uma dívida de R$ 300,00). Na imprensa inteira, a notícia saiu mais ou menos do mesmo jeito: "Parente de Michel Temer morto (...)".
Terá a vítima sido baleada por ser parente de Temer? Não, nada disso. Terá sido baleada por se dedicar ao proselitismo político do PMDB, partido de Temer? Não, nada disso. Terá algum inimigo de Temer resolvido, por pura crueldade, atingir sua família? Não, nada disso.
Então, por que insistir no parentesco, que não tem nada a ver com o crime? O empresário assassinado é sobrinho-neto do vice-presidente da República, isto é verdade; mas deve ter também dezenas de outros parentes. Ligá-lo ao parente mais famoso é uma forma sórdida de dar importância a uma notícia que, infelizmente, é muito comum. E, por sua sordidez, puxa para o noticiário uma personalidade que nada tem a ver com ele.
Este tipo de ligação forçada é apontado como erro em qualquer livro básico do curso de Jornalismo, nos mais diversos manuais de Redação, e no entanto continua acontecendo. Em certa ocasião, saiu num jornal a notícia de que uma pessoa, tangencialmente citada num crime famoso (e, a propósito, jamais como suspeita), tinha comprado terrenos em determinada região, em certa época. Dez anos depois da compra dos terrenos, ocorreu o crime famoso. E a notícia doutrinava: "O terreno fica em (...), perto da região onde foi assassinado Fulano de Tal". E daí? O repórter explicou: "É um texto relatorial". Claro: num texto relatorial poderia ser dito, também, que naquela região moravam, em 1500, os índios de determinada etnia; ou que por ali passava uma rodovia onde morrem, em acidentes automobilísticos, X mil pessoas por ano. Ou que ali perto há um restaurante famoso pela boa comida interiorana. Mas nada disso teria o potencial de esquentar uma notícia. Por isso envolvem nela uma figura conhecida.
A propósito, o repórter errou no caso do empresário assassinado, ao dar ênfase ao distante parentesco com o vice-presidente da República. Quem deu o título também errou, ao salientar essa informação. Mas, imagina-se, os meios de comunicação têm editores exatamente para cuidar disso. Que tal cuidar de circunscrever a notícia à sua real importância?
Briga boa
O jornalista Ricardo Boechat acaba de mostrar que prefere lutar em campo aberto. Contou, em seus programas da Rede Bandeirantes, que está sendo processado pelo governador do Ceará, Cid Gomes. Cid inaugurou um hospital em sua base eleitoral, Sobral, e gastou R$ 650 mil do Tesouro cearense para levar à festa a estrela Ivete Sangalo. Boechat criticou essa história toda (e, cá entre nós, fez o que tinha de fazer). É processado principalmente pela frase "A festa era para a inauguração de um hospital que foi inaugurado de mentira, já que até hoje ele não está funcionamento". Boechat tem toda a razão: o hospital foi inaugurado em 18 de janeiro e ainda não funcionava quando deu a notícia. E foi até bonzinho: pouco depois da inauguração cara e festiva, caiu parte da marquise do hospital recém-construído.
Ao receber do oficial de Justiça a intimação, Boechat soube que a advogada do governador Cid Gomes solicitava sigilo judicial. Ele reagiu: "Ser processado por alguma crítica ou opinião é do jogo. Mas com o sigilo eu não concordo e por isso resolvi falar no ar sobre o processo. Somos duas figuras públicas. Por que pedir o sigilo? Medo de que se revele alguma coisa errada? Com isso não concordo e não vou guardar sigilo".
A posição de Boechat é corajosa e transparente. E será melhor ainda se complementada por uma boa investigação jornalística sobre o hospital citado. Como é que uma obra recém-concluída pode ter um pedaço caindo sem nenhuma tempestade, raio ou algum tipo de impacto?
Fenômeno no ar
Ronaldo Fenômeno é simpático, fala bem, tem ótima presença televisiva, bom-humor, conhece futebol (e este colunista, que o viu jogar, acrescenta: como conhece!). A Globo certamente levou em conta suas qualidades ao contratá-lo para integrar sua equipe de esportes, tanto na Copa das Confederações quanto na Copa do Mundo.
Seria um nome perfeito - mas acontece que Ronaldo cuida também de administrar a carreira de atletas (sua empresa é a 9ine, Nine, ligada à WPP britânica). E, comentando os jogos, estará falando sobre atletas que eventualmente tenham a carreira administrada por sua empresa. Neymar, por exemplo; e há outros. É um problema complexo - se bem que, e não apenas na área do esporte, desenvolvem-se amizades e inimizades que podem influenciar a opinião dos analistas.
Talvez a questão se resolva com a adoção do máximo de transparência: antes dos comentários, Ronaldo diria quais os atletas ligados à sua empresa, para que o telespectador pudesse, se julgasse necessário, avaliar possíveis desvios. Talvez a melhor solução seja outra, e não esta. Mas seria interessante, tanto para a Globo quanto para o Fenômeno, conversar sobre problemas que poderiam ocorrer.
Como...
No portal noticioso de um grande jornal nacional: