Coluna - Observatório da Imprensa
O esporte nacional não é mais o futebol. O esporte nacional é bater na FIFA, organizadora da Copa do Mundo. Não importa o que a FIFA diga, está errado - mesmo quando o que a FIFA diz está de acordo com as opiniões de quem a critica. Trata-se a FIFA, nos meios de comunicação, como se fosse uma entidade todo-poderosa, acima dos países e governos, a quem humilha por pura maldade, embora a FIFA seja apenas, para o bem e para o mal (e frequentemente para o mal, já que há inúmeros casos de corrupção a ela relacionados, que sempre procurou contornar em vez de esclarecer), uma empresa privada, não pertencente a Governo nenhum, criada e operada com o objetivo exclusivo de desenvolver seus negócios e dar lucros.
Alguns fatos básicos têm sido esquecidos pelo jornalismo deste país - inclusive que, sob o comando da FIFA, o futebol cresceu constantemente no mundo inteiro. Como lembrava o ex-presidente João Havelange, há mais países filiados à FIFA do que à ONU. As tentativas de minar a organização internacional (como a formação de times não-afiliados, em especial o Millonarios, da Colômbia, que reuniu em certa época alguns dos maiores nomes do futebol mundial) sempre falharam. Estarão todos errados, não haverá ninguém que se salve?
1 - A FIFA não pediu ao Brasil para organizar a Copa. Vários países, entre eles o Brasil, pediram à FIFA que os escolhesse para realizar o torneio. Entre vários candidatos, o Brasil venceu - não apenas a CBF, Confederação Brasileira de Futebol, mas o Estado brasileiro, já que o presidente da República participou das articulações para que o país fosse escolhido e assinou, oficialmente, uma carta em que se comprometia a realizar ou garantir uma série de providências. Entre elas, por exemplo, providenciar a permissão de venda de cerveja nos estádios, o que era vedado pela lei brasileira. O Brasil poderia ter rejeitado a exigência e a FIFA ou aceitaria a decisão ou realizaria a Copa em outro país. Simples assim.
2 - A FIFA não determinou que o Brasil construísse estádios em cidades onde o futebol não é lá muito popular. Brasília, Manaus, Campo Grande provavelmente terão problemas para utilizar os estádios depois da Copa. Quem escolheu essas cidades? O Governo brasileiro e a CBF. Se Belém fosse escolhida, em vez de Manaus, para a FIFA não faria diferença. E no Pará o futebol é esporte popular. Em Goiânia há um belo estádio que poderia ser modernizado a custo muito inferior ao da construção de um novo. Em Brasília é bem mais difícil utilizá-lo - a tal ponto que querem importar jogos cariocas para dar-lhe sentido.
3 - A FIFA não determinou, também, que a Copa se realizasse em doze cidades-sede. Doze é muito; encareceu as obras (o que talvez tenha deixado muita gente satisfeita), encarecerá o turismo, tornará mais cansativo e mais caro o giro das seleções. Por que doze, e não seis? Porque o Brasil assim o quis.
4 - O Brasil precisa de escolas, hospitais, transporte, e não de novos estádios. Voltamos à questão inicial: a opção foi oficial, brasileira. Para realizar a Copa, seria preciso deixar os estádios confortáveis, modernos, prontos para transmissão internacional de TV, equipados para uso de Internet. A FIFA também não obrigou o Governo a colocar dinheiro em equipamento esportivo. O Governo é que fez as opções: estádios padrão FIFA, muitos deles com dinheiro público. É ruim? Se for, a escolha foi nossa, do nosso Governo democraticamente escolhido.
5 - A realização da Copa não deixa nenhum legado útil à população do país. Aceitemos, para argumentar, que isto seja rigorosamente verdadeiro (e não é). Mas Barcelona aproveitou a oportunidade dos Jogos Olímpicos para modernizar-se, tornar-se mais bonita, mais agradável, mais acolhedora. A oportunidade é a mesma; se o Brasil a perdeu, não pode botar a culpa em gente de fora.
6 - O presidente da FIFA, Joseph Blatter (que este colunista, a propósito, considera uma figura pouquíssimo recomendável), disse que talvez a entidade tenha cometido um erro ao escolher o Brasil para realizar a Copa. Pode ter razão ou não; mas não é exatamente a mesma coisa que dizem os críticos da disputa da Copa no Brasil? Blatter disse, em outras palavras, que poderia ter escolhido lugar mais tranquilo. Poderia; e parece estar arrependido da escolha. Não há em suas palavras, entretanto, nenhuma ameaça imperialista de violar a soberania brasileira e mudar a Copa de país, embora isso possa acontecer (e pelo menos dois outros países americanos, Estados Unidos e México, têm condições de realizá-la com pouquíssimo tempo de preparação). Se isso ocorresse, realizaria o sonho de quem acha que a Copa é um desperdício de tempo e dinheiro. E não seria a primeira vez: a Colômbia, em 1986, desistiu da Copa devido a problemas de segurança, e o México a realizou com tranquilidade.
Quanto ao mais, caro leitor, tanto Blatter como seu adjunto Jerôme Volcker não são pessoas cuja visita possa considerar-se agradável. Só que o problema não é este: os dois, arrogantes, autoritários, prepotentes, antipáticos, foram convidados pelo Governo brasileiro. Não vieram à força; foram chamados. É duro admitir, mas estão aqui porque queremos, conforme decisão de nossos governantes.
Prender, depois perguntar
Um detalhe vem passando despercebido na terrível notícia de que policiais paulistas encarregados de combater o tráfico de entorpecentes foram presos, acusados exatamente de participar do tráfico de entorpecentes: o chefe do Serviço de Inteligência do Denarc, Departamento de Narcóticos da Polícia Civil, delegado de carreira, foi preso e sua prisão, como não poderia deixar de ser, foi amplamente divulgada. No dia seguinte, a Justiça o libertou; e o Ministério Público, que havia pedido a prisão, concordou com a libertação, já que nada havia contra ele. Este colunista não entende:
1 - Se nada havia contra ele, por que foi preso, com as consequências previsíveis para sua família, seus filhos na escola? Não importa a destruição de sua reputação?
2 - Se o objetivo era apenas ouvi-lo, por que a prisão? O correto é chamar o cavalheiro a depor; caso não se apresente espontaneamente, deve ser conduzido ao depoimento ("sob vara", coercitivamente). Em geral, para que uma pessoa seja interrogada coercitivamente, basta que um policial - ou, no caso, delegado do mesmo nível hierárquico - vá buscá-lo. Em último caso, determina-se a prisão. Prisão, com fotos, filme, divulgação, não é comprimidinho para dor de cabeça, que mal não faz, mesmo que o problema continue a existir; prisão é coisa séria, já que envolve reputação, família, carreira. Não é para ser usada à vontade.
3 - Como no caso do cirurgião da antiga piada, comunicando ao paciente que, por engano, cortara os testículos em vez das amígdalas, que é que se vai fazer? Pedir desculpas? Deixar pra lá? Esquecer que, a cada vez que o nome do delegado for consultado no Google, lá estarão as notícias de sua prisão por motivo vexaminoso (e falso, só que isso não estará nessas notícias)? E aquela ideia tão popular neste país, "ele deu um jeito de se esquivar", como é que vão tirá-la da cabeça da opinião pública? Qual o tipo de punição para os responsáveis pela prisão que, ao que eles mesmos disseram, foi feita sem que nada houvesse contra o preso? Ficarão um dia sem sobremesa? Ou serão aposentados compulsoriamente, com aposentadoria integral, ganhando sem trabalhar?
Houve época em que os grandes jornais fariam editoriais sobre o tema e pediriam a importantes juristas que escrevessem sobre isso. Ainda bem que, hoje, há confortáveis poltronas para que o consumidor de informação espere sentado.
Se é bom, disfarce
A história é sensacional: uma juíza, Sônia Moroso Terres, da 1ª Vara Criminal de Itajaí, SC, estava num avião pronto para decolar, em Viracopos, SP, com destino a Itajaí, e reconheceu um cavalheiro que havia condenado há três anos, e que estava desde então foragido, numa poltrona próxima. Discretamente, avisou a Polícia Civil de Itajaí e o comissário de bordo. Quando o voo chegou ao destino, o condenado foi preso. A juíza explicou a situação aos demais passageiros e foi aplaudida. O cavalheiro tinha sido condenado por abusar sexualmente de seus filhos, então com quatro e cinco anos de idade, nas visitas semanais que lhe faziam.
E que tem a imprensa com isso? O condenado foi preso no dia 14. E quem melhor publicou a notícia, até o dia 23, foi o bom portal jurídico gaúcho Espaço Vital (www.espacovital.com.br). TV, jornais, rádio, Internet foram discretíssimos: quem procurar o caso no Google verá que o portal especializado divulgou o caso com muito mais ênfase do que a imprensa em geral. É tão raro aparecer uma notícia boa como esta (um criminoso que atacava sexualmente os próprios filhos é reconhecido e preso)! E, quando acontece, sai com a máxima discrição possível?
Dinheiro na mão é vendaval
O caro colega sabe como é difícil, hoje, convencer as empresas a liberar recursos para uma reportagem fora da sede. Mas isso não ocorre em todas: uma revista, pelo menos, escancara os bolsos para repórter que precisa viajar. Enviou dois profissionais de primeiro time a Adis Abeba, capital da Etiópia, exclusivamente para entrevistar o ex-presidente Lula. E, embora a revista seja mensal, com todos aqueles problemas que tanto conhecemos para apresentar matérias recentes, no caso nada atrapalhou: em poucos dias saiu a reportagem.
Não há voos diretos do Brasil para Adis Abeba. Com uma escala, são pouco mais de 20 horas de voo; com duas, 30 horas. Também não há muitos voos: normalmente, é preciso ficar uma semana por lá para enfrentar as 20 ou 30 horas do voo de retorno. O preço por pessoa, ida e volta, oscila perto de R$ 4.500,00. Dois repórteres, portanto, só com passagens, gastaram R$ 9 mil, mais uma semana de hotéis, alimentação, transporte, tudo para entrevistar um político que mora em São Bernardo, no máximo a uma hora de São Paulo, sede da revista.
Louvemos, pois, o retorno dos investimentos jornalísticos em viagens!
Quem confia em quem
Há quem reclame, quem jure que ninguém se preocupa com o que é noticiado naquilo a que chamam de "grande mídia", que diga que só se informa em determinados blogs de Internet (aqueles que chamam americano de "estadunidense", garantem que inflação é invenção de golpista e louvam o "Querido Líder" Kim Jong-un, herdeiro da dinastia criada pelo "Estimado Líder" Kim il-Sung e o "Grande Líder" Kim Jong-il). E que é que mostram as pesquisas?
A Edelman Global Entertainment Study ouviu 31 mil pessoas em 26 países, entre eles o nosso. No Brasil, a imprensa é a instituição de maior credibilidade: 66% confiam nos veículos de comunicação. O Governo tem metade: 33% de credibilidade. O estudo da Edelman confirma pesquisa realizada no início do mês pela Transparência Internacional, que mostra que no Brasil "a percepção sobre corrupção envolvendo a mídia é menor na comparação com a maioria dos países".
Um dos grandes
Uma perda imensa: morreu Mansour Chalitta, diplomata e escritor, grande conhecedor da cultura árabe e um de seus principais divulgadores no Brasil. Um homem de múltiplas culturas: nasceu na Colômbia, passou muitos anos no Líbano, estudou Direito na França e Jornalismo nos Estados Unidos, radicou-se há mais de 50 anos no Brasil - aqui traduziu o sagrado Corão, a obra de Gibran Khalil Gibran, contribuiu poderosamente para que obras como as Mil e Uma Noites, na versão completa, se tornassem acessíveis ao leitor brasileiro. Diz o provérbio que ninguém é insubstituível. Mas há pessoas difíceis de substituir.
Xega de abuzo
Tudo bem, como em toda atividade profissional, a Assessoria de Imprensa conta com gente de maior ou menor capacidade, de maior ou menor conhecimento, de maior ou menor discernimento. Mas espera-se que um senador milionário, presidente de uma milionária confederação nacional patronal, com verbas milionárias de gabinete saídas de nosso bolso, busque alguém capaz de escrever "assessoria" - e não, como é constante, "acessoria".
Não, não é engano eventual, nem erro de digitação: a insistência é notável. Pelo menos seguem uma norma rígida e estável no mau português.
Frases
Do consultor e apresentador de TV Ricardo Amorim:
Beneficiários do Bolsa Família pagam meia na Copa. Alguém que consegue pagar os ingressos para a Copa recebe Bolsa Família?
Do humorista Hélio de la Peña:
Você é a favor de transformar Renan Calheiros em crime hediondo?
Do jornalista e apresentador Pedro Bial:
Há que se respeitar a ignorância dos outros.
Do ator Eri Johnson, sobre uma cirurgia pela qual passou:
Não quero levantar a bandeira da hemorroida, mas as pessoas precisam ficar alertas.
Como...
De um grande portal noticioso, ligado a um jornal impresso de circulação nacional: