Coluna - Observatório da Imprensa
A Turma da Censura, gente poderosa que procura acionar a Justiça para calar jornalistas e a imprensa em geral, está criando na prática um protocolo de atuação: o processo em si deixa de ser importante, pois o fundamental é tumultuar a vida da vítima - quer dizer, do adversário - tentando sufocá-lo economicamente. Foi o que fez a Igreja Universal com a repórter Elvira Lobato, movendo-lhe inúmeros processos idênticos em inúmeras comarcas, para obrigá-la a ter gastos enormes para defender-se (advogados diversos, para atender a múltiplas convocações, muitas viagens, hospedagens em locais distantes, etc.) Ou o que fez o Governo Mário Covas, do PSDB paulista, tentando calar este colunista: processos seguidos, movidos por dois secretários e até por um parente de Sua Excelência, alguns dos quais prosseguem até hoje. Houve detalhes sórdidos: por exemplo, um dos secretários tentou convencer uma tia do colunista, senhora de quase 90 anos, que muitos anos antes tinha sido sua vizinha, a depor contra o próprio parente. Não teve êxito, mas que fez a tentativa, isso fez.
No momento, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, está seguindo o protocolo: contratou um advogado paranaense, filho de ex-governador, para processar no Paraná um jornalista de São Paulo, Ucho Haddad (www.ucho.info). Por que no Paraná? Para tentar exauri-lo financeiramente, com despesas de viagem, de hospedagem, de alimentação, de contratação de advogado de outro Estado. São despesas que Sua Excelência a ministra, com direito a viajar para seu Estado por conta do Governo, não tem. Trata-se de um processo - de novo, sempre de acordo com o protocolo da Turma da Censura - sem paridade de armas.
Outro que tentou bloquear a difusão de informações foi o deputado estadual paulista Fernando Capez, do PSDB, procurador de Justiça licenciado. Capez pediu à Justiça que o colunista esportivo Juca Kfouri, que goza de grande prestígio, fosse impedido de publicar no futuro textos que o criticassem. A relatora, ministra Nancy Andrighi, do STJ, disse que a proibição da publicação de informações no futuro acarretaria "à imprensa em geral e à própria sociedade um dano excessivo e desproporcional (...)" Capez foi derrotado por unanimidade no Superior Tribunal de Justiça, STJ, mas que fez a tentativa, isso fez.
Se, no futuro, o Sr. Parlamentar se considerar ofendido, que faça como qualquer cidadão comum: processe o ofensor pela causa concreta, em vez de tentar censurá-lo preventivamente.
Enfim, é preciso prestar atenção: a tentativa de censura via Justiça se consuma pela imposição ao adversário de gastos que ele não tenha como suportar.
Estranho silêncio
Eduardo Gaievski, assessor da ministra Gleisi Hoffmann, preso sob acusação de abuso sexual de menores (quarenta casos, sendo que 17 envolvem menores de 14 anos), foi transferido da prisão de Curitiba para a Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão, a menos de uma hora de viagem do Paraguai. É preciso lembrar que Gaievski foi preso em Foz do Iguaçu, quando preparava sua ida ao Paraguai; é preciso lembrar, também, que há três meses nove presos de Francisco Beltrão renderam o carcereiro e saíram tranquilamente. Nenhum foi recapturado.
O mais estranho, porém, é o silêncio em torno da transferência. A notícia saiu em jornais e blogs paranaenses, foi divulgada no www.ucho.info (exatamente: do mesmo Ucho Haddad que a ministra Gleisi está processando), e só.
É curioso: como é que um homem importante, braço direito de uma ministra, cotadíssimo para comandar sua campanha ao Governo, preso sob acusação de crimes contra menores, é transferido de prisão sem que o restante do país seja informado?
Falando de crianças
O jornalista Fernando Portela, em nome da diretoria do Conar, Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, complementa nota desta coluna sobre a sórdida exposição de uma criança de três anos, fotografada no Ceará em poses que imitam a sensualidade exibida por modelos adultas:
"Nós, do Conar, recebemos até o momento em que enviamos esta mensagem 195 queixas a propósito do caso do Ceará. O processo foi instaurado em 15 de outubro. A própria empresa anunciante veio a público se desculpar e retirou a imagem de sua página na Internet. O julgamento será feito na 8ª Câmara, no Recife, em 22 de novembro".
O Conar é eficiente: anunciante que foge à ética passa a ser imediatamente investigado e o julgamento ocorre com toda a rapidez possível. Bom exemplo.
A grande poesia
Foi agora, no dia 29: José Paulo Cavalcanti, jurista conceituado, escritor brilhante, meticuloso, participou de debate no Sesc Vila Mariana sobre dois livros de primeira qualidade: Fernando Pessoa, uma quase autobiografia, e Fernando Pessoa, o livro das citações - ambos editados pela Record. Valeu a pena, não apenas pelos livros (Fernando Pessoa, uma quase autobiografia, mostra cada detalhe da vida do poeta português, todos devidamente verificados - talvez nem o próprio Pessoa conseguisse tamanha precisão ao relatar sua vida), mas também pelo debate: Cavalcanti é simpático, erudito, sabe do que fala, é bom de conversa.
A grande arte
Há pouco mais de cinquenta anos, o argentino Enrique Lipszyc chegou ao Brasil e revolucionou o mundo das artes: juntou os grandes talentos do mercado, gente como Ziraldo, Zélio, Manoel Victor, Nico Rosso, Mario Tabarini e, com eles, criou a Escola Panamericana de Artes, que sistematizou o ensino artístico no país e o elevou a um nível respeitado no mundo inteiro.
Nestas décadas todas, Lipszyc reuniu uma belíssima coleção: Caciporé, Vlavianos, Wesley Duke Lee, Cláudio Tozzi, Oswald de Andrade, Mira Schendel, Antônio Henrique Amaral, Modigliani, Peticov, Mário Cravo, sempre artistas de primeira linha. E agora, com a colaboração de Jacob Klintowitz, promove a exposição destas obras magníficas. É uma coleção interessantíssima, porque não se prende a uma temática, a um autor, a uma época: reflete o gosto pessoal do colecionador - e que bom gosto! Vai até fevereiro, na rua Groenlândia, 77, São Paulo, ali onde Lipszyc ergueu um dos marcos da cidade, a Pirâmide de Vidro.
O não jornalista - e que jornalista!
Este colunista o conheceu no Jornal da Tarde: Antônio Maschio, sempre barulhento, sorridente, feliz, era um dos grandes animadores da redação. Jornalista? Não: um promotor de cultura, um "agitador cultural". Começou aparecendo na redação para divulgar peças, livros, eventos; acabou virando parte dela, palpitando, opinando, dando sugestões. E, na redação do JT, encontrou seu sócio: Vladimir Soares, o Frajola, repórter e redator de Variedades. Juntos, abririam um bar e restaurante que marcou São Paulo, o Spazio Pirandello.
Virou ponto de encontro, o Pirandello. Ali se reuniam artistas, jornalistas, estudantes, professores; escritores como Mário Prata e Ignácio de Loyola Brandão; a Turma das Diretas, com Osmar Santos, Caio Prado, Caio Fernando Abreu; Fernando Henrique Cardoso era presença constante. Ali foi um dos pontos de convergência da campanha das Diretas Já, que embora derrotada levou Tancredo Neves à Presidência da República.
Curiosamente, o Pirandello não sobreviveu à redemocratização do país. Maschio e Vladimir Soares seguiram cada um o seu caminho, sempre com brilho. Vlad escreveu um gostoso livro de reminiscências, Spazio Pirandello: assim era se lhe parece. Maschio foi fundador tanto do PSDB como do PT; mas escolheu os tucanos. E foi tucano até o final de sua vida, na semana passada, levado por complicações decorrentes de um câncer de pâncreas.
Já se disse milhares de vezes que o cemitério está cheio de pessoas insubstituíveis. A frase será repetida mais uma vez. Mas Antônio Maschio fará falta.
É fácil acertar
1 - Atenção, caro colega: simples é simples, simplório é simplório. Não são sinônimos, não. Simples quer dizer "singelo, sem ornamentos". Simplório quer dizer "indivíduo ignorante, ingênuo, tolo". Um carro não é "simplório"; é simples. Simplório é quem paga por esse carro simples o preço de um Rolls-Royce.
2 - Quando apontar algum erro de grafia cometido por pessoas pouco alfabetizadas, preste atenção no próprio texto. Outro dia, uma faixa com as palavras "displiçência não" teve o erro assinalado. E aí segue o texto: "Gramática à parte (...)" E desde quando a grafia das palavras tem algo a ver com a gramática? Gramática é o conjunto de normas que estruturam a língua. Grafia é a convenção pela qual os sons são representados.
3 - Está num grande jornal impresso: o entrevistado diz que tem uma "kitnet". Pelo sentido da frase, deve ter uma kitchenette (ou, aportuguesada, quitinete), um imóvel pequeno, com sala e banheiro, e um armário que se transforma numa pequena cozinha. Como o entrevistado não escreveu, quem sabe o repórter poderia perguntar a alguém a que é que ele se referia?
Por que simplificar?
Está num blog sempre bem feito, que vale a pena ler: o do gaúcho Fernando Albrecht (http://www.fernandoalbrecht.com.br). Ele conta como é um press-release que recebeu, da assessoria de imprensa de um médico:
"Seja eficiente ao dar o laço para que ele não solte facilmente. Mas, como manter o laço firme? Após dar o laço, segure o cadarço no ponto entre o buraco do sapato e o nó do laço com os dedos polegar e indicador, dos dois lados dos passadores, um com cada mão, e puxe para as laterais. O primeiro nó ficará mais firme e o laço tenderá a ficar melhor centralizado. Esta técnica (...)"
"Vocês não vão acreditar no tamanho do e-mail: nada menos do que 1.449 palavras ou 8.259 caracteres em 104 linhas de computador para explicar como se faz essa proeza! Por aí você tem uma ideia de como anda nossa profissão".
E a gente botando a culpa dos manuais incompreensíveis só nos nerds!
Como...
"Trator guia grupo de gansos", diz a legenda de um grande portal informativo.
A foto é linda. Mas mostra que o trator está atrás dos gansos, esperando passagem.
...é...
De um dos maiores portais informativos do país: