Coluna - Observatório da Imprensa
Sim, é inglês - ou mais ou menos inglês. É uma forma, digamos, literária, de escrever a expressão "who done it", quem fez, quem matou, quem é o culpado. A expressão define um tipo específico de romance policial: aquele em que um detetive inteligente, raciocinando, interpretando indícios, analisando depoimentos, encontra o culpado. Sherlock Holmes, Nero Wolfe, Auguste Dupin, Perry Mason, Ellery Queen, Hercule Poirot, Miss Marple são personagens clássicos de romances "whodunnit". A imprensa brasileira já trabalhou bem nesta área, de fazer a cobertura de investigações policiais, de revelar fatos que a Polícia não tinha descoberto (ou tinha, mas não se sentia com muita vontade de revelar), de não descansar enquanto o autor de crimes de repercussão não fosse encontrado. A imprensa brasileira já trabalhou bem nesta área; atualmente, nem bem nem mal. A reportagem policial, sem recursos, sem espaço, sem estímulo, é hoje apenas o relato daquilo que as autoridade contam.
O Diário da Noite de São Paulo, lembra o repórter João Bussab, chegou a ter 32 repórteres policiais especializadíssimos. Hoje, o caro colega pode somar os repórteres policiais de todos os veículos que o número não chega a 32. Havia a rádio-escuta, um trabalho essencial. Num projeto que elaborou para a Rede Bandeirantes de Televisão, e que não foi possível implantar (no meio do caminho, houve uma greve dos jornalistas e a ideia foi sepultada), o repórter Antônio Carlos Fon propunha que os carros da reportagem policial recebessem rádios sintonizados no canal da Polícia, de maneira a acompanhar as viaturas tão logo se movimentassem.
Havia os setoristas; havia o plantão 24 horas na central de Polícia (e, como na época não havia ainda crimes suficientes para obrigar o setorista a trabalhar sem parar, um dos repórteres de setor da Folha passava o tempo fazendo caricaturas de seus colegas, dos tiras, dos funcionários. Foi assim que Maurício de Souza aperfeiçoou seu traço). Repórter policial tinha status na Secretaria de Segurança: os carros de reportagem acompanhavam as viaturas policiais, e ai do delegado que tentasse impedi-los de fazer seu trabalho. Trabalhando em cima dos fatos, os repórteres policiais criavam suas fontes de informação e podiam discutir, analisar e eventualmente contestar a atuação da Polícia.
E qual o problema da desidratação desse tipo de reportagem? Este colunista, por exemplo, não costuma acompanhar o noticiário policial e não deveria, portanto, se importar com isso. Mas o tema é importante. No caso da chacina de uma família de policiais em São Paulo, em que o principal suspeito é um filho de 13 anos, que se suicidou, a presença de jornalistas logo que o caso foi descoberto pelo menos inibiria a confusão em que a cena do crime foi (ou não, mas não se sabe) modificada. Com os repórteres por ali, no mínimo saberíamos se houve ou não alteração do cenário; e também, caso tenha havido, se teria sido deliberada, para confundir as investigações, ou causada por pura e simples desídia, o que deveria fazer com que no futuro o treinamento dos policiais fosse mais apurado.
E o caso Amarildo, no Rio? A presença da caravana jornalística atrás da viatura policial atrapalharia e muito o vaivém do pedreiro preso; e, tenha sido ele morto por policiais, entregue a traficantes, colocado em cárcere privado, houvesse o que houvesse, haveria testemunhas dos fatos. Claro que o convívio entre policiais e jornalistas levaria a amizades, eventualmente a cumplicidades; mas a concorrência entre os profissionais dos vários veículos abriria campo para as investigações jornalísticas.
E, definitivamente, não teríamos um caso como o que aconteceu há poucos dias em São Paulo, após o assalto a um restaurante num bairro de classe média em que uma pessoa foi ferida. Sabe-se que dois homens armados invadiram o restaurante, que por algum motivo tentaram estrangular o cozinheiro-chefe, mas que desistiram antes de matá-lo. O que não se descobriu é que é fantástico: segundo as notícias publicadas nos portais logo após o crime, "a Polícia não soube informar se os assaltantes conseguiram fugir".
Nenhum policial teria coragem de dar uma informação dessas se houvesse por perto um grupo de jornalistas que mais tarde iria ridicularizá-lo. Pense só nos apelidos que o referido cavalheiro receberia, e que seriam publicados a cada vez que seu nome surgisse numa reportagem.
Faltou dizer
Não faz muito tempo, o secretário da Segurança do Governo tucano de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, foi flagrado quando passava documentos a um repórter, num shopping center. Imediatamente, deflagrou uma campanha declarando-se "espionado" por "maus policiais", da "banda podre da Polícia", que estariam "insatisfeitos com a moralização por ele empreendida". E esqueceu que num shopping center, local público por definição, não se pode garantir que um encontro será mantido em segredo.
Ferreira Pinto pediu instauração de inquérito policial para apurar a tal espionagem. O Ministério Público rejeitou as alegações do então secretário da Segurança e pediu o arquivamento do inquérito pedido por ele, por falta de base. A Justiça aceitou a argumentação do Ministério Público e o inquérito foi arquivado - termo jurídico para "rejeitado". E a imprensa, que tanto noticiou a espionagem ao secretário por parte dos tais maus policiais?
Silêncio total: o secretário da Segurança do Governo Alckmin (que, no meio de uma guerra do crime organizado contra policiais, deixou o posto e foi assistir a um jogo de futebol na Argentina) é intocável, mesmo tendo perdido o cargo. Notícias, só a favor. Quando o ídolo é derrotado, o fato desaparece.
Mas na Justiça o caso continua: Tânia Lis Tizzoni Nogueira, a advogada de um dos policiais injustamente acusados, propôs ação criminal, por denunciação caluniosa, contra o antigo secretário tucano da Segurança. E prepara também uma ação de danos morais contra ele.
Lula e a imprensa
Lula não tem dado entrevistas; mas tem exposto seu pensamento com grande clareza em declarações diversas, em ocasiões em que repórteres não possam fazer perguntas. A última declaração de Lula, há uma semana, ocorreu quando deu apoio à reeleição do presidente nacional do PT, Rui Falcão. É certo que a cada dia gosta menos da imprensa brasileira.
Lula disse que "não quer formador de opinião ditando as regras", que não gosta quando os políticos, que são "criticados 24 horas por dia pela imprensa", ficam quietos, não reagem. A imprensa, afirma Lula, xinga a classe política e não recebe resposta.
Nada a objetar: é normal que quem é criticado odeie a imprensa, da mesma forma como passa a apreciá-la quando é elogiado. Mas Lula tem razão em algumas coisas: a principal, acredita este colunista, é o pecado da generalização.
Há políticos péssimos, de atuação parlamentar nula, acostumados a abusar de suas prerrogativas, mas isso não autoriza a crítica "aos políticos", "aos deputados". Há gente boa entre os políticos, talvez em esmagadora minoria, mas não pode ser confundida com os que não prestam. Não dá para misturar Pedro Simon com Renan Calheiros, embora sejam ambos senadores, embora sejam ambos do mesmo partido, o PMDB. Também o uso de determinadas vantagens não pode servir para igualar a todos. Definitivamente, passear com amigos e família a bordo dos aviões da FAB é condenável; mas não se pode colocar no mesmo saco quem usa passagem a que tem direito, em voo comercial, para visitar a sua cidade. Qualquer executivo de empresa privada, transferido de seu local de moradia por razões de serviço, recebe este benefício - mesmo quando está no Exterior, do outro lado do mundo, e a passagem é bem mais cara.
Quanto ao tratamento que recebe da imprensa, Lula não tem muito do que reclamar. O tratamento que lhe dão é, muitas vezes, desumanamente equivocado: inventam que ele frequenta o hospital de madrugada, que é um dos homens mais ricos do mundo, que tem mais cabeças de gado do que todos os fazendeiros do Brasil somados. É ruim; mas, ao mesmo tempo, há na imprensa quem diga que Lula é o maior estadista que já pisou neste planeta desde o surgimento do homo-sapiens, e atribui a ele tudo o que aconteceu de bom no Brasil desde antes de Cabral (Pedro Álvares, não o Sérgio). As coisas se equilibram. Mas é claro que, para ele, como para qualquer político, os elogios são naturais e as críticas injustas.
Algum problema? Nenhum: a opinião de Lula sobre a imprensa é um direito seu. E, sejamos justos, não partiram dele as tentativas de censura (opa, o nome oficial é "controle social da mídia"). Se as apoia, nunca se manifestou abertamente. É verdade, também, que nunca desautorizou explicitamente os adeptos da censura. Pena que há tanto tempo o ex-presidente esteja evitando falar aos meios de comunicação. Poderia transmitir seu recado para boa parte dos cidadãos - e usando para isso até mesmo os veículos que o criticam.
Coisa do TUCA
O TUCA, Teatro da Universidade Católica, ligado à PUC-SP, toma a frente de uma ótima iniciativa: o Projeto Primeira Página, que receberá grandes autores brasileiros para conversas com jornalistas, atores e público, com o objetivo de abrir um espaço de debate sobre literatura brasileira. O primeiro autor convidado foi o poeta e jornalista Ferreira Gullar (Poema Sujo), neste 20 de agosto. Com ele estiveram a jornalista Mona Dorf, os atores Elifas Andreato e Regina Braga e os produtores e idealizadores do projeto, Cândida Morales e Clovys Torres.
O segundo encontro se realizará em 1º de outubro: a poeta Adélia Prado será a entrevistada, tendo ao lado a professora Ana Salles, coordenadora e do Departamento de Arte da PUC-SP. O projeto pode ser acompanhado no site www.primeirapagina.art.br; no Facebook, em facebook.com/pages/Primeira-Página; no twitter, em twitter.com/primpagina. Os ingressos podem ser comprados na bilheteria do TUCA, nas lojas da Livraria da Vila e no Ingresso Rápido, telefone (11) 4003-1212 ou site www.ingressorapido.com.br
História na TV
Outra boa iniciativa: o jornalista Paulo Markun está gravando Retrovisor, série de 13 episódios da História do Brasil que irá ao ar no primeiro semestre de 2014, no Canal Brasil. Funciona como um talk-show em que Markun entrevista personagens históricos (o primeiro será Anita Garibaldi, interpretada por Lucienne Guedes).
O programa é gravado na Biblioteca Mário de Andrade, SP.
Doce vida
A biografia do empresário Celso Ricardo de Moraes, dono da Kopenhagen, Cacau Brasil e Dan Top, escrita pelo jornalista Elias Awad, será lançada na quinta-feira, 22, na Livraria da Vila do Shopping JK, em SP. Além do livro, o comprador recebe um CD com as canções compostas por Moraes e cantadas por ele.
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