Coluna - Observatório da Imprensa
Sim, foi no século passado. Mas parece que muito mais tempo se passou. Um grande jornal paulistano, A Gazeta Esportiva, tirava uma edição especial aos domingos, logo depois do futebol, com os resultados e comentários da rodada. Seu slogan se tornou um clássico: "Se A Gazeta Esportiva não deu, ninguém sabe o que aconteceu". Era verdade. O jornal fazia sucesso, batia recordes de venda. O Estado de S.Paulo entrou na concorrência, com a caprichadíssima Edição de Esportes, que seria o berço do Jornal da Tarde: saía também no início da noite de domingo, e trazia, além de resultados e comentários, boas reportagens especiais com os craques que se haviam destacado na rodada.
O Estado de S.Paulo não circulava às segundas-feiras (como os matutinos em geral). Um acontecimento do domingo podia ser manchete na terça, e o jornal não o considerava notícia velha: fazia parte do dever do Estado, dizia a tradição da Casa, fazer o registro fiel da História, cobrindo os fatos sem intervalos.
Os aparelhos de TV ficaram mais baratos e se espalharam, as emissoras ampliaram seu alcance, no final dos anos 60 começaram a transmitir em rede nacional. Os jornais tiveram de se modernizar. Os vespertinos passaram a circular também aos domingos, os matutinos às segundas-feiras. Os jornais esportivos de domingo à noite morreram: seu público já tinha visto o jogo pela TV, com a reprise dos gols, os melhores momentos, os comentários, as mesas-redondas. Sair de casa para comprar os jornais noturnos? Melhor ficar quietinho no sofá, de pijama, acompanhando tudo com som e imagens em movimento.
A TV como alerta
No auge do Jornal do Brasil, na década de 1960, Alberto Dines mandou colocar televisores na Redação, lembrando à equipe - e que esplêndida equipe! - que os acontecimentos estavam sendo noticiados em primeira mão naquela telinha, e que caberia ao veículo impresso aprofundar o noticiário, hierarquizar as informações, articulá-las, mostrar ao leitor o cenário em que os fatos aconteciam. No JB de Dines, a experiência foi da maior importância; ao Jornal da Tarde, em São Paulo, voltado ao comportamento, à vida da cidade, ao que surgia de moderno, àquilo que a TV não acompanhava, a instantaneidade da informação não incomodava. Outros veículos impressos se deixaram afogar na tentativa de competir com a TV. Besteira: TV é TV, jornal é jornal. E muitos se afundaram.
E hoje, que a informação se tornou ainda mais rápida pela Internet? Um excelente jornalista e professor, Wladyr Nader, vai direto ao ponto: "Lê-se menos jornal porque você fica sabendo tudo no dia anterior pela TV e pela internet. A imprensa vive discutindo isso e não se resolve. É fato ou não? Daí as demissões em massa na área e o desespero dos estudantes de jornalismo, que ficam sem maiores perspectivas." Uma lenda viva do jornalismo brasileiro, Nilo Dante, da grande equipe do Jornal do Brasil (e de tantas outras), aprofunda a análise: quando o jornal comete o supremo pecado de decepcionar seu leitor, perde o conceito, perde o espaço, perde o mercado. Lembra dois grandes jornais do Rio, o Diário de Notícias e o Correio da Manhã, gigantes de uma era, desaparecidos poucos anos depois. Como escreveu neste Observatório, "o cemitério da imprensa brasileira está cheio de ilustres cadáveres prematuros cujo singelo pecado foi decepcionar o leitor, isto é, o mercado".
As razões da queda
Nader coloca, como grande responsável pela queda de circulação de tantos jornais impressos, o envelhecimento de seu conteúdo, já visto na TV e na Internet muitas horas antes, com a vantagem do som e do movimento; Dante cita "o espantoso declínio de qualidade" dos veículos em papel. "Eles estão morrendo não de obsolescência, mas de anorexia. Falta-lhes conteúdo. São produzidos para deleite de quem edita e não de quem consome. Trocaram a informação-crítica pela divulgação-celebração".
Na opinião deste colunista, ambos, Wladyr Nader e Nilo Dante, tratam do mesmo fenômeno: boa parte dos veículos impressos não percebeu que é preciso mudar o enfoque, aprofundar as análises, buscar a ligação entre os vários fatos. A Internet e a TV já mostraram os mortos na Síria, já noticiaram a troca de acusações entre Governo e rebeldes a respeito de ataques com armas químicas, já citaram as dezenas de milhares de vítimas da guerra civil. Para os jornais impressos, resta o lado nobre da notícia: avaliar os motivos pelos quais o Ocidente não derruba o presidente Assad, e China e Rússia, que o apoiam, não lhe fornecem força militar suficiente para vencer os rebeldes; discutir as opções possíveis para os vários lados da guerra; analisar a posição dos turcos, já que parece simples demais atribuir a hostilidade com que tratam seu antigo aliado Assad apenas à solidariedade com os muçulmanos sunitas em luta contra os alauítas, xiitas e defensores do Estado laico.
Fotos de crianças mortas na primeira página? Para que? Todos já as viram. E servem, sem que haja necessidade noticiosa, para repelir o leitor já no café da manhã. Falta alguém que, como Dines no JB, mostre às redações que TV e Internet têm papel preponderante na informação instantânea, e que é preciso publicar aquilo que vá atender aos interesses e necessidades do leitor.
Sem que os jornais e revistas percebam esses interesses e necessidades (que, agora, são diferentes do que já foram), tornam-se desnecessários - às vezes agradáveis, às vezes até viciantes, mas sempre desnecessários. Se o leitor deixa de ler um jornal ou revista, não perde muito; e, caso o veículo impresso tenha dado informação importante, essa informação vai aparecer em seguida nos portais noticiosos e no Facebook, com íntegra e tudo, mais comentários dos internautas. Insuficiente? Basta ir buscar o original, que já se sabe que existe, no veículo que o divulgou em primeira mão.
A imprensa mudou. Se o jornal deu ou não deu, todos sabem o que aconteceu.
Guerra geral
Primeiro, vamos esquecer essa bobagem de que os ataques a jornalistas são promovidos por gente que odeia a imprensa. Ninguém odeia "a imprensa": cada um dos raivosos odeia os órgãos de imprensa que considera que estejam do outro lado. Neste momento, parece estar ocorrendo um tipo deliberado de demonização de repórteres, ora acusados de trabalhar para um veículo que os acusadores consideram politicamente incorreto, ora de mostrar imagens que os acusadores prefeririam manter ocultas.
E ocorre, sem dúvida, um trabalho pesado de agentes provocadores. Já houve demonstrações claras (entre elas algumas apresentadas pelos ninjas) de que, entre os vândalos, os black blocs, os anarcopunks e outros ferozes inimigos de orelhões, portas e lixeiras, há policiais militares (o caso mais emblemático foi o do rapaz que jogou coquetéis Molotov, correu na direção da PM, foi recebido, protegido até que trocasse de roupa, e reapareceu com uniforme da Polícia). A própria inação da PM nos momentos de vandalismo aponta para uma certa satisfação estranha com o que está acontecendo. E a sombra do Cabo Anselmo, o agente provocador que com seus discursos revolucionários incendiários convenceu muita gente de que era preciso resistir à tentativa de golpe comunista, paira sobre os excessos atribuídos a manifestantes e as agressões a jornalistas.
Um episódio interessantíssimo ocorreu na Câmara de Vereadores do Rio, quando se iniciou a discussão sobre os contratos de empresas de ônibus com a Prefeitura. A equipe da Globonews foi hostilizada, os repórteres empurrados. Por quem: por gente a favor da CPI ou por gente contrária à CPI? Não se sabe. Mas há denúncias de que estavam, entre os agressores, seguranças contratados para ocupar as galerias e manifestar-se em favor dos integrantes da CPI - na maioria, ligados ao prefeito Eduardo Paes, do PMDB, e acusados de montar uma comissão de inquérito que não daria em nada.
A Câmara prometeu, claro, um rigoroso inquérito a respeito das agressões. Este colunista aposta um almoço no La Casserole contra um picolé de chuchu como o rigoroso inquérito vai chegar a rigorosamente nada.
São anunciantes - e daí?
Qual a pior operadora de celular? Qual a pior fornecedora de conexão para a Internet? Pode procurar: nos meios de comunicação é que o caro colega nada irá encontrar. É complicado fazer esta análise, mas só até certo ponto: medir a velocidade das conexões com a Internet é questão simples e qualquer bom advogado explicará direitinho onde os contratos são mais ou menos leoninos. Vale a pena entrar no 4G? Este colunista já recebeu informações de amigos nos quais confia, mas os meios de comunicação continuam em silêncio. Tudo bem, as operadoras são anunciantes, anunciantes das grandes, mas se os meios de comunicação perderem seus consumidores, por falta de informação, também os anunciantes irão embora.
Um jornalista aposentado, daqueles que faziam boas reportagens e não se incomodavam de passar a noite atrás de uma notícia, foi procurado há pouco pela Vivo. Fechou um pacote de fibra óptica com quatro pontos de TV, dois em HDM e dois em HD, Internet com 50 mega, a R$ 260 mensais. Fechou mas não fechou: o vendedor (ops, desculpe: eles gostam de ser chamados de "consultor") lhe telefonou e disse que tinha errado na conta. O pacote sairia por R$ 290. O jornalista decidiu que não aceitaria o novo preço. Dias depois, a NET lhe propôs algo semelhante, a R$ 247 mensais. OK, fechado. O consultor então sumiu. Procurado, disse que a proposta (que ele mesmo tinha feito) havia sido rejeitada.
A Vivo o procurou de novo e fez nova proposta, de R$ 247 mensais. Só que, na hora de assinar, o contrato era diferente do combinado e haveria uma série de novos encargos, que jogariam o preço para mais de R$ 300 por mês. O jornalista foi então à loja da Vivo. Mas lá o informaram de que não vendiam conexões de fibra óptica. Isso só por telefone, com os tais consultores.
Pergunta nosso colega: "Onde vou conseguir canais de TV transmitindo por fibra óptica sem que tentem me enganar"?
A resposta é fácil: em outro país, uai!
É, mas não é, embora seja
Mais uma história exemplar de telecomunicações (aliás, dizem que existe uma agência chamada Anatel que deveria cuidar dessas coisas. Por que nenhum meio de comunicação verifica se existe mesmo e o que é que faz?)
Uma assídua leitora desta coluna é cliente Netcombo há seis meses. Surgiram problemas em alguns canais, telefonou para o atendimento. Não a localizaram no sistema; se não existe no sistema, segundo a informaram, não é cliente. Claro que todos os meses a cliente, ou não cliente, recebe e paga a fatura; na fatura estão todos os seus dados, nome, endereço, etc. Mas a resposta foi clara: seu cadastro não existe, e se a senhora não é cliente não temos como resolver seu problema técnico. E ainda por cima perguntaram à cliente que não é cliente, mas é cobrada como cliente embora não seja atendida como cliente, se ela tem certeza de que sua cidade é mesmo Ubatuba. Estariam esperando alguma cliente de Pyongyang que, só para encher o saco deles, fingiria ser de Ubatuba?
Alô, reportagem! Se eles sabem cobrar, como não sabem localizar clientes? Podiam pelo menos arranjar uma desculpa melhor do que essa! Será que, só porque são anunciantes, vão ficar protegidos de repórteres curiosos?
Tudo pago
Há coisas que já não deviam acontecer nos meios de comunicação. Por exemplo, testes no Exterior com carros que serão lançados no Brasil, com tudo pago pela fábrica. Ou reportagens de turismo, sempre a convite. Antigamente, vá lá. Mas hoje os padrões têm de ser outros. Pode procurar: o caro leitor já viu alguma reportagem de turismo dizendo que o hotel é ruim, que o lugar é feio, que o esgoto da cidade é jogado diretamente na praia?
Corrigindo
Este colunista escreveu, na semana passada: "Como ensinava o Jornal do Brasil dos bons tempos, o fato mais importante vinha no lead, o segundo no sub-lead, e a história se seguia no restante da matéria".
"Correto e incontestável", observa o jornalista Nilo Dante. "Contudo, eu teria ficado encantado se tivesse lido Diário Carioca onde li Jornal do Brasil. O lead e sublead foram abençoadas inovações trazidas dos Estados Unidos pelo Pompeu de Souza. Inovações, falar nisso, que o Odylo Costa, filho, teve a sabedoria de absorver quando realizou a famosa reforma do JB em fins de 1956, e que mais tarde o Dines consolidou e ampliou. O Odylo levou para o JB não só os novos conceitos de edição e redação, mas também - e especialmente - a rapaziada que estava fazendo a festa no DC: o Armando Nogueira, o Zé Ramos Tinhorão, o Evandro Carlos de Andrade, o Ferreira Gullar, o Janio de Freitas, o Octavio Bonfim, etc. etc., entre os quais imodestamente me incluo. Em tempo: o Odylo acionou a catapulta, mas o zênite da Folha da Condessa se deu na Era Dines, o que vem a ser uma outra história".
País tropical
Parece incrível, mas é verdade: o deputado federal Eduardo Cunha, do Rio, líder do PMDB na Câmara dos Deputados, processou o jornalista Ricardo Noblat por calúnia e difamação. O Superior Tribunal de Justiça rejeitou as acusações, considerando que os comentários de Noblat em seu Blog tiveram apenas o intuito de prestar informações jornalísticas. O STJ não disse, mas é sabido que Noblat jamais poderia caluniar ou difamar Eduardo Cunha, imputando-lhe falsamente atitudes ou comportamentos inaceitáveis. Seria um crime impossível.
Renata pedalando
Quase no fim desta semana, no dia 30, entra no ar o portal Bike Legal, comandado pela jornalista Renata Falzoni (www.bikeelegal.com). Renata é excelente repórter fotográfica, militante bicicleteira - alma dos Night Bikers, ciclistas que saem à noite para passear em grupo - gente finíssima.
Se é ela que faz, é bom.
Leão andando
E, por falar em transporte alternativo, o jornalista Leão Serva lança no dia 29 o livro Como viver em São Paulo sem carro, no qual reúne histórias de pessoas que passaram a deixar o carro em casa e redescobriram uma cidade que há muito não viam. Dia 29, a partir das 19h30, na Livraria da Vila, al. Lorena, 1731, SP, com estacionamento na porta.
Palco, tela, livro
Cláudia Alencar é atriz de sucesso, no teatro, no cinema, na TV. Esteve presa na OBAN, onde foi torturada por suas atividades contra a ditadura militar. Foi professora por muitos anos. E, descendente direta de um dos grandes romancistas brasileiros, José de Alencar, não nega o DNA, que a levou a vencer um concurso nacional de contos, promovido pelo Correio da Manhã, quando tinha 14 anos: lança agora seu sexto livro, Refinamento e Loucura, uma coletânea de bons poemas. No sábado, 31, das 16 às 19h, Livraria da Vila, al. Lorena, 1731, SP.
Do tempo aos livros
Rosana Jatobá, jornalista e apresentadora de primeira linha, lança seu livro de estreia: Questão de Pele, 49 crônicas sobre meio-ambiente e problemas sociais. Dia 29, às 18h30, Livraria Cultura da Avenida Paulista, SP. O livro será lançado no Rio no dia 7 de setembro, às 18h, na Bienal, estande da Editora Novo Século.
O Googleguês
Ler um texto traduzido pelo Google é como ouvir o senador Eduardo Suplicy cantando Blowin in the wind: a gente até descobre do que se trata, mas o original é melhor. Há dois exemplos notáveis: um de anúncio, um de notícia.
Anúncio: "De uma linhagem de eloqüência projeto vem um novo relógio prestados em titânio leve. (...) um anexo de estilo definitivo afiada do metal mesmo premio ultra (...) Clássico encontra o contemporãneo em um trabalho de sofisticação que combina a precisão de 25-jóia movimento com a mecânica intrincados de um mecanismo de auto-liquidação (...)". E segue assim.
Texto, num grande jornal, sobre uma rede de moda: "Ativistas argumentam os tamanhos discrimina os clientes mais gordos".
Como...
De um grande jornal impresso: