Coluna - Observatório da Imprensa
Jornal não é Internet, Internet não é jornal. Jornal não pode querer competir com a Internet: não tem a instantaneidade, não tem o movimento, não tem a interatividade. Internet não pode querer competir com jornal: não tem como mergulhar fundo nos fatos, estudando-os, pesquisando, buscando origens e consequências. A Internet me diz que o tomate está caro; o jornal tem de me dizer por que o tomate está caro e quanto tempo levará para voltar ao preço normal.
Alguém precisa contar essas coisas a O Estado de S.Paulo Na tentativa de oferecer um produto de leitura rápida, que supõe adequada aos novos tempos e aos consumidores de informação que não têm paciência de acompanhar textos um pouco maiores, o essencial Estadão corre o risco de deixar de ser essencial. Essas reformas editoriais, ocorridas uma atrás da outra, são mais do mesmo: reduzir as despesas cortando pessoal, reduzindo qualidade, tentando oferecer ao leitor pagante muito menos do que a Internet oferece de graça - e bem mais cedo, e com vídeos, e com interatividade, e sem sujar suas mãos de tinta.
Sempre é bom lembrar do Dr. Julinho, um notável jornalista que levou o Estadão a ser o jornal mais importante do país. O Dr. Júlio de Mesquita Filho tinha posições extremamente claras e não negociáveis: seu jornal seria a voz de São Paulo, defenderia a livre iniciativa, seria católico, embora sem atacar as outras religiões, daria amplo espaço ao noticiário internacional, teria o texto mais próximo possível da norma culta do português. E foi assim que o jornal ganhou a cada dia mais influência.
Conta um de seus editorialistas, Miguel Urbano Rodrigues, um português comunista de ampla cultura e muita informação (que voltou a Portugal após a Revolução dos Cravos e continua até hoje envolvido em política, como um dos dirigentes do Partido Comunista Português) que, com frequência, o Dr. Julinho usava nos editoriais palavras pouco comuns. Quando Miguel Urbano sugeria a modificação de alguma dessas palavras, por considerá-la de difícil compreensão, o Dr. Julinho lhe perguntava se o termo constava no dicionário. Constava, claro; então, o leitor que não o conhecesse que fosse procurá-lo, pois isso contribuiria para ampliar seus conhecimentos.
Concessão zero: o jornal era o que era. E, veja só, era o que o leitor esperava que fosse. Quando a empresa quis um jornal mais moderno, abriu outro - e bota moderno nisso: foi o Jornal da Tarde, moderníssimo, antenadíssimo, e com o padrão de qualidade da S/A O Estado de S. Paulo.
O destino do Jornal da Tarde . a propósito, teria tudo para indicar o bom caminho ao irmão mais velho. Ao esquecer a qualidade, ao tentar aumentar a circulação baixando seu preço e tentando atingir um público que não era o seu, o Jornal da Tarde sangrou até morrer. O Estadão tem de reagir, e logo. O remédio que vem tomando já mostrou que não funciona, e em vez de trocá-lo as doses vêm sendo aumentadas. Os concorrentes do jornal são poderosos: O Globo é apoiado por um império de rádio e TV, a Folha atua pesadamente na Internet com o UOL e tem também um jornal popular, o Agora, e o Estadão só tem, para enfrentá-los, a força da tradição e a densidade do conteúdo.
Se desistir do conteúdo, a tradição não será suficiente para mantê-lo entre os primeiros.
Por dentro do império
Este colunista assistiu a muita coisa no Estadão, mas nunca viu o voo do pássaro maldito. Demissões em massa são coisa bem recente. E o relacionamento da direção da empresa com os jornalistas era normalmente muito bom. O Estadão foi uma das empresas que ficaram ao lado de seus funcionários perseguidos pela ditadura ("nos meus comunistas ninguém mexe", dizia o Dr. Julinho). Ruy Mesquita, diretor do JT e filho do Dr. Júlio, acompanhou várias vezes jornalistas intimados a depor - e dizia aos militares, com todas as letras, que estava ali para garantir que seu pessoal entrasse e saísse nas mesmas condições físicas.
Este bom relacionamento se estendia a outros setores. A Lei de Murphy, sabem os colegas, funciona implacavelmente. Por exemplo, o Dr. Julinho nunca ia ao jornal à noite. E nunca se soube que alguém invadisse sua sala, normalmente destrancada. Numa noite em que apareceu por lá, o patrão entrou em sua sala e viu um casal em plena atividade, num confortável sofá. Pediu desculpas, fechou a porta e foi embora. Não tocou no assunto com ninguém.
Mas o casal se apavorou. A moça pediu demissão no dia seguinte. O rapaz, casado, com filhos pequenos, precisava do emprego, não podia demitir-se. Mas passou a viver apavorado. Foi quando Frederico Branco, antigo funcionário, editor de Internacional, mestre de toda uma geração de jornalistas, foi procurar o Dr. Julinho. Contou-lhe o que estava acontecendo e o patrão mandou que chamasse à sua sala o rapaz apavorado. O moço chegou trêmulo. O Dr. Júlio lhe passou uma pauta, com instruções a respeito de como executá-la, como se nada tivesse acontecido. Problema resolvido, Frederico Branco foi chamado: o rapaz não estava sozinho no sofá. E a moça, por onde andava? Frederico contou-lhe que ela havia pedido demissão. O Dr. Julinho mandou que ele fosse ao Departamento de Pessoal, providenciasse a recontratação e a chamasse de volta.
Frederico Branco já estava saindo da sala quando o Dr. Júlio lembrou-se de algo: "Se ela for recontratada, vai ter de fazer entrevista, preencher ficha, essas coisas?" Sim, seria preciso. "Então, vá lá no Pessoal, pegue a carta de demissão e a torne sem efeito. Assim a moça recebe também esses dias em que esteve fora".
Não, nada disso lembra demissões em massa, boatos, reformulações que sempre exigem aquilo que, tucanamente, chamam de "enxugamento da empresa".
Nada acontece por acaso. Não será por isso que naquela época a influência, o faturamento, os lucros se mantinham sempre em alta?
Cadê a bússola?
Quanto a TV Cultura surgiu em São Paulo, com a proposta, nova no país, de exercer uma função educativa e não comercial, foi uma revolução: gente notável como Cláudio Petraglia, Rosa Passos Jonas, Ruth Cardoso, Ziembinski, o pianista Fritz Janck, o notável Roberto de Oliveira, Jorge Cunha Lima, que já se havia destacado na Última Hora, nos tempos de Samuel Wainer, e tantos outros, todos passaram por lá. A TV Cultura criou programas (uma linha infantil imbatível, excelentes espetáculos musicais, o Roda Viva, que teve grandes épocas), compatibilizando custos baixos com muita qualidade e, considerando-se que se trata de uma TV pública, bons índices de audiência. Tinha influência, sim; tanto que os militares da ditadura resolveram destruir seu departamento de Jornalismo, na trágica sequência de eventos que levou ao assassínio de Vladimir Herzog.
De uns tempos para cá, a linha veio mudando (e o Ibope reflete a mudança): gente que nada sabe de TV nem de comunicação disputando cargos na Fundação e na emissora. Pela remuneração é que não é. Será pelo prestígio?
Sempre é tempo de voltar ao bom caminho, da produção de qualidade, elaborada por gente do ramo. A questão do controle de custos é, sem dúvida, importante; mas a razão de ser da emissora não é gastar pouco, é gastar bem e gerar programação de boa qualidade, de um tipo que não caberia na TV comercial.
Polêmica à vista
Luiza Pastor, jornalista e assessora de imprensa de primeiro time, com vasta experiência na área de comunicação, faz uma reflexão que vale a pena, concordando ou não com ela, analisar:
"Um dos maiores dramas que advêm das demissões de grandes jornalistas nos principais meios de comunicação é que, à falta cada vez maior de opções de veículos para exercer o ofício, quase todos acabam sendo contratados pelas agências de comunicação e assessoria. Chegam como estrelas, fazem bonito no portfólio das empresas, mas não conseguem corresponder às expectativas de seus empregadores e dos clientes, pois não apenas desconhecem o ofício específico (que antes viam com desprezo e sequer consideravam trabalho de jornalista) como descobrem rapidamente que não têm mais interlocutores nas redações: eles eram agora há pouco os interlocutores, com quem e como falar agora? Voltam a ser focas na profissão de tantos anos. Leva-se um bom tempo para sintonizar a nova faixa de transmissão do conhecimento adquirido no tranco. Ninguém amanhece assessor - ou, melhor, como gostam de dizer agora, analista de comunicação - por obra e graça do passaralho. A pergunta que fica, diante desse cenário assustador, é: com tanta pressão de tantos assessores improvisados despejando tantos releases diariamente nas redações cada vez mais enxutas e imaturas, qual é o futuro que podemos vislumbrar para nossa profissão?"
Ói nóis aqui tra veiz
Uma das coisas mais surpreendentes nos meios de comunicação é a repetição incessante de notícias e factoides, sem relembrar a seus consumidores que aquilo já foi prometido muitas vezes e nunca ninguém aplicou, ou por falta de vontade ou por ausência total de viabilidade. Agora, fala-se mais uma vez em multar quem joga lixo na rua.
O tema retorna periodicamente. E nunca é para valer. Imagine o nóia, o viciado em crack, que chuta uma lata de lixo, ou atira papeis sujos no chão. Quem é que vai multá-lo? E, se multá-lo, como fazer com que ele pague? O mais provável é que o papel da multa vá também engrossar o lixo urbano.
Outra hipótese: o catador que abre sacos de lixo na rua para ver se há algo reciclável e espalha o resto. Se for multado, ele, que mal tem dinheiro para comer, quando tem, não vai pagar por falta de recursos.
Em resumo, há dezenas de situações em que não haverá condições de cobrar multa nenhuma. Exatamente como ocorreu em várias ocasiões anteriores. No entanto, o noticiário sai como se as autoridades estivessem informando sua agenda do dia seguinte. Não há contestação, não há lembrança, não há nada. Isso, sem dúvida, contribui para que o lixo continue sendo jogado na rua, que o recolhimento continue precário, e que Suas Excelências, de tempos em tempos, anunciem providências que sabem que não tomarão.
O que vai acabar acontecendo é o lançamento de fartas campanhas publicitárias para que a população não jogue lixo nas ruas. Maravilha: todos ganham - ou melhor, ganham os escolhidos. Não é uma situação maravilhosa? Eles ganham, nós pagamos?
Ora, ora
Um assíduo leitor desta coluna, do tipo que fala e escreve em bom português, pergunta como enfrentar a avalanche de expressões como "teto máximo", "piso mínimo", "vítima fatal", avalanche esta vinda de veículos que, espera-se, sejam de alto padrão. Este colunista dá uma sugestão: deixa pra lá.
Não esqueça que aqui "a chuva cai". Queriam que a chuva se erguesse?
Livro bom, livro bonito
Um dos mais conceituados críticos de arte do país, Jacob Klintowitz, está lançando um livro sobre um dos mais renomados artistas plásticos brasileiros: Antônio Peticov, viajante. Nesta quinta, dia 18, a partir das 19h, no Museu da Imagem e do Som, São Paulo, coquetel de lançamento e exposição das obras de Peticov. A exposição irá até o dia 21, das 12 às 22h.
Como...
De um grande jornal impresso, de circulação nacional: