Coluna - Observatório da Imprensa
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam mais. Só que, se o mundo é o mesmo, já não é o mesmo; nossos ídolos ainda são os mesmos mas trocaram de lado três vezes. E até nós, jornalistas, estamos confundindo política com polícia. Pense bem: quando o mundo jornalístico se dividia entre grandes jornais e vespertinos que, espremidos, escorriam sangue, em qual dos dois mundos entraria o noticiário político de hoje em dia?
É ladroeira no Metrô, é ladroeira nos trens urbanos, é golpinho fuinha para aprovar projeto na Câmara Municipal, é clima de torcida organizada entre jornalistas de um e outro partido - e jornalista deveria ter partido, já que isso pode prejudicar seu compromisso com o consumidor de informação? Este colunista é do tempo em que o PT dizia ser diferente de tudo que está aí; e viveu o suficiente para ver o PT proclamando que é igualzinho aos outros, só que mais perseguido.
Pois não é que aparece uma foto, sem qualquer comentário, em que José Sarney, Fernando Collor e Lula estão juntinhos, só faltam abraçar-se, em homenagem ao falecido presidente João Goulart? Nenhum comentário - nem mesmo para dizer que Sarney foi um combativo opositor de Goulart, que apoiou sua deposição, que foi presidente da Arena, o partido que deu sustentação política à ditadura militar que depôs Goulart; nem mesmo para dizer que Lula participou da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, uma gigantesca manifestação cujo principal lema era o Fora, Goulart.
OK, o tempo passa, o tempo voa, a poupança Bamerindus extinguiu-se numa boa, mas nem para lembrar o passado de cada um os meios de comunicação se movimentam?
Nem para lembrar que, hoje aliados, não faz muito tempo Collor e Lula chamaram Sarney de ladrão e Collor levou à TV o depoimento de uma namorada de Lula que o acusava de ter tentado forçá-la a um aborto?
O falecido presidente João Goulart merece a homenagem de seus sucessores, em homenagem ao cargo que ocupou democraticamente. Mas não se pode esquecer o passado: se os meios de comunicação existem apenas para registrar eventos (e a exumação de Goulart tanto foi um evento que houve a contratação de uma empresa de eventos, a gaúcha Capacitá, para organizá-lo na forma de comício, até com palanque para a ministra Maria do Rosário, que quer candidatar-se ao Senado pelo PT no ano que vem), então se tornaram desnecessários: basta pegar uma imagem de celular que tevês, rádios, portais de Internet, jornais e revistas acabam, como inutilidades caras, totalmente descartáveis.
Mas voltemos ao noticiário em geral: pegue um grande jornal e veja o que está na primeira página. Bandalheiras, ladroeiras, maracutaias, denúncias, processos. Política - a arte de governar, de buscar convergências, de liderar - se transformou numa editoria igualzinha à de Polícia. Só faltam os crimes de sangue. Fora isso (se é que isso está realmente fora), resta apenas um enumerado de infrações às leis e aos códigos vigentes, e a discussão sobre o motivo pelo qual alguns já foram condenados e outros não.
A imprensa bate bumbo, reclamando ora que seus favoritos foram prejudicados e seus inimigos não, ora que, se tanto inimigos quanto amigos praticam os mesmos atos condenáveis, por que os amigos enfrentam problemas e os inimigos não.
Este colunista entende o problema: o mesmo lance, a favor do Corinthians, é correto, e contra o Corinthians indica que o juiz é ladrão. Só que este colunista é declaradamente corinthiano, não faz cobertura de clubes por absoluta falta de isenção e se coloca como torcedor. Um bom grupo de jornalistas que cobre mensalão e golpes afins tem a mesma visão deste colunista quando trata de futebol - só que se apresentam como profissionais em busca da verdade.
Até são - mas da sua verdade.
Cadê o editor?
Por muito tempo o leitor de jornais e da Internet vem lamentando (e continuará a fazê-lo) o fim dos revisores: tem acessoria, assesso, viajens, beserros, cinceridade, concerteza, gente mau-humorada, há palavras repetidas, há frases mais sem sentido que discurso de autoridade.
Os consumidores de informação deveriam, também, reclamar da ausência dos editores - aqueles profissionais mais experientes, com visão mais ampla dos fatos, mais capazes de organizar o noticiário. Do jeito que a coisa vai, o jantar do representante de uma marca francesa que pretende abrir uma loja no Brasil ganha tanto espaço quanto uma notícia efetivamente importante. E as fábricas de papéis de alguns empresários, que os tornaram ricos sem produzir rigorosamente nada, entram no noticiário como se efetivamente fossem empresas em condições de captar corretamente o suado dinheiro dos pequenos investidores.
Um bom editor, por exemplo, é capaz de omitir notícias cujo objetivo seja apenas o de atingir uma reputação ou criar uma fofoca. Este colunista tinha como norma, por exemplo, ignorar ligações extraconjugais, exceto quando tivessem importância política. É uma decisão difícil, muitas vezes; mas cabe ao jornalista, usando sua experiência, tomá-la e ser capaz de defendê-la. Há histórias ótimas, de belas senhoras entrando em palácios juntamente com a equipe de limpeza, devidamente uniformizadas; ou de um casal famoso que, após descoberta a infidelidade do marido, foi chamado por pessoa influente e aconselhado a esquecer as mágoas ao menos enquanto uma briga entre ambos pudesse prejudicar o grupo.
É ocultar informações? Não: qualquer veículo recebe uma quantidade de informações gigantesca, muito maior que a que pode divulgar. Opta por algumas e descarta as demais. Informações que servem apenas para prejudicar pessoas ou gerar fofocas podem perfeitamente ser incluídas na lista das descartadas.
Mas, se o editor comanda o que será publicado, quem comanda o editor? Simples: seu público. Se um veículo concorrente publica notícias que o editor desprezou, e o público o aprova, tende a trocar um por outro. E o editor cai.
Cadê o diploma?
Nada como um bom primário - hoje, primeiro ciclo do ensino fundamental. Sem ele não há diploma universitário ou de pós-graduação ou de pós-doutorado que se sustente (como dizia o Barão de Itararé, diploma não encurta a orelha de ninguém). Veja um exemplo de texto que, se houvesse um Ruy Onaga, um Raul Drewnick, um Luiz Carlos Cardoso na revisão, não passaria de jeito nenhum (e, nas mãos de um editor como o Rolf Kuntz, o redator teria muita dificuldade para explicar o motivo que o levou a construir frases como estas). A notícia é sobre a morte de um fisiculturista. No título, "Fisiculturista de Castelo (...)". Na última linha do texto, a explicação: Castelo é sua cidade natal, no Espírito Santo.
"(...) o atleta morreu desde a sexta-feira (...)"
O corpo só foi encontrado na terça seguinte, por funcionários do hotel. Perguntaria um editor: que diabo de hotel é esse, em que os funcionários não entram num quarto durante tantos dias? E que quer dizer "morreu desde a sexta-feira"?
Continuando:
"Quatro dias após seu suposto desaparecimento (...)"
Como, suposto? Ele havia desaparecido mesmo, não era visto por ninguém. Não havia nada suposto. O que se poderia supor era que a notícia, tendo sido publicada pelo portal noticioso de uma grande organização jornalística, tivesse texto um pouco mais cuidado.
Truman show
A Internet abriu campo para exibições inacreditáveis: o cavalheiro almoça e expõe para milhões a foto de seu prato, vai dormir e conta para milhões que está com sono, conta para todos sua vida sexual. O problema é que, sendo ou não inconveniente, sendo ou não imprudente, o internauta tem todo o direito de agir assim, enquanto não estiver prejudicando ninguém (por exemplo, revelando sem autorização o nome de quem partilha sua cama).
É chato? É chato. Mas ser chato não obriga quem se chateia a adotar atitudes censórias. Não gosta de ler? Não leia, uai! É simples assim! Há gente horrorosa de feia que posta fotos e todos seus amigos escrevem "lindooooooo", "lindaaaaa", "gatona". Há três coisas que podem ser feitas: colocar uma mensagem dizendo que a foto é de uma pessoa tão feia que poderia ir para o Ministério, ou ler e se irritar, ou simplesmente passar direto.
Este colunista recomenda a terceira.
Um internauta ficou revoltadíssimo com a subcelebridade instantânea que tirou fotos de Justin Bieber dormindo, contou ter transado com ele e informou sua opinião sobre os dotes físicos do parceiro. "Não precisava dessa informação", revolta-se o internauta. "Não precisava, mas ela estava lá, na tela do meu computador, com destaque".
Não precisava, caro amigo. Não precisava ficar sabendo. Mas não precisava ficar irritado: bastava não ler. E, se achar que a chatice é grande demais, nem entre nas tais redes sociais. Essas redes às vezes são divertidas, mas ficar sem elas não muda nada na história do mundo.
O Jabuti incontestável
Audálio Dantas, 84 anos, alagoano radicado em São Paulo, jornalista desde o tempo em que Esperidião Amin tinha cabelo e Paulo Skaf não tinha, viu sua obra As duas guerras de Vlado Herzog premiada como o Livro do Ano do Prêmio Jabuti, categoria não ficção. Seu companheiro de Livro do Ano, categoria ficção, é também notável: Luís Fernando Veríssimo, com Diálogos Impossíveis.
Audálio (que teve um dos papeis centrais, ao lado do cardeal d. Paulo Evaristo Arns, do rabino Henry Sobel e do reverendo James Wright nos protestos contra o assassínio de Vladimir Herzog) trata das duas perseguições a Vlado: na Europa, pelos nazistas; no Brasil, pela ditadura militar, que o assassinou sob tortura. Um belo livro. E a distinção como Livro do Ano é das mais merecidas.
Livraria da boa
Vale a pena visitar: acaba de ser inaugurada em São Paulo uma bela livraria, a Blook, no Shopping Frei Caneca. A inauguração foi sensacional: Zuenir Ventura e Luís Fernando Veríssimo autografando suas obras.
A Blook pertence a Elisa Ventura, filha de um casal de jornalistas de primeira linha: Zuenir e Mary Ventura. Seu irmão Mauro Ventura também é um jornalista e escritor notável: acompanhou numa favela o julgamento de um bandido por traficantes, e ganhou o Prêmio Esso Regional; e ganhou o Prêmio Jabuti com O Espetáculo mais Triste da Terra.
Elisa tem o DNA da família. Sua Blook no Rio é um sucesso; agora chegou a vez de São Paulo. Uma livraria daquelas em que se pode passar algumas horas, folheando obras, lendo um livro, sem que ninguém o incomode tentando saber o que você vai comprar. Tem tudo para transformar-se num grande sucesso em SP.
O clássico torcedor
Um dos grandes escritores brasileiros, José Lins do Rego, foi um primoroso cronista do Flamengo, seu time de coração. No Jornal dos Sports, do Rio, publicou algumas centenas de crônicas de alta qualidade. Outro jornalista de primeiro time, Marcos de Castro, garimpou 111 crônicas de Zé Lins na coleção do Jornal dos Sports e reuniu-as no livro Flamengo é Puro Amor.
Para quem gosta de futebol e de bons textos, é um livro que tem de ser lido.
Casal total
O marido, José Paulo Cavalcanti, é o autor da irretocável Uma Quase Autobiografia, sobre vida e obra de Fernando Pessoa, uma pesquisa em profundidade, com texto impecável, da vida e obra do poeta português. A esposa, Lectícia Cavalcanti, estudiosa de culinária (cozinha maravilhosamente, pesquisa pratos e sabores, conhece a história de cada prato, escreve tão bem quanto cozinha) acaba de ser eleita para a Academia Pernambucana de Letras. Ocupa a cadeira 23, que pertencia ao crítico literário César Leal. Uma curiosidade: Lecticia é neta do China Gordo, Agamenon Magalhães, que foi, mais que governador por duas vezes, o grande manda-chuva de Pernambuco.
Mariz fora da lei
O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, um dos mais conceituados do país, deixa as leis e sua interpretação de lado na obra que está lançando: Crônicas Absolvidas. São histórias, comentários, muitas vezes relacionados com suas atividades profissionais, mas longe da área do Direito, em que se notabilizou; e com o excelente texto que quem o lê no portal Migalhas (www.migalhas.com.br) se acostumou admirar.
Na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Avenida Paulista, SP, dia 25, a partir das 18h30.
Ação feminina
Nos piores tempos da ditadura militar, um grupo de mulheres criou um jornal alternativo muito bem feito, que defendia não apenas o retorno ao regime democrático mas o avanço dos direitos da mulher e o reconhecimento de seu papel na sociedade. O Nós, Mulheres desempenhou ambas as funções, de 1976 a 1978, mesmo enfrentando as dificuldades típicas da época; e juntou um grupo de excelentes jornalistas, que depois seguiram carreiras de sucesso.
No dia 25, às 20h, na PUC-SP, a quase jornalista Ana Paula de Araújo, aluna de um grande professor e profissional de Redação, Wladyr Nader, defenderá seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre o Nós, Mulheres.
Vale a pena ler a tese e assistir à defesa, para conhecer melhor um período político ruim que, graças à luta de grupos competentes, permitiu mesmo assim a geração de bons frutos.
Como...
De um grande jornal impresso, de circulação nacional: