Coluna - Observatório da Imprensa
Um jornalista, falando sobre um dos maiores cartunistas brasileiros, protesta contra as charges que fez sobre os condenados do Mensalão. Até aí, tudo bem; certo ou errado, é questão de opinião. Mas derrapa feio quando parte para a ameaça: o desenhista, pelo crime de fazer os cartuns que o jornalista não apreciou, pode até ser vítima de esculachos - ou seja, um grupo de cafajestes iria até sua casa, ameaçá-lo e à sua família, pichar as paredes, bloquear as passagens, gritar slogans e, quem sabe?, eventualmente até quebrar lixeiras e botar fogo no lixo.
Outro jornalista, irritado com a arbitragem do jogo do Grêmio contra a Portuguesa, pede que alguém espione eventuais telefonemas do presidente gremista para a Comissão de Arbitragem da CBF. Tem alguma evidência, alguma suspeita? O pedido seria estúpido de qualquer forma, mas pelo menos neste caso poderia ser substituído por uma pauta de reportagem - o que, aliás, seria uma excelente ideia para um repórter. Mas não havia nada: era só esperneio de perdedor inconformado.
Um terceiro jornalista, irritado com o desempenho do técnico Muricy Ramalho na época em que dirigiu o time de seu coração, o Palmeiras, torce contra ele, agora que foi contratado pelo São Paulo. OK, faz parte. Mas vejamos o que escreveu no Twitter (para o público em geral, pois): "Meu sonho é ver o SPFC cair e o Muricy ter um AVC no mesmo dia... E morrer".
Outro repórter torcedor da Portuguesa insulta os gaúchos em geral, por causa da partida de seu time contra o Grêmio. E põe no Twitter, para ampla difusão, aquele tipo de comentário que é ótimo em mesa de bar, quando alguns poucos amigos se juntam para jogar conversa fora e falar bobagem sem compromisso.
Tem mais? Tem mais. Um colunista, considerando-se pessoalmente vitorioso com a nova posição das Organizações Globo, que disseram ter sido um erro seu apoio ao movimento militar de 1964, passou a exigir a demissão de alguns de seus principais jornalistas.
Esse tipo de atitude é tomado por pessoas violentas, antissociais, imbecis? Não: é gente que parece absolutamente normal, mas que, tomada por paixões clubísticas ou político-partidárias, enlouquece e vira macartista - só para lembrar, na década de 1950 o senador americano Joseph McCarthy encabeçou amplo movimento nos Estados Unidos para identificar, marginalizar e punir comunistas (ou cidadãos que ele considerasse comunistas).
A maior parte do radicalismo político-partidário-ideológico se manifesta por redes sociais e Twitter; há quem diga que o jornalista, quando opina por esses meios, não o faz como jornalista, mas como cidadão. O argumento é tão idiota quanto as teses que defendem: jornalista é jornalista o tempo todo, e por ser jornalista jamais deixa de ser cidadão.
Enfim, como dizia Pitigrilli, toda pessoa, sem exceção, tem seus cinco minutos diários de imbecilidade. A diferença entre as pessoas brilhantes e as demais é que, em seus minutos de imbecilidade, os brilhantes ficam quietos.
Hoje, há gente que com certeza desfruta de mais de cinco minutos diários de imbecilidade. E nesse período, em vez de ficar quieta, proclama-se imbecil, ruidosamente, utilizando para isso todos os meios tecnológicos disponíveis. Não haveria problema se não prejudicasse ninguém com este jorro contínuo de cretinice; mas prejudica e pode causar problemas (como, por exemplo, a incitação a "esculachar" o desenhista que pensa diferente). E jornalismo, convenhamos, é uma atividade coletiva.
Como será possível trabalhar junto de uma pessoa que ele mesmo denunciou, cujo emprego tentou tirar, cuja reputação tentou destruir?
Os rejeitados
As coisas estão piorando: antigamente, quem batia nos jornalistas era a turma da repressão - da Polícia, das Forças Armadas, das seguranças particulares. Agora, quem bate nos jornalistas é todo mundo: policiais, manifestantes e até a Mídia Ninja. Nas manifestações do 7 de setembro (fraquinhas, reduzidíssimas), 20 jornalistas foram agredidos, segundo dados da Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Em 18 dos casos, a agressora foi a Polícia; em três, manifestantes (a soma é maior do que 20 porque o repórter Júlio Molica, da GloboNews, foi agredido pela Polícia, que lhe jogou spray de pimenta, e pela turma da Mídia Ninja, que já o vinha ameaçando por querer fazer reportagem sem pedir licença a ela).
Houve casos notáveis: o repórter fotográfico Ricardo Marques, agredido pela Polícia no Rio, desmaiou (e manifestantes aproveitaram a oportunidade para furtar-lhe a câmera). Em Manaus, manifestantes agrediram duas mulheres: as repórteres Izinha Toscano, com socos nas costas, e Camila Henriques, violentamente empurrada. Ambas cometeram o mesmo crime de Molica: registrar os fatos.
Que o pessoal uniformizado não gosta de jornalista é fato antigo; o curioso é que os manifestantes, para quem a presença de repórteres deveria ser importante (evita que seus direitos sejam violados sem que ninguém registre o fato) também tenham aderido. Este colunista acredita que dois fatos simultâneos tenham contribuído para isso: primeiro, a campanha de grupos partidários contra a imprensa; segundo, a vontade dos manifestantes de enfrentar a Polícia sem testemunhas. O que, a propósito, sempre foi também a vontade do pessoal da repressão: que os deixem agir sem imprensa, sem pessoas neutras que possam registrar eventuais abusos.
O fato é que está ficando difícil trabalhar. Mesmo assim, uma coisa continua sendo clara: a principal fonte de informações (que alimenta a indignação dos manifestantes) é a grande imprensa.
Boa notícia - 1
O repórter paranaense Mauri König, da Gazeta do Povo, de Curitiba, acaba de receber o prêmio Maria Moors Cabot, concedido pela Universidade Columbia, EUA. É um prêmio pelo conjunto da obra, em 23 anos de carreira. König já foi sequestrado e espancado no Paraguai, há poucos anos, ao investigar o recrutamento ilegal de adolescentes para o serviço militar; e precisou desaparecer no fim do ano passado, ameaçado de morte, depois da série de reportagens Polícia Fora da Lei.
Boa notícia - 2
O escritor Alexandru Solomon, assíduo leitor desta coluna, acaba de receber o primeiro prêmio do júri de Poesia, Prova e Arti Figurative da Academia Il Convivio, de Messina, Itália, com seu livro A luta continua. Solomon, romeno de nascimento, brasileiro que só deixa o país a passeio, ganhou o título de melhor autor estrangeiro. O prêmio será entregue no dia 23 de outubro; o livro, devidamente traduzido, será publicado na antologia de melhores da Academia.
Como...
Frase do secretário de um conselho de defesa de direitos de pessoas com problemas: