Coluna - Observatório da Imprensa
O debate jornalístico sobre o livro-depoimento do delegado Romeu Tuma Jr., Assassinato de Reputações - um crime de Estado, abandonou a pesquisa e a reportagem e mergulhou fundo no clima de campanha eleitoral, como se tornou habitual nos últimos tempos. Tuma Jr. fez uma série de denúncias em mais de 500 páginas; o correto é analisá-las e desmenti-las, ou confirmá-las, ou reconhecer o que há de preciso ou impreciso em cada uma.
Algumas denúncias, em princípio, são graves - por exemplo, a de que o então líder sindical Luiz Inácio da Silva, que ainda não havia incorporado Lula a seu nome, era informante da polícia política. Há aí três possibilidades:
1- a informação é verdadeira - e, nesse caso, exige aprofundamento, com abertura de espaço ao ex-presidente Lula para que apresente sua posição;
2- a denúncia é falsa - e, nesse caso, abre-se a possibilidade de processo contra o denunciante e investigação dos motivos que o levaram a inventá-la;
3 - questão de interpretação: tanto Lula quanto o delegado Romeu Tuma, pai de Tuma Jr., eram afeitos ao diálogo, e podem perfeitamente ter combinado os limites da atuação de cada um, trocando informações, para evitar choques que poderiam piorar o clima entre Governo e os sindicalistas mais organizados.
Há muitos pontos a esclarecer nas narrativas de Tuma Jr.: o caso Celso Daniel, por exemplo - ele era o delegado de Taboão da Serra, SP, e conduziu as primeiras investigações sobre o assassínio do prefeito de Santo André, chegando a conclusões opostas à de seus colegas de Polícia Civil. Para ele, foi um crime político; para os delegados que comandaram duas outras investigações, foi um crime comum, assalto e sequestro seguido de morte. A conversa que diz ter tido com o hoje ministro Gilberto Carvalho, que teria lhe dito que o dinheiro arrecadado ilegalmente em Santo André era destinado exclusivamente ao partido, às campanhas, e entregue diretamente a José Dirceu. O episódio da prisão do milionário russo Boris Berezovski, que tinha vindo ao Brasil a convite do Governo. Sua atuação no Corinthians, onde é um dos destaques da oposição ao grupo do ex-presidente Andrés Sanchez, ligado ao ex-presidente Lula.
Enfim, material é o que não falta. E no entanto o que se tentou fazer foi discutir besteiras: desmentir que Tuma Jr. estivesse na Polícia na época em que Lula foi preso e ficou sob a guarda de seu pai, Romeu Tuma; negar, com base num erro da Wikipédia, que Tuma Jr. tivesse idade para pertencer à Polícia; desmentir sua presença junto a Lula, quando há até fotos dos dois nessa época.
O entrevistador de Tuma Jr., Cláudio Tognolli, que deu o texto ao livro, é um ótimo repórter, investigativo, de grande currículo, ex-correspondente internacional, professor de duas universidades, extremamente cuidadoso na avaliação dos dados a que tem acesso. Levou algo como dois anos entrevistando o delegado e examinando sua narrativa. Pronto o livro, Tuma Jr. procurou seus advogados, que leram tudo com muito cuidado, até atrasando o lançamento nas livrarias. Tuma Jr. se compromete a esclarecer qualquer dúvida, a rebater quaisquer desmentidos e ainda garante que tem material para outro livro.
OK, Tuma Jr. não é um campeão de popularidade. Dizem que é pessoa de trato difícil, participou de episódios controvertidos, colocou-se contra colegas respeitados em investigações importantes. Num episódio triste, trabalhou em dupla com o então presidente da Câmara Municipal de São Paulo, José Eduardo Martins Cardozo, do PT, hoje ministro da Justiça. Cardozo interrogava testemunhas durante doze ou mais horas e, em seguida, as entregava a Tuma Jr., que as levava, já exaustas, para ser ouvidas na Polícia.
Mas não se trata de analisá-lo como santo ou demônio, como petista, tucano ou PFL (que foi por muito tempo o partido de seu pai), nem de elegê-lo Mr. Simpatia, nem de discutir sua idade - até porque, se comprovadas, suas informações demonstrarão que tem idade suficiente para causar um terremoto político. E, se desmentidas, não haverá como recuperar sua imagem, seja qual for sua data de nascimento, por muitos e muitos anos.
É um livro a ser lido com calma. E a ser dissecado pela imprensa fato por fato, frase por frase. O importante não é ser amigo ou inimigo de Tuma Jr. É verificar se aquilo que ele conta é verdade ou mentira. E daí tirar as consequências.
Trilhando a reportagem
A cobertura da questão do cartel no Metrô e nos três urbanos de São Paulo está também caindo no clima de guerra partidária. Discute-se quem vazou as informações, se houve plantação de notícias cobertas pelo sigilo das investigações, discute-se se as notícias plantadas ao menos correspondem ao que está sendo investigado - há quem diga que textos em outras línguas foram traduzidos para o Português, especificamente para ser vazados, com partes falsas inseridas em determinadas frases.
Sim, vazamento seletivo de investigações é crime, frases apócrifas são crime, e repetem aquele padrão que levou o presidente Lula a chamar alguns correligionários de "aloprados". Tudo isso deve ser investigado. Mas essa é uma das questões. Resta a outra: serão verdadeiras as notícias plantadas? São duas coisas diferentes: uma é o crime propriamente dito, outra é o crime de vazar as investigações. Não é correto deixar um caso de lado e só cuidar do outro.
O cartel do Metrô, por exemplo, oferece várias visões possíveis. A primeira, essencial, é saber o que aconteceu em São Paulo. Tudo começou apenas no Governo Covas? Parece difícil acreditar nisso; mas, de qualquer maneira, essa é a informação de que se dispõe, e que precisa ser esmiuçada. Nos diversos Governos tucanos, quem cuidou dessa área? Como atuaram os órgãos de controle? Por que os governadores "não sabiam de nada"? E secretários como os de Justiça, de Transportes, o Ministério Público, nada perceberam?
Outra questão: as mesmas empresas (em boa parte multinacionais) que atuam em São Paulo agem também em outras regiões do país e prestam serviços ao Governo Federal. Agem de forma ilícita só em São Paulo? Caso isso aconteça, quais os mecanismos de controle que funcionam em outros lugares e em São Paulo deixaram de funcionar?
Finalmente, foi adotado em São Paulo um esquema em que empresas particulares constroem e operam novas linhas do Metrô. Nesse caso, em que empresários privados contratam serviços e vigiam os custos, já que é o dinheiro deles que está em jogo, quais são os preços cobrados pelos prestadores de serviços? São diferentes dos exigidos do Governo?
No fim das contas, a questão é mais simples do que parece: os meios de comunicação devem buscar todos os lados da notícia, o que é básico no jornalismo, para oferecê-la completa aos consumidores de informação. Isso só parece difícil por dois motivos: a radicalização ideológica absurda, que trata como coisa natural que criminosos condenados queiram julgar o tribunal que os condenou, e as gentis ofertas de matérias praticamente prontas, desde que o repórter as aceite exatamente como são oferecidas, sem questioná-las em nenhum instante.
O esquema de poder
Lembra de um procurador que já foi famoso, Luís Francisco? Pois ele dizia que o Ministério Público deveria usar a imprensa de tal maneira que os juízes se sentissem pressionados a aceitar os pedidos dos promotores. É a história dos vazamentos seletivos: de uma investigação sigilosa, tira-se só aquilo que vai contra o alvo e se dá a matéria à imprensa apenas com o que interessa à fonte.
Funciona; e funciona de maneira sórdida. Muitas vezes, o repórter tem a matéria oferecida gentilmente por uma autoridade oculta já na segunda-feira, mas o jornal decide que é reportagem para ser publicada no domingo. O repórter guarda a matéria. Na sexta-feira, lá pelas 18h30, quando as empresas já fecharam seus escritórios, eles procuram "o outro lado". Mesmo que um diretor seja localizado para responder, não terá tempo para buscar nos arquivos a documentação necessária (e, além disso, não sabe que outras acusações serão feitas: só aquelas que o repórter resolver contar). Então, sai aquela reportagem de página inteira, com pesadas acusações, e à guisa de outro lado uma frase como "fulano de tal, diretor de tal setor, nega as acusações". Pode ser pior: "a empresa foi procurada, mas quem atendeu ao telefone, dizendo-se segurança, disse que não tinha como localizar nenhum diretor". E está montada a arapuca. Não há o menor interesse em completar a reportagem, em comparar versões, em buscar os fatos reais. Isso violaria o acordo espúrio que foi feito com a fonte.
Completando o giro da notícia: quem mostrou o modo de operar do procurador Luís Francisco foi exatamente o repórter Cláudio Tognolli, o mesmo que entrevistou o delegado Tuma Jr. para seu livro e lhe deu o texto final. Luís Francisco costumava enviar informações para Tognolli. Este, desconfiado como todo bom repórter, varejou o texto no computador e descobriu que o original tinha sido preparado pelo advogado de uma das partes e encaminhado ao procurador, que simplesmente assumia as informações. Funcionava assim.
E, em muitos e muitos casos, continua funcionando assim.
Siga o dinheiro
Enquanto as autoridades discutem longamente como combater a violência nos estádios, a medida mais óbvia vai sendo esquecida: estancar a fonte de dinheiro das torcidas organizadas. Enquanto essas torcidas receberem passagens e ingressos gratuitos, enquanto tiverem liberdade para vender ingressos que receberam de graça, terão dinheiro para levar baderneiros aos estádios, com o objetivo único de provocar as torcidas adversárias e provocar brigas.
Agora, descobriu-se que em dois anos um ex-presidente do Grêmio de Porto Alegre repassou R$ 1,1 milhão para torcidas organizadas, como doação, sem qualquer exigência de contrapartida ou de prestação de contas. Em troca, os torcedores organizados votavam em massa no grupo político do presidente que os beneficiava. A história foi revelada pela Zero Hora, que publicou junto uma boa notícia: o atual comando do Grêmio eliminou esta vergonheira.
A culpa da imprensa
É curioso: não faz muitos anos, os Governos militares culpavam a imprensa por todos os males do país, tanto que decidiram censurá-la. A militância dos partidos atuais reclama da imprensa a cada notícia: se é contra os adversários, deveria ter tido título maior, de mais impacto; se é a favor dos adversários, por que tanto destaque? Este colunista já recebeu críticas de um leitor petista porque identificou um petista com a sigla do partido, e um peessedebista como tucano. Ora, PT é um nome com letras maiúsculas, e tucano com minúsculas, o que prova que este colunista queria dar ênfase maior ao malfeito petista do que ao tucano. Como diria o grande Pelé, "entendje"?
Mas tudo que é ruim pode piorar. Lembra de Champinha, o "dimenor" que assassinou o jovem Felipe Caffé e sua namorada Liana Friedenbach, depois de, durante quatro dias, submetê-la a sucessivos estupros e sessões de tortura?
Bem, Champinha, ou Roberto Aparecido Alves Cardoso, tinha 16 anos na época da barbárie. Ficou preso até os 21. A Justiça achou que seria temerário deixá-lo solto nas ruas, e colocou-o numa Unidade Experimental de Saúde, onde deve ficar até que exames psiquiátricos comprovem que não mais apresenta periculosidade. O advogado de Champinha, tentando libertá-lo, acusou a imprensa de "tratar como fera" o seu cliente. Ele estaria preso não por ser perigoso, mas porque não caiu nas boas graças dessa imprensa feroz e sanguinária.
Augusto Nunes, blogueiro da Veja online, faz uma proposta ao advogado de Champinha: entrar na campanha pela libertação de seu cliente e pagar-lhe um salário de senador da República, desde que o advogado o contrate como guarda-noturno de sua casa. Ou dois salários de senador, se o causídico concordar em oferecer-lhe um revólver calibre .38 para exercer suas funções de guarda noturno.
É uma bela oportunidade para o advogado mostrar que acredita no que diz.
Acertou? Pau nele!
O técnico Tite, maior ganhador de títulos da história do Corinthians, ídolo da torcida, encerra agora seu contrato. O clube optou por não renová-lo. Tite foi informado um mês antes de que não haveria renovação, recebeu homenagens, elogios, soube com antecedência quem seria seu substituto, recebeu corretamente todas as quantias a que fez jus.
E como o clube foi atacado por isso! Este colunista é corinthiano, gostaria de ver Tite no comando do time por mais algum tempo, mas concorda: tudo foi feito às claras. Tite não foi mandado embora, dispensado, cortado. Só houve a opção de não renovar seu contrato. Ou seja, uma atitude perfeitamente profissional.
A imprensa se comporta, nesse caso, como na operação do ministro Sérgio Motta, muitos anos atrás. Motta escolheu como cirurgião um médico notável, o dr. Sérgio de Oliveira, internacionalmente reconhecido. E colunas de fofocas políticas vieram com a história de que ele tinha preterido o Dr. Adib Jatene.
Na verdade, Sérgio Motta não preteriu Jatene, um cirurgião de altíssimo gabarito; apenas escolheu outro, um direito seu como paciente. É mais ou menos a mesma situação de agora: se não se faz aquilo que os meios de comunicação acham correto, ficam todos espantadíssimos.
A seca como ela é
A frase é do jornalista Magno Martins, pernambucano ortodoxo, que só sai do Estado a passeio, profundo conhecedor de Pernambuco e de seus problemas: em caso de seca, não grite por socorro. Você pode atrair o Governo.
Se o Governo for atraído e resolver mesmo agir, criará uma grande estrutura, com imensas salas muito bem equipadas, equipes interdisciplinares interativas, slogan de divulgação, empresas terceirizadas, consultores, computadores, gráficos coloridos, planilhas, esboços, tudo. Tudo, menos água.
Magno Martins está lançando Reféns da Seca, pela editora Carpe Diem. O lançamento sai na hora exata: quando a região enfrenta a pior seca dos últimos 50 anos (e quando a obra de transposição das águas do rio São Francisco, que deveria ter sido concluída em 2010, continua sem o menor vestígio de umidade).
Para escrevê-lo, percorreu as áreas mais atingidas do Nordeste, viu pessoalmente a tragédia, estudou muito o problema e as soluções. Buscou informações sobre a transposição de rios na China. "Lá, funciona", diz. "Aqui, muita seca ainda vai passar por dentro dos canais até que a transposição esteja pronta".
Como...
De um grande portal da Internet: